A entrevista do ponto de vista psiquiátrico

O entrevistador deve identificar o tipo de candidato já no início da entrevista
O entrevistador deve identificar o tipo de candidato já no início da entrevista

Psicologia

06/05/2015

Normalmente aprendemos a observar as entrevistas de emprego somente pelo ponto de vista do gestor, sob a ótica da administração, entendendo às vezes o processo como algo mecânico, baseado em manuais que se aprendem em faculdades ou cursos especializados.

Porém, a entrevista de emprego não pode ser observada apenas no ponto de vista de um administrador. Porque lidamos com pessoas, uma frente à outra. E quando lidamos com pessoas, lidamos com sentimentos e personalidades. Não somos máquinas programáveis que respondem sim ou não para qualquer pergunta sem utilizarmos razão ou emoção.

É claro que as técnicas e práticas aprendidas na administração são muito importantes para o planejamento e condução de uma entrevista de emprego, mas é sempre importante lembrar-nos do fator pessoas no momento de iniciarmos um processo de entrevista.

Vamos deixar um pouco de lado os conceitos e técnicas administrativas para nos aprofundarmos brevemente sobre o ponto de vista psiquiátrico de uma entrevista de emprego.

A psiquiatria é o ramo da medicina que trata das doenças mentais. Utilizaremos neste tópico uma análise que corrobora esta teoria encontrada no livro póstumo do psiquiatra norte-americano Harry S. Sullivan, denominado “The Psychiatric Interview”.

Esse trabalho consiste em uma experiência em que o autor desenvolveu entrevistas com portadores de esquizofrenia. Apesar de ter sido realizado com portadores de esquizofrenia (grupos de distúrbios mentais que, basicamente, demonstram dissociação e discordância das funções psíquicas, perda de unidade de personalidade e ruptura de contato com a realidade) conseguiremos detectar algumas peculiaridades importantes no planejamento e condução de uma entrevista de emprego.

Em primeiro lugar, Sullivan (1970) comprovou que os portadores de esquizofrenia não utilizavam tanto o vocabulário e expressões corporais como meio de se comunicarem e sim como mecanismo de defesa.

Provavelmente todos nós temos ou tivemos contato com pessoas com esse tipo de atitude. Mesmo que não sejam portadoras de nenhum tipo de distúrbio mental. Porque muitas pessoas, por sua personalidade, não conseguem se impor em uma conversa e sempre se colocam na defensiva. Normalmente são pessoas com autoestima sempre em baixa.

Imaginemos uma entrevista de emprego em que lidamos com uma pessoa assim. Ela não se solta, ela vê o entrevistador como um inimigo que vai reprimi-la com perguntas e provavelmente terá prazer em vê-la em apuros, diferentemente daquele tipo de pessoa que consegue se impor por meio de sua linguagem e postura.

O entrevistador deve identificar o tipo de candidato já no início da entrevista e conduzi-la de acordo com o tipo de personalidade do indivíduo em questão. Qual seria a atitude mais correta do entrevistador com uma pessoa que usa sua comunicação como mecanismo de defesa?

Provavelmente seguir conduzindo a entrevista e demonstrando pouco a pouco para o entrevistado que ele pode ficar à vontade porque o entrevistador e o clima daquele momento proporcionarão isso para ele. Veremos mais dicas importantes a seguir.

Podemos ver neste momento alguns aspectos psiquiátricos da pesquisa de Sullivan se complementarem com aspectos do ponto de vista de um administrador ou gestor de RH. Pode haver alguma similaridade entre um paciente que procura um médico psiquiatra buscando algum tipo de auxílio ou um aspirante a uma vaga de emprego que se dirige ao entrevistador. Em ambos os casos, sentimentos, razões e emoções serão expostos.

Esse psiquiatra corre o risco de obter uma frustração no exercício de sua profissão caso algum sentimento negativo venha à tona, tal como irritação, aflição, distração, descompromisso, etc., da mesma forma como um entrevistador pode ter um dia de trabalho muito frustrante com o surgimento de alguns desses sentimentos.

Segundo a visão de Sullivan (1970), o ideal então seria a condução de uma entrevista dirigida, na qual o entrevistador toma as rédeas da sequência, mas com isso ele não é contra a expressão livre das ideias; ele dá muita ênfase ao papel do entrevistador. É também favorável que o entrevistador tome nota ou grave a entrevista, pois não confia na precisão da memória.

É muito importante, na condução de uma entrevista, que o entrevistador se atente não somente à expressão verbal de um entrevistado. Assim como um psiquiatra ou psicólogo normalmente faz para avaliar algum paciente, o entrevistador deve se atentar à expressão corporal do entrevistado também.

