A Educação como meio de Inclusão social do Adolescente em conflito com a lei.

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Recursos Humanos

01/02/2015

1. INTRODUÇÃO

 

            A igualdade social é um valor que se deve estar presente em todo o processo educativo, quer vise a formação profissional ou outras transformações. Educação sem privilegiar a origem social: a direção e a forma que tornam a existência de um indivíduo, isso é fruto do processo educativo.

            A Educação pode ser considerada como o alicerce da justiça social; ou seja, igualdade de oportunidades para todos e o status definido pelos valores reais que cada um sabe desenvolver para o bem comum. Todas as pessoas são responsáveis, cada uma no âmbito de suas possibilidades, pela realização de estruturas sociais, que permitem a todos os membros de uma comunidade atingir níveis de vida compatíveis com sua dignidade (TEIXEIRA, 2002).

A Constituição Brasileira de 1988 assegura o direito de todos à Educação; sem exceção, contemplando também os portadores de deficiências físicas; os cidadãos que vivem à margem da sociedade; bem como os cidadãos que não completaram o ciclo escolar na faixa etária esperada, tentando garantir a gratuidade do ensino, assim como a formação profissional (BRASIL, 1988).

Em suma, o que a Constituição Brasileira deseja garantir ao cidadão brasileiro é a certeza de uma educação plena, assim, como a sua concretude, em termos de qualidade de vida integrada à saúde, alimentação e transporte. No entanto, o que causa espanto é o fato de verificar que o discurso enfático e bonito, infelizmente, não é, muitas vezes, executado.

Considerando esses pressupostos, verifica-se que faltou seriedade na condução de uma política profícua de assistencialismo para a infância e adolescência. A situação de exclusão vivenciada pelos pobres e negros no Brasil advém desde os tempos da Colônia, e infelizmente, até os dias atuais. Houve sempre uma preocupação mais eminente por parte do Estado e da elite em punir a delinquência ao invés de acolher, amparar a infância desvalida e abandonada (RIZZINI, 2009).

Se trouxer essa triste realidade, do menor infrator, do passado para os dias de hoje, verá que muito pouca coisa mudou, talvez, um número maior de legislação, como, por exemplo, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em julho de 1990, sem sombra de dúvida representa um marco histórico, mas muitas das vezes é ignorado ou desconhecido tanto por parte do Estado, como pela família desses menores, quanto pela sociedade.

Observa-se que a convivência em uma sociedade onde a violência faz parte do dia-a-dia das pessoas ocorre em todos os níveis sociais e está inserida em todas as instituições, como, por exemplo, na família, no trabalho, na igreja, na escola, nos poderes políticos, na própria justiça, enfim está implícita nas relações entre as pessoas e legitimada socialmente. O problema social que se vive é sério e complexo de ser resolvido.

Segundo os especialistas em Educação Teixeira (2002) e Fernandes (2002), é através da igualdade de oportunidades que é manifestado o direito à educação e pela continuidade do sistema de educação, organizado de forma a que todos, em igualdade de condições, possam dele participar e nele continuar até alcançarem os níveis mais altos. Só assim, enfatiza Teixeira (2002) poderá haver a inclusão social dos indivíduos, a possibilidade do resgate social vem via educação, permitindo a inclusão das pessoas no contexto histórico, social, cultural e profissional.

            Dentro deste contexto, o presente estudo faz uma abordagem da educação como meio de inclusão social do adolescente em conflito com a lei no cumprimento de medidas sócio-educativas de semiliberdade no Centro de Referência de Integração do Adolescente – CRIAAD, de Duque de Caxias, localizado no Estado do Rio de Janeiro, ligado ao Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas – DEGASE, que por sua vez está vinculado a Secretaria Estadual de Educação – SEEDUC/RJ.

            Nesse sentido, a questão que norteia este estudo é conhecer: como é realizada a reinserção à sociedade do menor em conflito com a lei, em cumprimento de medidas sócio-educativas de semiliberdade, no CRIAAD, de Duque de Caxias?

            O objetivo geral é investigar como é trabalhada a educação para a realização da inclusão social do menor em conflito com a lei em cumprimento de medidas sócio-educativas de semiliberdade, no CRIAAD, de Duque de Caxias.

A delimitação da temática abordada é em relação à educação como meio de inclusão social do menor em conflito com a lei, do sexo masculino, idade entre 12 e 18 anos, cumprindo a medida sócio-educativa do tipo semiliberdade, no CRIAAD, de Duque de Caxias, localizado no Estado do Rio de Janeiro.

            Sabe-se que as causas da delinquência estão sempre atreladas à pobreza, e pode-se também afirmar que houve um avanço no entendimento da gravidade do problema. Dentro dessa premissa, surgiu o interesse de abordar o tema e também pela minha atuação como educadora, de trabalhar a educação como meio de socialização dos jovens em conflito com a lei.  

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, que procurou as mais recentes publicações nacionais disponíveis sobre a temática, que engloba livros, artigos, legislações, trabalhos acadêmicos, entre outros. Assim, é possível até mesmo tratar a pesquisa bibliográfica como um tipo de pesquisa documental, que se vale fundamentalmente de material impresso para fins de leitura (GIL, 2002). A revisão bibliográfica propicia uma melhor posição para se interpretar os resultados de um novo estudo, possibilitando a realização de implicações teóricas e comparações úteis, bem como a localização dos resultados do estudo no corpo de conhecimento existente.


2. REVISÃO DE LITERATURA

 

2.1 DO BRASIL COLÔNIA ATÉ OS ANOS DE 1980: ASPECTOS LEGAIS

 

Faleiros (2009) conta que a criança pobre, negra e escrava não tinha nenhuma proteção. Esse abandono de crianças data do século XVII e vinha se tornando um problema que preocupava autoridades, os quais denunciaram e requeriam uma solução do rei. Havia muitas indefinições quanto à assistência à criança necessitada.

Após a Independência do Brasil, começou a despertar interesse por parte dos juristas a promulgação de leis em relação aos menores de idade. Assim, surge à primeira lei penal do Império, o Código Criminal de 1830. Rizzini (2009) observa que historicamente, esta lei pode ser considerada como um progresso, porque até naquela ocasião estavam em vigor as Ordenações do Reino de Portugal, cujas medidas de punição foram abolidas por serem desumanas.

Apesar da menoridade, significar uma atenuante à pena desde o início do direito, crianças e jovens eram barbaramente punidos antes de 1830, sem discriminá-los dos delinquentes adultos. Essa nova legislação institui o estabelecimento da responsabilidade penal para menores a partir de 14 anos (art. 10, § 1º), considerando que “se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos as Casas de Correcção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de dezasete annos” (Lei de 16 de Dezembro de 1830, p. 144) (RIZZINI, 2009, p. 100).

 

Verifica-se que a questão penal naquela ocasião não tinha muita expressão, tanto que somente 20 anos depois é que começou a ser elaborado um regulamento para a “Casa de Correcção”. A ideia original era criar um local com alas separadas, sendo uma de correção para menores delinquentes, mendigos e vadios condenados à prisão com trabalho; e a outra ala para as outras pessoas presas destinados à divisão criminal.

Arantes (2009) afirma que ao longo de três séculos e meio, as iniciativas de assistência à infância pobre e desvalida foram de cunho religioso, sob o manto do catolicismo. O governo começou a se manifestar após 1850. As primeiras duas décadas do século XX é o período mais positivo da história da legislação brasileira para a infância. Foi grande o número de leis promulgadas, inclusive originou o Código de Menores, legislação especial para a infância, tentando equilibrar a situação das crianças, que passou a ser alvo de muitos discursos nas Assembléias Estaduais e no Congresso Federal.

