Violência Doméstica Contra a Mulher: Antes e Depois de 2006

Violência Doméstica: Danos físicos e morais
Violência Doméstica: Danos físicos e morais

Psicologia

25/05/2014

A partir do momento em que o problema da violência domestica contra as mulheres começou a ser discutido e reconhecido, as políticas publicas para prevenção e controle começaram a ser criadas. Foi por volta de 1980 que esta discussão começou a tomar força no Brasil, através do movimento feminista, que iniciou uma série de ações que trouxeram à tona a problemática para ser discutida junto às esferas públicas. Já que até esse momento era um tabu apenas mencionado em âmbito privado.


A lei 11.340/2006 conhecida como “Maria da Penha” criada para gerar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher só foi sancionada em 2006. Antes desta data, os homens, histórica e culturalmente tinham liberdade para agredir indiscriminadamente suas companheiras sem receber as merecidas punições. Uma questão de gênero enraizada desde muitos séculos.


A luta continuou por muitos anos até chegar ao nível que temos hoje, mas foi a partir destas primeiras discussões que a violência contra a mulher começou a ser tratada como problema a ser combatido por meio de políticas públicas.


A criação da Lei Nº 11.340, 7 de agosto de 2006 marca, portanto, um marco histórico nas relações de gênero e permite às mulheres denunciar qualquer forma de agressão sofrida, mesmo as que não deixam marcas físicas.


Segundo dado da Secretaria de segurança publica, disponibilizado no site http://www.ssp.ba.gov.br/default.asp, hoje na Bahia existem 12 Delegacias especializada no atendimento à mulher (DEAMs) espalhadas entre Capital e interior do estado. A média de atendimento destas delegacias do interior é de 13 casos por semana, dentre mulheres que são vitimas a quase 20 anos e mulheres que procuram a delegacia logo após o acontecimento.


Partindo do tema Gêneros, Poder e Políticas públicas, neste estudo, a Lei Maria da Penha foi escolhida como cenário para o estudo da relação da mulher agredida com ela mesma, principalmente me relação à autoestima já que o agravo à saúde física e psicológica das mulheres agredidas sempre foi visto como algo comum em nossa sociedade tanto antiga quanto moderna.


As mulheres que passam por alguma destas formas de violência, mesmo tendo a justiça ao seu lado ainda deixam de procurar ou procuram com medo por seus direitos. Grande parte das vitimas que procuram a DEAM, demonstram uma mistura de medo, de o agressor retaliar devido à queixa prestada, mas também vergonha da família, da sociedade, dos companheiros de religião. Ainda hoje as mulheres prezam por não expor a intimidade do casal usando a desculpa do “imagine o que vão pensar de mim” e imaginando que a culpa pela agressão ainda recaia sobre elas.

Outra coisa que acontece é a mulher voltar a delegacia solicitando a retirada da queixa. Além de justificarem alegando que o agressor mudou de comportamento, jurou que não tocaria mais nela, está muito arrependido e que a ama, também é mencionado a questão financeira, pois na maioria das vezes, se esse agressor sair de casa a vitima e seus filhos não têm outro meio de sobrevivência.


A mulher que levou a primeira surra do companheiro antes do ano de 2006, quando ainda não tínhamos uma lei tão delineada e onde as punições eram muito mais brandas do que hoje pelo fato de a violência domestica ser considerado um crime sem agravantes pode, ter uma ideia um pouco diferente das mulheres que sempre que precisaram tiveram à lei ao seu lado.


Por exemplo, uma mulher que foi espancada pelo marido, que também ameaçou lhe tirar a vida na década de noventa na época pode ter procurado a justiça, mas hoje pode se queixar de que esta mesma justiça lhe trouxe ainda mais complicações.


Por quê?
Antes de 2006, a violência domestica era julgada como qualquer outro crime pela justiça comum. Quando procurava a delegacia para registrar a ocorrência, muitas vezes era desacreditada ou tinha seu sofrimento minimizado pelos policiais que quase sempre ainda lhe infligiam um atendimento sem o mínimo de sensibilidade. Ainda na delegacia ficava sabendo que era ela mesma quem deveria entregar a intimação ao agressor e quando o fazia geralmente era novamente espancada por ter dado a queixa. Quando o caso prosseguia e se chegava ao julgamento, a pena seria de no máximo um ano, em caso de lesões graves e mesmo nestes casos o agressor poderia responder com penas pecuniárias, que é o pagamento da “divida com a justiça” através de multas e entregas de cestas básicas.


Outra senhora que tenha sido agredida depois da promulgação da lei nº 11.340/06, já encontraria uma cena bem diferente. A partir desta data a justiça já tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher, determina que a mulher agora só possa renunciar a denuncia perante o juiz, fica proibida o pagamento da pena pecuniária (cesta básica e multa) podendo haver prisão preventiva do agressor a fim de proteger a integridade física da mulher. A justiça também passa a proibir a entrega da intimação pela mulher ao agressor, dentre varias outras melhorias, além de o Ministério publico poder apresentar denuncia ao juiz e poderá propor penas de 3 (Três) meses a 3(Três) anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final.