Muitas vezes o entrevistado pode ter uma grande habilidade para falar aquilo que o entrevistador quer ouvir, mas sua linguagem corporal (gestos, atitudes, posturas, tom de voz, etc.) pode estar falando totalmente o oposto.

No que tange à linguagem verbal, assim como os psiquiatras e psicólogos, devemos avaliar também os seguintes aspectos: o tom da fala, aquela “gagueira” típica de quem não sabe o que está respondendo, a velocidade da fala, dificuldade em conseguir elaborar uma frase coesa, etc.

Por tudo isso é que temos a certeza de que a postura do entrevistador deve ser sempre a mais profissional possível. É muito comum conhecermos entrevistadores prepotentes e arrogantes que estão longe de terem uma atitude profissional adequada, mas se sentem expert na visão deles próprios.

O entrevistador deve sempre ter em mente que, em uma entrevista, assim como em uma consulta psiquiátrica, podem ocorrer situações nada confortáveis, uma vez que o entrevistado (assim como um paciente) não procura o entrevistador ou psiquiatra por mero prazer e sim em uma situação de necessidade que envolve ansiedade e preocupação. Por isso, é muito importante a figura do entrevistador para manter a motivação do entrevistado e sua autoestima sempre elevada.

O entrevistador procura se impressionar com o entrevistado e vice-versa. O entrevistador, então, só alcança suas expectativas quando o entrevistado recebe dele, durante a entrevista, igualmente qualidades que lhe trazem boa impressão.

Existem quatro etapas que podem auxiliar o entrevistador na condução de uma entrevista, que são:

Introdução

É a etapa inicial na qual o entrevistador aborda o entrevistado de posse das informações prévias que ele tem em mãos e é útil para “quebrar o gelo” e oferecer um sentimento de segurança ao entrevistador.

Reconhecimento
É o momento de conhecer profundamente o entrevistado. O entrevistador passa a limpo a história de sua vida ou trajetória profissional. A relevância ou não de algumas informações depende do entrevistador.

Investigação detalhada
É quando aprofundamos mais ainda na investigação e consequente avaliação do entrevistado, partindo de um ponto estabelecido na etapa anterior, o reconhecimento.

O término

De posse das informações relevantes, o entrevistador dá a entrevista por encerrada e é o momento de avaliar sua decisão e plano de ação.

Podemos observar estes estágios sob o ponto de vista de um psiquiatra ou um psicólogo também. Não são muito similares? Basta que mudemos as palavras entrevistador para psiquiatra, entrevistado para paciente e entrevista para consulta.

Da mesma forma que o psiquiatra agiria em uma consulta, o entrevistador também deve conduzir sua entrevista, baseando-se nesses quatro estágios e sabendo realizar as mudanças de um estágio para outro, não permitindo que o entrevistador aumente sua ansiedade, se sinta pressionado, esteja bem conduzido e não perdido na entrevista, etc.

Para Sullivan (1970), “as transições são vistas como um dos detalhes importantes que precisam sempre receber considerável atenção, requerem um alerta silencioso e contínuo quando se trata com estranhos de maneira séria e íntima”.

Vemos nesse sentido a importância de o entrevistador incentivar e sustentar a sensação de bem-estar do entrevistado, o que proporcionará a ele manter sua autoestima elevada e assegurar o bom andamento da entrevista. O entrevistador deve, assim como um psiquiatra em uma consulta, combater a ansiedade. A ansiedade às vezes conduz as pessoas ao bloqueio, ao medo, à discussão e à oposição, além de ser perigosa para a autoestima das pessoas.

E o que poderia causar ansiedade numa entrevista de emprego por parte do entrevistador?
Pode ser provocado por perguntas muito diretas e mudanças de estágio repentinas, ou seja, a mudança do foco da conversa de uma hora para outra.

Cabe ao entrevistador manter uma coerência no foco de suas perguntas e saber perceber rapidamente quando a entrevista está se comprometendo e, com uma rápida autoanálise, descobrir em que momento as coisas começaram a dar errado e recomeçar com a devida atenção desta vez. O entrevistador, além de analisar as ações do entrevistado, deve, antes de qualquer coisa, avaliar suas próprias ações.

Um paciente que procura um psiquiatra ou um psicólogo, antes de qualquer coisa, quer se sentir seguro para poder se abrir intimamente com esse profissional, que precisa desta abertura do paciente para poder realizar seu melhor trabalho. O mesmo podemos dizer sobre a situação entre um entrevistado e um entrevistador.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


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