Em 1900, o Desembargador Ataulpho de Paiva propôs a discussão sobre a necessidade de reforma da justiça para as crianças e adolescentes no nosso país, em decorrência do alto índice de criminalidade infantil. Paiva foi um árduo defensor pela organização da assistência pública e a beneficência privada (ARANTES, 2009).

A maioria dos estabelecimentos destinados a receber crianças e jovens órfãos, necessitados, desvalidos ou viciosas fornecia algum tipo de ensino manual, prático ou profissionalizante; isso baseado no Decreto nº 1.331-A, de 1 de fevereiro de 1854, instituía que todos os menores encontrados vagando pelas ruas fossem recolhidos e que lhe fossem dado algum tipo de instrução. Contudo, segundo Arantes (2009), o tipo de instrução dada sob o suposto pretexto da caridade era insuficiente para a inclusão do menor em um trabalho digno, como também os menores eram divididos em categorias de órfãos, abandonados e desvalidos, como, por exemplo, órfão branco e órfão negro, filho legítimo e ilegítimo, pobre válido e inválido, criança inocente e viciosa, isto é, era fornecido um ensino marcado pelos preconceitos daquela época, que objetivava somente a manutenção do ordenamento social,

Del Priore (2003) conta que com o fim da escravidão, houve no início do século XX um crescimento urbano em cidades como São Paulo, muitas crianças e jovens brancas e negras passaram a viver nas ruas e passaram a ser chamados de “vagabundos” e, assim se inicia o aumento da criminalidade, com a ausência de uma adequada assistência pública por parte do Estado.

Com a intervenção do governo quanto à assistência, a partir da década de 1920, inicia a formalização de modelos de atendimento, não se confirmando, entretanto, a diminuição da pobreza ou de seus efeitos. Assim sendo, constata-se que a pretendida racionalização da assistência, por meio da inclusão de especialistas do campo social, longe de concorrer para uma mudança nas condições concretas de vida da criança e do adolescente e de suas famílias, segundo Rizzini (2009), foi mais uma estratégia de medicalização e criminalização da pobreza.

De acordo com Irma Rizzini (2009), o modelo de assistência-asilar é impulsionado a partir das primeiras décadas do século XX, que muito embora, não será imposto como modelo, continuando o asilamento da criança e do adolescente até o final da década de 1980.

Os estudos de Rizzini (2009) apontam para mudanças não significativas em relação ao deslocamento da assistência prestada pela “antiga” caridade fomentada pelo catolicismo para a “nova” filantropia e posteriormente, a partir da criação da FUNABEM na década de 1960, para a “moderna” política de bem-estar do menor.

A Carta Constitucional de 1988, principalmente em seus artigos 227, 228 e 229, seguiu a doutrina da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959. Vale à pena relembrar aqui os termos do artigo 227:

 

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança e ao Adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

 

Esta ação coordenada iniciou-se sob influência dos documentos internacionais e da Frente Parlamentar pela Constituinte. Em 1987, constituiu-se a Comissão Nacional da Criança e Constituinte, instituída por portaria interministerial e por representantes da sociedade civil organizada. Criou-se a Frente Parlamentar Suprapartidária pelos Direitos da Criança e se multiplicaram por todo o país os Fóruns de Defesa da Criança e do Adolescente. Foram esses esforços conjugados do governo e da sociedade civil que garantiram a redação dos três artigos da Constituição de 1988 que defendem os direitos da criança.

A homologação dos dispositivos da Carta Magna em favor da infância, fundados na Declaração dos Direitos Humanos e na Declaração dos Direitos da Criança, foi estabelecida primorosamente no Estatuto da Criança e do Adolescente -­ ECA­, assinado em 1990. Este documento legal representa uma verdadeira revolução em termos de doutrina, ideias, práxis, atitudes nacionais ante a criança. Em sua formulação contou, igualmente, com intensa e ampla participação do governo e, sobretudo, da sociedade, expressa em organizações como a Pastoral do Menor, o UNICEF, a OAB, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, movimentos de igrejas e universidades, dentre tantos outros organismos.

O ECA revogou o Código de Menores de 1979, discriminatório, bem como a lei que criou a FUNABEM. Adotou a doutrina de proteção integral, que reconhece a criança e o adolescente como cidadãos e sujeitos de Direito.

 

2.2 DEBATE SOBRE POLÍTICA SOCIAL

 

O aparecimento das políticas sociais, de acordo com Behring & Boscheti (2007), está articulado à ascensão do tipo de produção capitalista, principalmente no momento de emergência da questão social, a qual é conhecida como uma categoria que tem especificidade definida no desdobramento das contradições do tipo de produção capitalista em sua fase contemporânea. Definida por Carvalho (2003, p. 77):

 

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão.

 

 

Dessa forma, as autoras citadas acima, assim como Faleiros (1986) consideram as políticas sociais inseridas no movimento das lutas sociais e na relação entre as classes sociais. O estudo desta categoria teórica assim como de sua história deve nortear o contexto de formação histórica e social em que se desenvolvem.

Pereira (2006) relata que as políticas sociais no Brasil tiveram sua trajetória em grande parte influenciada pelas mudanças econômicas e políticas acontecidas na esfera internacional e pelos impactos reorganizadores dessas mudanças na ordem política do país. Esse relato está em consonância com os teóricos citados na seção 2.1.

A proteção social no Brasil não se formou tendo no Estado a função de regular e gerir políticas na área social, possibilitando, atendimentos fragmentados pautados na caridade e filantropia não constituindo redes de proteção que atendessem a população em extrema pobreza: “[...] E tudo isso foi mesclado às práticas clientelistas, populistas, paternalistas e de patronagem política, de larga tradição no país [...]” (PEREIRA, 2006, p. 127).

Até a década de 1930 não teve investimento em ações de responsabilidade do Estado. As propostas de industrialização que marcaram essa época trouxeram alterações no contexto econômico agroexportador. Até então o Estado não exercia o papel de regulador da área social:

 

[...] Deixando esse mister com as seguintes instâncias: o mercado - que atendia a preferências e demandas individuais –; a iniciativa privada não mercantil - que dava respostas tópicas aos reclamos da pobreza –; e a polícia, que controlava, regressivamente, a questão social então emergente. Data desta época a frase do então presidente da República Washington Luís, que se tornou famosa e emblemática do estilo brasileiro de dar respostas aos reclamos sociais: “A questão social é questão de polícia” (PEREIRA, 2006, p. 127-128).

 

 

Nesse período, até a década de 1930, a ação do Estado, diante da população empobrecida, limitava-se em ações emergenciais e fragmentadas. No período de 1930-1964 a questão social passa de caso de polícia para a alçada do Estado, onde a passagem da economia foi de agroexportadora para urbano-industrial. Mesmo, diante dessa mudança econômica, o campo social mais uma vez foi deixado de lado, continuando a falta de planos e metas relativos a área social, isso demonstra de que modo foi desenvolvido a proteção social brasileira.

A questão social no período de 1930-1964 não era mais considerada caso de polícia, mas isso, não significa achar, que a questão social se tornaria alvo das ações do Estado, as políticas sociais nesse período foram trabalhadas como espécies de barganhas populistas. No período de 1964-1985, o Estado investe em uma organização tecnocrática e centralizada, a política social é organizada decorrente do desenvolvimento econômico, isto é, o econômico determina o social:

 

Definidos nesse ano, o modelo econômico - que se revelou concentrador e excludente - e a direção política autoritária - que regenerou o liberalismo conservador, inicialmente adotado -, explicitaram-se no país as seguintes tendências: menosprezo pelas massas (só cortejadas a partir de 1974, com a distensão política); valorização do capital estrangeiro (em continuidade à política internacionalista de Juscelino Kubitscheck); e a concepção de política social como uma ocorrência do desenvolvimento econômico (PEREIRA, 2006, p. 135-136).