As duas mulheres foram vítimas do mesmo crime, possivelmente sofreram da mesma forma, porém, o seu sofrimento foi encarado de formas diferentes pela mesma autoridade policial. A mulher que não podia contar com a intervenção policial para ajuda-la a se defender possivelmente gerou dentro de si sentimentos referentes à agressão e à justiça, diferente da mulher que sempre que precisou pôde contar com a justiça ao seu lado.
Partindo do pressuposto de que há diferentes possibilidades de sentido para a mulher que começou a ser agredida antes de 2006 e as que apenas sofreram agressões após esta data, há também o interesse em entender como as diferentes visões são apresentadas durante o atendimento no serviço psicossocial da delegacia.


De acordo com a declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1993, este é o conceito de violência domestica ampliado:

“Todo ato de violência baseado em gênero, que tem como resultado, possível ou real, um dano físico, sexual ou psicológico, incluídas as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, seja a que aconteça na vida pública ou privada. Abrange, sem caráter limitativo, a violência física, sexual e psicológica na família, incluídos os golpes, o abuso sexual às meninas, a violação relacionada à herança, o estupro pelo marido, a mutilação genital e outras práticas tradicionais que atentem contra mulher, a violência exercida por outras pessoas – que não o marido - e a violência relacionada com a exploração física, sexual e psicológica e ao trabalho, em instituições educacionais e em outros âmbitos, o tráfico de mulheres e a prostituição forçada e a violência física, sexual e psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra”.(OMS, 1998, p.7).



De acordo com a cartilha – violência sexual contra meninos e meninas. Abuso sexual intrafamiliar e exploração sexual comercial, gêneros são modos de ser e de se comportar que se baseiam na ideia de que homens e mulheres têm valores diferenciados na sociedade, construídos ao longo do tempo. Este conceito determina os papeis e os lugares para homens e mulheres, desde a infância até a velhice.


Nestas relações, as mulheres têm menos poder, em geral, é baseada na força, no controle e na violência. Assim, a violência domestica e familiar contra mulheres e meninas era, e ainda é em diversas sociedades, considerado um fato natural que acontecia nas vidas destas.


“Gênero concerne, preferencialmente, às relações homem-mulher. Isto não significa que uma relação de violência entre dois homens ou entre duas mulheres não possa figurar sob a rubrica de violência de gênero. A disputa por uma fêmea pode levar dois homens à violência, o mesmo podendo ocorrer entre duas mulheres na competição por um macho. Como se trata de relações regidas pela gramática sexual, são compreendidas pela violência de gênero. Mais do que isto, tais violências podem caracterizar-se como violência doméstica, dependendo das circunstâncias” (SAFFIOTI, 1999).


A violência dentro de casa é um dos crimes mais perigosos que uma sociedade pode enfrentar, porque é um crime silencioso. Entre quatro paredes as mulheres aprenderam desde pequenas que deviam obediência aos homens, sejam pais ou esposos e forma criadas aprendendo a não questionar as atitudes do outro.


Há muitas décadas, quiçá séculos milhares de mulheres neste país que sofrem alguma forma de violência nas mãos de seus maridos, companheiros e namorados. São poucas as que contam a alguém – um amigo, familiar, um vizinho – ou á policia. As vitimas da violência domestica provêm de vários estilos de vida, culturas, grupos, idades e de todas as religiões. Todas elas partilham o mesmo sentimento de insegurança, isolamento, culpa medo e vergonha.
“Violência contra a mulher é um problema social e de saúde pública, que consiste num fenômeno mundial que não respeita fronteira de classe social, raça/etnia, religião, idade e grau de escolaridade. Atualmente, e em geral não importa o status da mulher, o locus da violência continua sendo gerado no âmbito familiar, sendo que a chance de a mulher ser agredida pelo pai de seus filhos, ex-marido, ou atual companheiro, é muitas vezes maior do que o de sofrer alguma violência por estranhos”.(AMARAL C, LETELIER C, GÓIS I, AQUINO S., 2001).


A delegacia de proteção à mulher foi criada em 17 de outubro de 1986, na estrutura da policia civil da Bahia com fim de prevenir e reprimir crimes praticados contra a mulher, em suas relações familiares e intersociais, visando o apoio, a proteção e a assistência à mulher contra as consequências da violência. Mas foi no ano de 2006 que a lei nº 11.340 conhecida como lei Maria da Penha, foi posta em prática e os direitos das mulheres foram realmente assegurados.


A Lei Maria da Penha foi batizada com este nome, por ela ser um importante símbolo da luta contra a violência doméstica no Brasil. Maria da Penha sofreu duas tentativas de homicídio de seu companheiro. Não morreu, mas sofreu graves sequelas. Só depois de quase duas décadas o agressor foi preso, mesmo assim por apenas dois anos. O caso foi mais um exemplo de impunidade ate a vitima compartilhar sua experiência e lutar por justiça junto à mídia e órgãos internacionais.