 

 

Dentro desse cenário econômico e político, a política social brasileira conservou suas características marcadas pelo populismo, assistencialismo e clientelismo.

O período de 1985 a 1990 foi marcado por uma reorganização institucional, onde tanto os direitos sociais, quanto às políticas que caracterizam esses direitos, tornaram-se alvo das ações do Estado. Por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988 são registrados avanços representativos na esfera das políticas sociais, assegurados por Lei, como, por exemplo, a assistência social que traz em sua proposta atender as necessidades humanas básicas, e a inserção de meios de participação social e política da população.

A Constituição de 1988, segundo Pereira (2006), recebeu o apelido de “constituição cidadã”, gerando um grande avanço na área social, trazendo para população brasileira uma efetiva transformação no modo de vida, revertendo às consequências cruéis da herança do período ditatorial. Por meio da mobilização da sociedade as políticas sociais tornaram-se:

 

Graças à mobilização da sociedade, as política sociais tornaram-se centrais, nessa década, na agenda de reformas institucionais que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesta Constituição, a reformulação formal do sistema de proteção social incorporou valores e critérios que, não obstante antigos no estrangeiro, soaram, no Brasil como inovação semântica, conceitual e política. Os conceitos de ‘direitos sociais’, ‘seguridade social’, ‘universalização’, ‘controle democrático’, ‘mínimos sociais’, dentre outros, passaram, de fato, a constituir categorias-chave norteadoras da constituição de um novo padrão de política social a ser adotada no país (PEREIRA, 2006, p. 152).

 

 

A partir de 1990 cresce o contexto da ideologia neoliberal baseado nas decisões externas de mudanças econômicas e políticas. A hegemonia neoliberal não representa mudanças apenas no Estado, mas também articula as alterações no mundo trabalhista.

A consolidação do neoliberalismo desarticula a participação do Estado nas ações efetivas para com a sociedade no processo de proteção social, o que provoca uma diminuição do nível de qualidade de vida e acesso aos serviços sociais básicos à sobrevivência humana. O neoliberalismo induz o processo acelerado da privatização, desregulamentação financeira, desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas e a reestruturação de políticas sociais:

 

 

 

 

 

 

[...] o neoliberalismo promove com suas políticas uma acelerada redistribuição regressiva da riqueza. Como resultado direto do desemprego ou do subemprego, do arrocho salarial e de medidas fiscais regressivas, o neoliberalismo provoca então um processo maciço de empobrecimento e uma crescente polarização da sociedade entre ricos e pobres. Embora esta seja uma tendência geral, na América Latina é particularmente dramática e envolve a absoluta maioria da população. Assumindo a definição restritiva da pobreza (a nãosatisfação em alimentação, habitação, saúde e educação), cerca de 50% dos latinos americanos está nessa categoria. Além disso, ao incluir nos setores médios os assalariados e trabalhadores organizados, o empobrecimento adquire um novo perfil de classe. Diante detão notável retrocesso, a “questão social” volta a se apresentar com força total renovada e a gerar um alto grau de conflito político. (LAURELL, 1997, p. 166).

 

 

No transcorrer dos períodos históricos observa-se que as expressões da questão social, desde sua origem, está associado ao modo de produção, e sempre presente em nossa história, seja como caso de polícia, como alçada do Estado, como barganha populista, com atenção especial na agenda do Estado ou como espécie de controle social das classes subalternas. A questão social e indissociável do processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras, que se acha na base da exigência de políticas sociais públicas (LAURELL, 1997).

A partir da adoção do projeto neoliberal, o Estado diminui consideravelmente sua atuação na área dos serviços sociais e assistenciais, criando medidas focalizadas e compensatórias. O que acelera o quadro dos desempregados, miseráveis, sem proteção social que precisam das ações políticas públicas em favor de sua sobrevivência. Por meio da não inserção no modo de produção capitalista, a pessoa fica impedida de criar meios para sua sobrevivência, desenvolvendo a proliferação das questões sociais decorrentes da miséria, fome, violência, narcotráfico, prostituição, entre outros, que acaba por direcionar uma alternativa de sobrevivência das pessoas (LAURELL, 1997).

A trajetória da política social no Brasil apresenta aspectos essenciais de invisibilidade para intervenção do Estado, derivadas do não reconhecimento das necessidades humanas dos indivíduos, que são traduzidas diante das expressões da questão social.

 

2.3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA

 

A Lei nº 8.069, promulgada em 13 de julho de 1990, revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, inovando e adotando a doutrina da proteção integral. Essa nova visão é com base nos direitos próprios e especiais das crianças e adolescentes, que, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, precisam de proteção diferenciada, especializada e integral (LIBERATI, 2003).

O artigo 2º considera criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos; e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, que ainda não são considerados completamente um indivíduo de direito, por causa de sua condição de inscrição na sociedade, que o chama de “menor de idade”.

É nessa fase da vida que o indivíduo, segundo Moraes (2009), descobre a sua identidade e define a sua personalidade. Um adolescente está acordando para o que é ser adulto, porém não está totalmente pronto para exercer as atividades e assumir as responsabilidades de ser adulto. Nesse processo, os adolescentes são considerados como pessoas em desenvolvimento, esses jovens reformulam os valores adquiridos na infância e se assimilam numa estrutura mais madura:

Em nossa sociedade a adolescência é considerada momento crucial do desenvolvimento humano, da constituição do sujeito em seu meio social e da construção de sua subjetividade. As relações sociais, culturais, históricas e econômicas da sociedade, estabelecidas dentro de um determinado contexto, são decisivas na constituição da adolescência (SINASE, 2006).

O artigo 3º, ECA, diz o seguinte:

 

Que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e de dignidade (ECA, 2005, p. 13).

 

 

No capítulo II, do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, o artigo 15 afirma que “a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis” (ECA, 2005, p. 15).

O artigo 70, do ECA, institui que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (ECA, 2005, p. 22). O mesmo instituto prevê que o profissional que lida com esse público, como professores e médicos, devem comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente. Tendo em vista a relevância desse tema, a legislação brasileira prevê que a inobservância desse preceito constitui crime, conforme o artigo 245:

 

Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:

Pena: multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência (ECA, 2005, p. 56).

No mesmo sentido o artigo 4º, do ECA, estabelece que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos previstos no Estatuto, tais como: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Em razão da própria missão constitucional cabe a Polícia Militar (artigo 144, Constituição Federal, § 5º) executar o policiamento preventivo, sobretudo, garantir a segurança pública, portanto é indubitável que em sua esfera de atribuições está o dever de defender e proteger os direitos da infância e juventude (LIBERATI, 2003). 

Liberati (2003) salienta que o artigo 220, do Estatuto impôs um dever legal aos policiais militares e civis, qual seja, o de provocar a iniciativa do Ministério Público, prestando-lhe informações acerca de fatos que constituam objeto de Ação Civil Pública, e indicando-lhe elementos de convicção. É ressaltado que a Ação Civil Pública é instrumento apto a fazer valer os direitos da criança e adolescente, assegurados no Estatuto.

Liberati (2003) como policial militar diz que infelizmente nem todos os integrantes das forças policiais se conscientizaram que às medidas de proteção e defesa da criança e adolescente está intimamente ligada ao cotidiano de sua função, esse tipo de comportamento dificulta a aplicabilidade do Estatuto. O autor sugere que para a formação de uma nova cultura na polícia, para que melhor cumprisse seu papel frente ao Estatuto da Criança e Adolescente, o ideal seria a implantação de setores especializados dentro dos organismos policiais, onde se oferecesse a capacitação profissional necessária à adequação da atividade policial militar, às regras do Estatuto. Certamente tais iniciativas viabilizariam a correta e eficaz aplicação da lei especial de forma a diminuir a violência.

2.3.1 O ato infracional

 

A matéria sobre o adolescente em conflito com a lei se transforma a cada dia em um tema que ocupa um lugar de destaque na sociedade, seja por meio da mídia, com seu discurso do “aumento da violência” praticada por estes jovens, ou através de debates públicos, que abrem seus espaços para que a temática em questão se torne alvo de ações políticas voltadas para este segmento, no sentido de tornar realidade o que é assegurada a criança e ao adolescente brasileiro através da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. O ato infracional é contemplado pelo ECA, conforme visto a seguir:

 

Título III

DA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL

Capítulo I

Disposições Gerais

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às

medidas previstas nesta lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão às medidas previstas no artigo 101[1].

Capítulo IV

Das Medidas SócioEducativas

SEÇÃO I

Disposição Gerais

Art. 112 – verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviço à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI;

§ 1º - A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º - Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º - Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Art. 113. Aplica-se a este capítulo o disposto nos art. 99 e 100[2].

Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a IV do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.

Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria. (BRASIL, 2005, p. 29-31).

 

Todos os incisos do artigo 112 acima pontuados, estão contemplados entre os artigos 115 e 125, do ECA.

Apesar de toda evolução no tratamento a criança e o adolescente no Brasil, ainda é possível encontrar resquício da política assistencialista e repressora, que massacrou uma grande parcela da nossa trajetória, que data da época da Colônia, no atendimento a criança e ao adolescente. É a herança dessa história, que ainda persiste em nossos dias, em se tratando de criança e adolescentes: pobres, negros e com vínculos afetivos-familiares fragilizados, como se a Lei fizesse distinção do tipo de criança e adolescente a ser alvo das linhas de ação da política de atendimento.

Em relação ao adolescente que comete o ato infracional, entre a Lei e a realidade vivenciada nos atendimentos, ainda há uma larga escala que compreende a violação dos direitos, seguido da negação da identidade desse jovem.

O Estatuto da Criança e do Adolescente neste sentido é foco de muitas críticas, quando a matéria se relaciona ao ato infracional, principalmente quando a mídia exibe o crescimento da violência direcionada aos “jovens das camadas pobres” nas grandes cidades brasileiras, o que proporciona a reprodução significativa dos estigmas ligados aos jovens. Aumentando, dessa forma, o debate da impunidade penal[3], como se os adolescentes que praticaram delitos, não fossem punidos, ou quando punidos, a legislação seria muito branda, esse debate acaba por remeter ao tema do rebaixamento da idade penal[4]. Para Volpi (2001, p. 13-14):

 

As crianças e os adolescentes são os cidadãos do Brasil que representam a parcela mais exposta às violações de direitos pela família, pelo Estado e pela sociedade. Exatamente ao contrário do que define a Constituição Federal e suas leis complementares. Os maus-tratos, o abuso e a exploração sexual, a exploração do trabalho infantil, as adoções irregulares, o tráfico internacional e os desaparecimentos, a fome, o extermínio, a tortura e as prisões arbitrárias infelizmente ainda compõem o cenário por onde desfilam nossas crianças e adolescentes. Contrapondo-se a esse quadro, parcelas cada vez mais significativas da sociedade mobilizam-se para enfrentá-lo, coibi-lo e modificá-lo. Observa-se que a sociedade tem maior facilidade de mobilizar-se sempre que se trata de defender vítimas de possíveis agressores. O apelo emocional que se constitui no imaginário da sociedade parece ser mais forte e sensibilizador quando encontrar uma criança indefesa a ser ajudada.

 

 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma conquista das lutas da sociedade civil, um marco concebido através da Constituição de 1988, e um avanço em termos de política pública, principalmente, no tratamento do adolescente autor de ato infracional. O ECA traz em sua concepção, um conceito absolutamente diferenciado no trato para com os mesmos.

Apesar da doutrina de proteção integral contemplar a criança e o adolescente, inovar o trato para com este segmento, ainda, segundo Silva (2008), se faz urgente e necessário, que o Estado venha implementar linhas de ação política voltadas para os jovens, que na contemporaneidade significa uma das faces mais visíveis da questão social, diante de um cenário de cunho neoliberal, com o reducionismo das ações do Estado e modificações no mundo do trabalho. O jovem, então fica a mercê do desemprego, o que fortalece para que a sociedade estigmatize o mesmo como “perigoso”, “vagabundo” e de “natureza criminosa”.

Sento-Sé (2004) realizou uma pesquisa junto à 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca do Rio de Janeiro sobre os atos infracionais cometidos pelos adolescentes em conflito com a lei que chegaram à Segunda Vara, durante o período de 1993 a 2001. Muito embora restritos aos casos referentes ao município do Rio de Janeiro, acredita-se que tais informações, conforme ilustra a tabela 1, são elucidativas sobre o comportamento e as tendências levantadas.

 

Tabela 1 – Atos infracionais registrados pela 2ª Vara- Rio de Janeiro

Infração

Ano - %

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Contravenções

4,6

4,1

4,9

3,8

5,4

7,7

8,1

7,9

6,4

Entorpecentes

9,8

13,4

25,0

44,4

48,7

64,1

43,8

35,6

30,9

Contra a pessoa

9,0

8,6

10,3

6,5

7,6

6,4

13,8

14,6

21,4

Contra o patrimônio

74,9

72,2

58,6

44,9

38,0

21,5

33,9

41,1

37,1

Outros

1,7

1,7

1,2

0,3

0,3

0,3

0,5

0,8

4,2

Total

100

100

100

100

100

100

100

100

100

Fonte: SENTO-SÉ, 2004, p. 5

 

Como se pode notar na tabela 1, os crimes contra patrimônio sobressaem nos três primeiros anos, no entanto, cai nos anos seguintes. Os atos referentes a entorpecentes sobem, até que ambas as rubricas - contra o patrimônio e entorpecentes - ficam praticamente iguais em 1996. A partir daí, as infrações associadas a entorpecentes passam a predominar até o ano de 2000; nesse mesmo período as infrações contra o patrimônio volta a crescer, muito embora não tem o mesmo peso que tinha nos dois primeiros anos da evolução histórica apresentada nesta tabela.

            A tabela 2 ilustra o atendimento dos adolescentes pelo Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas - DEGASE considerando a infração e medida, durante o período de 1993 a 2001.

 

Tabela 2 – Distribuição dos adolescentes atendidos pelo DEGASE segundo infração e medida

Medida

1993 a 2001 - %

Drogas

Homicídio

Furto

Roubo

Outros

Total

Internação

110

16,4

29

52,7

47

30,3

171

34,0

89

31,7

446

26,8

Semi-liberdade

254

38,0

12

21,8

41

26,5

148

29,4

43

15,3

498

29,9

Liberdade assistida

 

299

 

44,7

 

14

 

25,5

 

65

 

41,9

 

173

 

34,4

 

134

 

47,7

 

685

 

41,2

Acautelamento

6

0,9

0

0,0

2

1,3

11

2,2

15

5,3

34

2,0

Total

669

100

55

100

155

100

503

100

281

100

1663

100

Fonte: SENTO-SÉ, 2004, p. 14

 

            Como se vê o maior índice de internação é em decorrência de homicídios. Os que cometeram crime contra o patrimônio observa-se uma certa equivalência entre internação e liberdade assistida, sendo a mais dura e mais branda das medidas cumpridas no DEGASE, para a rubrica roubo, e índices mais altos em liberdade assistida para a variável furto.