Em 2001, após 18 anos da pratica do crime, a comissão interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro por negligencia e omissão em relação à violência domestica e recomendou várias medidas em relação ao caso concreto de Maria da Penha e em relação às políticas públicas do estado para enfrentar a violência domestica contra as mulheres brasileiras. Por força da pressão internacional, em 2003 o ex-marido de Penha foi preso.


A partir deste momento as mulheres passaram a contar realmente com a justiça brasileira. Hoje, a Lei nº 11.340/06 realmente define a violência doméstica e familiar contra a mulher, dividindo as formas de violência domestica como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.


Outro ponto muito importante da nova lei foi determinas que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz, já que antes era muito comum a mulher se sentir ameaçada pelo cônjuge e retirar a queixa na delegacia. Além de requerer ao juiz, em 48h, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência. Também ficaram proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas). Ou seja, agora sim, há uma punição verdadeira aos agressores.


A violência passa a ser não apenas atos que resultem em hematomas ou marcas visíveis fisicamente, mas pode ser compreendida como qualquer ação ou omissão que resulte em dano físico, sexual, emocional, social ou patrimonial de um ser humano, onde exista vínculo familiar e íntimo entre a vítima e seu agressor.
Para o Ministério da Saúde e estudiosos que trabalham essa questão, a violência doméstica pode ser dividida em:
Violência física ocorre quando alguém causa ou tenta causar dano, por meio de força física, de algum tipo de arma ou instrumento que pode causar lesões internas: (hemorragias, fraturas), externas (cortes, hematomas, feridas).
Violência sexual é toda a ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra à realização de práticas sexuais contra a vontade, por meio da força física, da influência psicológica (intimidação, aliciamento, sedução), ou do uso de armas ou drogas...


Negligência é a omissão de responsabilidade, de um ou mais membros da família, em relação a outro, sobretudo, com aqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou alguma condição específica, permanente ou temporária.
Violência psicológica é toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: ameaças, humilhações, chantagem, cobranças de comportamento, discriminação, exploração, crítica pelo desempenho sexual, não deixar a pessoa sair de casa, provocando o isolamento de amigos e familiares, ou impedir que ela utilize o seu próprio dinheiro. Dentre as modalidades de violência, é a mais difícil de ser identificada. Apesar de ser bastante frequente, ela pode levar a pessoa a se sentir desvalorizada, sofrer de ansiedade e adoecer com facilidade, situações que se arrastam durante muito tempo e, se agravadas, podem levar a pessoa a provocar suicídio.


A delimitação das formas de violência faz com que algumas mulheres que não se consideravam vítimas de violência domestica agora se intitulem como tal. A partir do momento que uma Lei garante que a violência não é somente o sofrimento físico e sim o sofrimento psicológico e moral, as mulheres passam a procurar auxílio logo que percebem que estão sendo vítimas destes crimes e não deixem a intensidade das agressões aumentarem.


Ao longo de anos atendendo mulheres vitimas de violência doméstica e com base em pesquisas e material bibliográfico pode-se afirmar que a violência domestica tem um ciclo, que tende a aumentar de intensidade conforme a mulher não toma as providências cabíveis aos casos. Geralmente a violência começa com a agressão psicológica cujo objetivo é diminuir a autoestima da mulher para que ela aceite as demais formas de violência. Depois vem a violência moral e física com agressões consideradas mais leves como tapas e empurrões, até chegar a um homicídio, nos casos em que a mulher não denuncia e não procura seus direitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BERLY, C. Contra la violencia: una lucha permanente. In: SEMINARIO SOBRE LA MUJER AGREDIDA, 1982, San José. Anais... San José, 1982. p.7.


BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. (Caderno de Atenção Básica, 8)


CARAVANTES, L. Violência intrafamiliar en la reforma del sector salud. In: COSTA, A.M.; MERCHÁNHAMANN, E.; TAJER, D. (Orgs.). Saúde, eqüidade e gênero: um desafio para as políticas públicas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. p.18.


BRANDÃO, Elaine R. Nos corredores de uma Delegacia da Mulher: um estudo etnográfico sobre as mulheres e a violência conjugal. 1997. 202p. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.


ONU. Organização das Nações Unidas. Resolução da Assembléia das Nações Unidas. Local: 1985.


SOARES, L. E. et al. Violência contra a mulher: as DEAMs e os pactos domésticos. In: SOARES, L. E. (Org.). Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996. p. 65-105.


CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas, Vol.10, N.1, p.171-188. 2002


SAFFIOTI, Heleieth, “Rearticulando Gênero e Classe.” In: Costa, A . O & Bruschini, C. (orgs.), Uma Questão de Gênero, Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fund. Carlos Chagas, 1992, pp.:183-215.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Isabela Pinto Magno Martins

por Isabela Pinto Magno Martins

Psicologa formada pela UNIFACS - Universidade Salvador em 2006, especializada em Mediação de conflitos e Psicologia das emergências. Atuação no acompanhamento clínico psicológico e psicossocial às vitimas de violência física, psicológica e/ou sexual e às suas famílias desde o acolhimento, à triagem dos casos criminais na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher - DEAM / Jequié-BA desde 2008.

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