           

 

 

 

2.3.2 Medidas sócio-educativas

 

As medidas sócio-educativas vão desde a simples advertência até a privação da liberdade, depende da gravidade infracional. Essas medidas podem ser cumpridas de modo diverso. Nos casos considerados de menor gravidade, o juiz pode estabelecer como medida a prestação de serviços à comunidade, acompanhamento psicológico ambulatorial ou algo parecido. Se a medida for predominantemente protetiva, pode resultar em encaminhamento a uma unidade escolar, o curso de profissionalização ou a um balcão de empregos. Casos considerados de gravidade relativa podem ter como medida o encaminhamento a uma casa de acolhida ou a um abrigo (iniciativas, em geral, patrocinadas pelo poder municipal ou por organizações não governamentais.

Em todos os casos são acionados, para o atendimento das medidas sócio-educativas, instâncias que estão fora do sistema de justiça criminal. O fortalecimento desse tipo de iniciativa tenderá a ser um indicador da realização efetiva de alguns preceitos cruciais do ECA, como a prevalência da lógica da socialização sobre a da punição, a da proteção e sobre a da culpabilização (SENTO-SÉ, 2004).

 

2.4 DEGASE

 

As instituições ligadas ao Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas - DEGASE são acionadas em casos considerados de maior gravidade, quando o juiz estabelece uma medida de privação parcial ou total de liberdade. Existe, assim, ao menos em tese, certa relação entre as espécies de infração cometidas pelos jovens que chegam a Segunda Vara da Infância e da Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, e o perfil da população atendida pelo DEGASE (www.degase.org.br).

O DEGASE foi fundado no ano de 1993, durante o governo Leonel Brizola para substituir a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência – FCBIA. Essa fundação pública federal foi responsável pela execução das medidas sócio-educativas naquela época. O Estado do Rio de Janeiro era, então, a última Unidade da Federação que ainda mantinha a estrutura federal para execução de tais medidas, tendo em vista ter sido capital federal, competindo a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor - FUNABEM tal tarefa (www.degase.org.br).

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em 1990, a FUNABEM foi extinta, dando lugar a FCBIA, que com estadualização de execução de medidas sócio-educativas foi substituída pelo DEGASE.

O DEGASE já foi vinculado as Secretarias Estaduais de Justiça, Direitos Humanos, Ação Social e também ao Gabinete Civil, estando atualmente (desde 2009) vinculado à Secretária Estadual de Educação do Rio de Janeiro - SEEDUC/RJ. Atualmente, possui dotação orçamentária própria.

Através de uma reestruturação nessas unidades, o atendimento no Rio de Janeiro passou a ser descentralizado, ficando a medida de privação de liberdade a cargos das seguintes Instituições: Instituto Padre Severino (instituição provisória), Educandário Santos Dumont (para adolescente do sexo feminino), Escola João Luiz Alves, Educandário Santo Expedito, Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo - CAI-Baixada. Em relação às medidas de semi-liberdade, liberdade assistida e prestação de serviços comunitários ficaram a cargo dos Centros de Referência de Integração do Adolescente – CRIAADS (www.degase.org.br).

Atualmente, os CRIAADS ficaram responsáveis somente pela execução de medida de semi-liberdade, passando o acompanhamento da liberdade assistida e da prestação de serviços comunitários para alguns municípios através dos Centros de Atendimento Especializado de Assistência Social - CREAS.

A política executada pelo DEGASE tem sua base teórico-legal no ECA. Essa legislação, Lei nº 8069/90, conforme já mencionado anteriormente, vem para atender o segmento infanto-juvenil cujo princípio básico considera a criança e o adolescente enquanto sujeitos de direitos e que lhes garantem proteção integral. Observa-se que tudo a ser feito é norteado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual são determinadas as diretrizes que irão orientar o trabalho dos profissionais dos CRIAADS, mas também dos outros órgãos do DEGASE.

Conforme art. 104, do Estatuto da Criança e do Adolescente: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei” (BRASIL, 2005, p. 29).

 

2.4.1 CRIAAD – Duque de Caxias

 

Os adolescentes inseridos no CRIAAD de Duque de Caxias são aqueles que cometem atos infracionais que passam por internação e que são beneficiados pela progressão de sua medida, através de audiência com a promotoria pública e juizado (www.criaad.rj.gov.br).

O público alvo são os adolescentes na faixa etária entre 12 e 18 anos de idade, que estão em conflito com lei, a unidade de Caxias tem capacidade para 32 adolescentes do sexo masculino, que são encaminhados pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude e do Idoso de Duque de Caxias, para cumprimento das medidas sócio-educativas de semiliberdade – SL e prestação de serviços à comunidade – PSC. Sendo a capacidade de até 32 adolescentes para os que cumprem o regime de semiliberdade, permanecendo internos na instituição (www.criaad.rj.gov.br).

O objetivo principal da instituição é a reinserção dos adolescentes através da inclusão social, resgate da auto-estima, alcance da cidadania, educação, saúde, lazer, cultura, profissionalização, dignidade, respeito, convivência familiar e comunitária, norteando todo o trabalho segundo o cumprimento do ECA.

Todos os adolescentes que cumprem as medidas sócio-educativas são matriculados na rede pública de ensino e frequentam as aulas diariamente, havendo um acompanhamento por parte das pedagogas que compõem o quadro de funcionários do CRIAAD. Essas profissionais mostram a importância da educação na vida deles, que pode ser o diferencial para mudar de vida. A instituição disponibiliza uma equipe multidisciplinar composta de pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, professores, enfermeiros, médicos, fonoaudiólogos, entre outros, para prestar todo tipo de assistência aos menores (www.criaad.rj.gov.br).

Além da frequência escolar diariamente, os adolescentes também têm aulas de artesanato; reforço escolar; cursos profissionalizantes como carpintaria, eletricista; aulas de religião e cidadania. São também promovidos passeios a vários pontos turísticos do Rio de Janeiro, teatro e cinema (www.criaad.rj.gov.br).

A medida sócio-educativa de semiliberdade pode ser determinada pelo Juízo como início do cumprimento de medida, diante do julgado, ou pode ser determinada como forma de progressão de medida cumprida em regime fechado para o meio aberto, vindo possibilitar a realização de atividades externas como forma de melhor se obtida à reinserção do adolescente em conflito com a lei. Compreende-se como atividade externa à utilização dos recursos da comunidade para o exercício da educação, a cultura, ao esporte e ao lazer, como também o direito ao acesso a profissionalização e ao trabalho (www.criaad.rj.gov.br).

Não se observa na Lei nº 8.069/90, prazo estipulado para o cumprimento da medida de semiliberdade, havendo orientação para que sejam aplicadas as disposições relativas à medida de internação, sendo cumprida, portanto, no mínimo de seis meses e nunca excedendo há três anos.

A medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade consiste na realização de atividades gratuitas, de interesse geral, por prazo não excedente há seis meses, devendo ser executadas em hospitais, escolas, instituições assistenciais e outros estabelecimentos congêneros. Deverá ser cumprida numa jornada máxima de 8 horas semanais aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, desde que não venha a prejudicar a frequência escolar ou a jornada de trabalho que o adolescente executa. As tarefas deverão, ainda, estar em consonância com as aptidões do adolescente.

 

2.5 PERFIL DOS ADOLESCENTES INFRATORES

 

            Em 2002, foi realizada uma pesquisa pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA e Ministério da Justiça, sobre o perfil social dos adolescentes considerados infratores, e foi constatado que havia no país 9.555 adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa de internação e internação provisória, supostamente, relativos a atos infracionais de maior gravidade. Desse universo de internos, 90% eram do sexo masculino; 76% tinham idade entre 16 e 18 anos; 63% não eram brancos e destes 97% eram afro-descendentes; 51% não frequentavam a escola; 90% não concluíram o ensino fundamental e 49% não trabalhavam (ZAMORA, 2008).

            Essa pesquisa relatou que 71% das próprias direções das instituições e/ou programas de atendimento sócio-educativo de internação afirmaram que o ambiente físico não é adequado. As demais instituições também foram consideradas inadequadas. Essas avaliações propiciaram a criação do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo, o SINASE, que propõe normas para o reordenamento institucional e o compromisso com os direitos humanos e a educação do jovem (ZAMORA, 2008).

            Vale ressaltar que quase nove em dez adolescentes internos no sistema dito sócio-educativo brasileiro estavam drogados quando cometeram as infrações. A maioria usava maconha (67,1%), álcool (32,4%) e crack (31,3%), segundo o mesmo estudo. Esses dados, segundo Zamora (2008) apontam para a ausência de políticas públicas eficientes de prevenção e tratamento de drogas e para uma forte categoria de acusação de “drogado” ou “traficante”, para a criminalização dos usuários pobres.

            Um estudo realizado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em conjunto com o IPEA, entre os anos de 1992 e 2001, citados por Silva & Gueresi (2003), evidencia o quadro de desigualdades que prevalece entre os jovens brasileiros, com destaque para as diferenças na renda familiar em função da raça/cor do adolescente, em que os jovens negros são mais pobres que os jovens de cor branca, e a existência de meninos e meninas entre as idades de 12 e 18 anos, que se acham excluídos da escola e do mercado de trabalho. Esse é, portanto, o perfil do adolescente que cumpre medida de privação de liberdade no nosso país.

            De acordo com o estudo acima mencionado, o fenômeno da modernidade do ato infracional do jovem está vinculado não à pobreza ou à miséria em si, mas, especialmente, à desigualdade social, ao não exercício de cidadania e à ausência de políticas sociais básicas supletivas e de proteção inseridas pelo Estado. É o convívio em um mesmo espaço social de adolescentes pobres e ricos que emana a revolta e dificulta a busca por reconhecimento social na construção de sua identidade (SILVA & GUERESI, 2003).

            Os alvos preferidos dos adolescentes que cometem delitos são as roupas, objetos de marcas, bonés, tênis, relógios, ou tudo o mais de que são expropriados e que significa status de consumo na sociedade moderna (SILVA & GUERESI, 2003).

            O estudo desenvolvido por Sento-Sé (2004) junto ao DEGASE do Rio de Janeiro em relação às variáveis sexo e nível de escolaridade, durante o período de 1993 a 2001 são ilustradas pela tabela 3, que mostra a distribuição dos adolescentes atendidos.

            Os indicadores estão concentrados na rubrica primeiro grau[5] incompleto, percebe-se que, no sexo feminino, o indicador de primeiro grau[6] completo também chega aos dois dígitos percentuais, o oposto acontece com o sexo masculino, em que todas as variáveis apresentam dois dígitos percentuais.

 

 

 

 

 

Tabela 3 – Distribuição dos adolescentes atendidos pelo DEGASE, de acordo com o sexo e a escolaridade

Nível de escolaridade

Masculino

Feminino

Total

Analfabeto

49

3,2%

3

2,0%

52

3,1%

1º grau incompleto (*)

1365

90,3%

112

73,2%

1477

88,8%

1º grau completo (*)

22

1,5%

28

18,3%

50

3,0%

2º grau incompleto (**)

28

1,9%

6

3,9%

34

2,0%

2º grau completo (**)

19

1,3%

1

0,7%

20

1,2%

Não informado

28

1,9%

3

2,0%

31

1,9%

Total

1511

100%

153

100%

1664

100%

Fonte: SENTO-SÉ, 2004, p. 15

(*) = ensino fundamental

(**) = ensino médio

           

            Uma das variáveis mais relevantes para definir o perfil dos adolescentes atendidos pelo DEGASE, que é o nível de escolaridade tem seu rendimento comprometido relativo ao padrão de codificação adotado pelo sistema. A codificação praticada pelo DEGASE emprega cinco variáveis: analfabeto, primeiro grau incompleto, primeiro grau completo, segundo grau incompleto e segundo grau completo. O primeiro grau compreende um período escolar de no mínimo oito anos (primeira a oitava séries), o que representa muito tempo. É justamente, segundo Sento Sé (2004), nesse intervalo que se acham os maiores índices de evasão escolar. Dessa forma, se tem parâmetros limitados para comparar e determinar correlações entre a variável escolaridade.

            A tabela 4 ilustra a distribuição dos adolescentes atendidos pelo DEGASE, segundo infração e situação de moradia.

Tabela 4 – Distribuição dos adolescentes atendidos pelo DEGASE, segundo infração e situação de moradia

Situação de

moradia

Drogas

Homicídio

Furto

Roubo

Outros

Total

%

%

%

%

%

%

Pais

499

41,3

38

3,1

110

9,1

362

30,0

208

17,2

1207

100

Familiares

135

46,9

16

5,6

24

8,3

85

29,5

28

9,7

288

100

Instituição

5

22,7

0

0,0

7

31,8

4

18,2

6

27,3

22

100

Na rua

11

23,9

0

0,0

5

10,9

18

39,1

12

26,1

46

100

Outros

20

30,3

1

1,5

8

12,1

24

36,4

13

19,7

66

100

Não informado

2

25,0

0

0,0

0

0,0

5

62,5

1

12,5

8

100

Total

662

40,4

55

3,4

154

9,4

498

30,4

268

16,4

1637

100

                           

Fonte: SENTO-SÉ, 2004, p. 15

 

            Observa-se que não há nenhum caso de morador de rua cumprindo medida por homicídio. A maior incidência de atos infracionais cometidos por esse segmento é roubo, seguido de outros e, depois vem às drogas. Estão incluídos na rubrica “outros” tipos de infração, em geral, com menor potencial agressivo, como perturbação da paz pública, baderna, vadiagem, entre outros. Em drogas estão inseridos tanto o tráfico quanto o consumo. Ressalta-se que os adolescentes que são recrutados pelo tráfico, dificilmente são caracterizados como moradores de rua. Dessa forma, apenas os índices de roubo é indicador de um maior potencial de violência das infrações cometidas por adolescentes em situação de rua atendidos pelo DEGASE.

            Com base na exposição desses estudos, constata-se que o perfil é razoavelmente definido quanto ao sexo e a escolaridade. Os infratores são em sua maioria meninos com primeiro grau incompleto. Os atos infracionais correspondem a crimes associados a drogas e a roubo.

            Sento-Sé (2004) revela que a maioria desses menores tem laços familiares (tabela 4), e os adolescentes declarados moradores de ruas cumprem medidas derivadas de atos apenas medianamente violentos. Mesmo assim, eles são majoritariamente objeto da mais dura das medidas sócio-educativas, a internação. Esses adolescentes perfazem menos de 10% do universo pesquisado no decorrer do período entre 1993 e 2001.

            Outro estudo descreve o perfil desses menores em conflito com a lei, o relatório Anced/Fórum DCA, de 2004, relatado por Sartório & Rosa (2010), que informa sobre os 13.489 adolescentes privados de liberdade, 94% eram do sexo masculino e 60% da raça negra. Quanto à faixa etária dos adolescentes internos, 76% tinham entre 16 e 18 anos de idade; 18% entre 12 e 15 anos de idade; e 6% entre 19 e 20 anos de idade. Em relação ao nível de escolaridade, 51% não frequentavam escola quando praticaram o ato infracional; 49% não trabalhavam; e metade dos internos não tinha terminado o ensino fundamental. Quanto aos rendimentos da família, 66% dos internos tinham uma renda que oscilava entre menos de um até dois salários mínimos à época naquele período[7]; 88% moravam com a família; e 85,6% já eram usuários de drogas antes da internação.

            Esses dados mostram que grande parte desses adolescentes vivencia uma desigualdade social. As situações de vida desses indivíduos configuram-se como a expressão das muitas manifestações de exclusão/inclusão. Exclusão, especialmente, dos espaços de cidadania, onde deveriam prevalecer os direitos sociais, como a educação, cultura e lazer, e inclusão num sistema de privação de direitos, de criminalização, de violência, de privação de liberdade, muitas das vezes sem as garantias educativas e sem o devido acompanhamento para a inserção social (SARTÓRIO & ROSA, 2010).

            Em relação à educação, existem fatores que dificultam os adolescentes a frequentarem a escola formal, que é vista sob aspectos negativos, cuja pedagogia de ensino não atrai os jovens. Eles vinculam trabalho (em geral no mercado informal) a estudo para poder ajudar com a renda familiar, a isso é aliado ao aspecto de humilhação de fracassos frequentes a que são submetidos pelo não saber, pela ausência de tradição de frequencia escolar da sua família ou pela origem pobre (SARTÓRIO & ROSA, 2010).

            O aspecto associado às expressões da questão social no contexto do adolescente em conflito com a lei é a vinculação entre pobreza e marginalidade, condensada na relação entre pobreza e infração. Essa constatação é sustentada nos índices que situam esses indivíduos inseridos em circunstâncias de vulnerabilidade social, as quais são analisadas pela ausência das condições básicas de vida, o que contribui para que os adolescentes sejam tragados pela criminalidade e pelo tráfico de drogas (SARTÓRIO & ROSA, 2010).

            O mundo das drogas apresenta-se como uma fonte de renda imediata, que dá condições a um padrão de vida melhor e não acessado por meio do mundo do trabalho formal ou informal, vendo dessa forma uma possibilidade de ganho. O tráfico, nos dias de hoje, de acordo com Sartório & Rosa (2010), se coloca como a grande possibilidade de visibilidade e também de sobrevivência para os adolescentes da periferia.

 

 

2.6 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E INCLUSÃO SOCIAL

 

A educação é entendida como um processo social, em que os cidadãos têm acesso aos conhecimentos produzidos e dele se apropriam para o exercício de sua cidadania. Segundo Cavalleiro (2003, p. 47), muitas vezes encontra-se na escola, educadores que se dizem (e sentem) compromissados com o seu fazer profissional, mas mostram-se cegos para as suas ações: “A escola oferece aos alunos, negros e brancos, oportunidades diferentes para se sentirem aceitos, respeitados e positivamente participantes da sociedade brasileira”.

Cavalleiro (2003) salienta que a educação especial e inclusiva faz parte da educação como um todo e objetiva ter o seu valor reconhecido, pois é de fundamental importância para que os educandos tenham seu crescimento e desempenho educacional satisfatório.

            A educação inclusiva, segundo Mrech (2005), é uma educação voltada de “todos para todos” onde as pessoas denominadas de “normais” e os portadores de algum tipo de deficiência poderão aprender uns com os outros. Uma pessoa depende da outra para que realmente exista uma educação de qualidade. A educação inclusiva no Brasil é um desafio a todos os profissionais de educação.

A autora Mrech (2005, p. 2) tece algumas considerações sobre a educação inclusiva e fornece um panorama sobre a mesma:

 

 

 

 

 

O conceito de inclusão é:

- Atender aos estudantes portadores de necessidades especiais na vizinhança da sua residência.

- Propiciar a ampliação do acesso destes alunos às classes regulares.

- Propiciar aos professores da classe regular um suporte técnico.

- Perceber que as crianças podem aprender juntas, embora tendo objetivos e processos diferentes.

 - Levar os professores a estabelecer formas criativas de atuação com as crianças  portadoras de deficiência.

- Propiciar um atendimento integrado ao professor de classe comum do ensino regular.

O conceito de inclusão não é:

- Levar crianças às classes comuns sem o acompanhamento do professor especializado.

- Ignorar as necessidades específicas da criança.

- Fazer as crianças seguirem um processo único de desenvolvimento, ao mesmo tempo e para todas as idades.

- Extinguir o atendimento de educação especial antes do tempo.

- Esperar que os professores de classe regular ensinem as crianças portadoras de necessidades especiais sem um suporte técnico.

 

 

A educação inclusiva objetiva atender esses educandos com qualidade, mas tem que dar condições e especializações aos profissionais, para que os objetivos e o desenvolvimento aconteçam. Percebe-se, que a maioria dos profissionais envolvidos na educação não sabe ou desconhece a importância e a diferença da educação especial e educação inclusiva. Por essa razão, é dado esse esclarecimento para as pessoas envolvidas na educação e interessados, sabe o quanto é difícil conseguir uma educação de qualidade para as pessoas portadoras de deficiência ou com outras necessidades.

Mrech (2005) revela que quando se descobre uma determinada deficiência em uma pessoa, ela deve ser encaminhada aos profissionais especializados: psicólogos, neuropediatras, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e pedagogos especializados, entre outros. Isso é fundamental para o desenvolvimento físico e também cognitivo desse educando tão especial.

Segundo Sá (2002), a educação dessas pessoas tem sido objeto de inquietações e constitui um sistema paralelo de instituições e serviços especializados no qual a inclusão escolar desponta como um ideal utópico e inviável. Para a autora, a pessoa que apresenta uma deficiência é um “aluno especial”, cujas necessidades específicas demandam recursos, equipamentos e níveis de especialização definidos de acordo com a condição física, sensorial ou intelectual.

            A criança ou adolescente portador de necessidades especiais, como qualquer outra criança ou adolescente tem o direito de cursar uma escola e ter expectativas em relação ao seu futuro. No entanto, Sá (2002) ressalta que é constatado, infelizmente, ainda no século XXI, a existência de um preconceito exagerado por parte da sociedade, em geral e, o mais grave por parte daqueles que deveriam vir a lutar e dar exemplos dentro de uma sociedade, que são os educadores.

            Sá (2002) adverte que isso, lamentavelmente, ocorre em todo o segmento educacional brasileiro, porém ainda existem pessoas e profissionais que vem trabalhando para minimizar essa vergonha que é o preconceito por parte dos educadores. Esse pensamento é compartilhado também por Cavalleiro (2003) e Mrech (2005).

            A educação inclusiva, segundo Sassaki (2010, p. 135), é hoje em dia uma realidade em vários países e a cada dia ganha novos adeptos. O autor conta que na condição de consultor de educação inclusiva junto a três Secretarias Estaduais de Educação (Paraná, Minas Gerais e Goiás) e a diversas Secretarias Municipais de Educação, teve a oportunidade de ajudar a construir sistemas educacionais inclusivos a partir de 1999. “Educação de qualidade é aquela que atende às necessidades de cada aluno, respeita o estilo de aprendizagem de cada aluno, propicia condições para o atingimento de objetivos individuais e utiliza as 12 inteligências[8] de cada aluno”.

            Sassaki (2010) define a inclusão social como o processo em que a sociedade se adéqua para poder inserir, em seus sistemas sociais gerais, indivíduos com deficiência (além de outras) e, simultaneamente, estes se preparam para assumir os seus papéis na sociedade. Portanto, a inclusão social representa um processo bilateral no qual os indivíduos, ainda excluídos, e a sociedade procura, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.

            A prática da inclusão social está fundamentada em princípios até então considerados incomuns como: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada indivíduo, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem por meio da cooperação. A diversidade humana é representada, especialmente, por origem nacional, sexual, religião, gênero, cor, idade, raça e deficiência. No entendimento de alunos e professores do Instituto de Diversidade Estudantil, da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos da América, a sociedade tem utilizado esses atributos pessoais como critérios para segregar indivíduos, o que transforma esses atributos, segundo Kolucki apud Sassaki (2010, p. 40) em “tentáculos da opressão humana”.

            A inclusão social significa um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e os meios de transporte) e na mentalidade de todos os indivíduos, dessa forma, também da própria pessoa com necessidades especiais (SASSAKI, 2010).

            Sassaki (2010) revela que em diversas partes do mundo, já é realidade a prática da inclusão, sendo que as primeiras tentativas iniciaram por volta de 1987. O processo de inclusão é aplicado em cada sistema social. Desse modo, existe a inclusão na educação, no lazer, no transporte, etc. Quando isso ocorre, pode-se falar, respectivamente, em educação inclusiva, no lazer inclusivo, no transporte inclusivo e assim por diante. Outro modo de referenciar a inclusão social consiste em dizer, por exemplo, educação para todos, lazer para todos, transporte para todos. Essa corrente de pensamento está em linha com Cavalleiro (2003) e Mrech (2005).

            Sassaki (2010, p. 125) ressalta que quanto mais sistemas comuns da sociedade adotar a inclusão, mais cedo se dará o desenvolvimento de uma verdadeira sociedade para todos, ou seja, a sociedade inclusiva. O autor acrescenta: “O processo de inclusão, exatamente por ser diferente da já tradicional prática da integração, desafia todos os sistemas educacionais, públicos e particulares, em todas as modalidades”.

            Sassaki (2010) comenta que no Brasil, muitas leis serviram como base para as tentativas de construção de propostas inclusivas objetivando a reestruturação de sistemas educacionais. No entanto, não se tem uma legislação que seja essencialmente inclusiva em relação à educação. O autor analisou a legislação brasileira e, afirma o que se aproxima um pouco mais do ideal inclusivo no âmbito da educação é referente à publicação do “Direito à educação: subsídios para a gestão dos sistemas educacionais – orientações gerais e marcos legais”, do Ministério da Educação.

 

 

3. CONCLUSÃO

 

Nesta dissertação foram abordadas questões relevantes para a trajetória de atenção a crianças e adolescentes no Brasil, especialmente, adolescentes em conflito com a lei. Os dados coletados na literatura mostram que grande parte dos adolescentes vivencia uma desigualdade social.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma conquista das lutas da sociedade civil, um marco concebido através da Constituição de 1988, e um avanço em termos de política pública, principalmente, no tratamento do adolescente autor de ato infracional. O ECA traz em sua concepção, um conceito absolutamente diferenciado no trato para com os mesmos.

Apesar da doutrina de proteção integral contemplar a criança e o adolescente, inovar o trato para com este segmento, ainda, se faz urgente e necessário, que o Estado venha implementar linhas de ação política voltadas para os jovens, que na contemporaneidade significa uma das faces mais visíveis da questão social, diante de um cenário de cunho neoliberal, com o reducionismo das ações do Estado e modificações no mundo do trabalho. O jovem, então fica a mercê do desemprego, o que fortalece para que a sociedade estigmatize o mesmo como “perigoso”, “vagabundo” e de “natureza criminosa”.

Cabe ressaltar que a decisão de aplicar uma medida punitiva ao adolescente infrator expressa um mundo de valores no qual predomina o uso da força, o poder da ordem, o controle, a segurança, valores sociais desejados pelo jurídico e, por isso, confiados ao Estado-Juiz. A necessidade da punição decorre da estruturação rígida de um modelo lógico de concepção da sociedade, fundada em valores tais que, para fazer valer sua universalidade, qualquer erro ou desvio deve ser extirpado.

Foi observado que o objetivo principal do CRIAAD de Duque de Caxias é a reinserção dos adolescentes através da inclusão social, resgate da auto-estima, alcance da cidadania, educação, saúde, lazer, cultura, profissionalização, dignidade, respeito, convivência familiar e comunitária, norteando todo o trabalho segundo o cumprimento do ECA.

Para isso acontecer, o CRIAAD de Duque de Caxias disponibiliza uma equipe multidisciplinar formada por pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, professores, enfermeiros, médicos, fonoaudiólogos, entre outros, para prestar todo tipo de assistência aos menores. Todos os adolescentes são matriculados na rede pública de ensino e são acompanhados pelos pedagogos no sentido de avaliar o aprendizado, a frequência diária, a elaboração dos deveres de casa, a necessidade de aulas de reforço escolar. A equipe de pedagogos, psicólogos, assistentes sociais e professores conversam muito com eles mostrando a importância do estudo na vida deles, o futuro que podem construir para eles próprios e suas famílias.

Dessa forma, é que poderá haver verdadeiramente a inclusão social desses menores na sociedade por meio da educação inclusiva, que faz parte da educação como um todo, pois é através dela que os educandos conseguirão o seu crescimento e desempenho educacional satisfatório. A educação inclusiva é voltada para todos os indivíduos e só se constrói uma educação de qualidade com o envolvimento de todos os atores.

           

 

 

 


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[1] O Art. 101 - refere-se a oito diferentes medidas que vão desde o encaminhamento aos pais ou responsável, passando por obrigação de matrícula na escola, requisição de tratamento médico ou psiquiátrico, até o abrigo ou colocação em família substituta.

[2] Os Art. 99 e 100 - refere-se ao capítulo das medidas específicas de proteção, que trata a forma em que as medidas podem ser aplicadas, isoladas ou cumulativamente e substituídas a qualquer tempo. Tendo a obrigatoriedade de se levar em conta as necessidades pedagógicas, que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

[3] Com relação de um adolescente ser inimputável penalmente, isto não significa dizer, que não seja responsabilizado pelo delito cometido, ao ser comprovado o delito, o adolescente é responsabilizado com medidas sócio-educativas, incluindo privação de liberdade por um período de até três anos.

[4] Atualmente, no Brasil a idade penal é de 18 anos, e a proposta para o rebaixamento é de 16 anos.

[5] A nova nomenclatura é ensino fundamental.

[6] Ibidem.

[7] Salário mínimo naquele tempo era R$ 220,00 (ANCED/FÓRUM DCA, 2004 apud SARTÓRIO & ROSA, 2010).

[8] As inteligências múltiplas: lógico-matemática – habilidades de usar raciocínio e números efetivamente; verbal-linguística – habilidade no uso da palavra oral e/ou escrita; corporal-cinestésica – habilidade no uso do corpo todo para expressar ideias e sentimentos; musical – habilidade para ritmo, melodia, harmonia e tom da música; interpessoal – habilidade de perceber e compreender o interior das outras pessoas; intrapessoal – habilidade de perceber e compreender o interior de si mesmo; visuoespacial – habilidade para perceber e usar o mundo visual e espacialmente; naturalista – habilidade de reconhecer e usar produtivamente a fauna e a flora; espiritual/existencialista – habilidade de fazer as perguntas fundamentais sobre o significado da vida, da existência humana e de entrar em contato com Deus; pictográfica – habilidade de entender e expressar ideias e sentimentos por meio de desenhos; política – habilidade de entender e praticar conceitos e valores de cidadania; e ética/moral – habilidade de discernir os aspectos éticos e morais da conduta moral e de agir de acordo com a verdade e a bondade (SASSAKI, 2010, p. 135-136).

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


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