Autoimagem em mulheres mastectomizadas

"O mais importante é minha vida, não meu seio"
"O mais importante é minha vida, não meu seio"

Psicologia

22/04/2014

MAYLU PAGANI SILVA

ROBERTA DE OLIVEIRA BARBOSA



“O MAIS IMPORTANTE É MINHA VIDA, NÃO MEU SEIO”: AUTOIMAGEM EM MULHERES MASTECTOMIZADAS NA CIDADE DE ALEGRE - ES




1. INTRODUÇÃO


Diante de um diagnóstico de câncer de mama, a reação inicial é pensar sobre os tratamentos físicos como quimioterapia e radioterapia, no entanto, colocamos em questionamento a qualidade de vida dessas mulheres após a mutilação da mama. Após a eliminação do nódulo, nos casos em que há mastectomia, a mulher sente que parte da sua sexualidade e da representação que a mama tem frente ao simbolismo materno, foram “arrancados”, desencadeando um sentimento de castração, baixa autoestima, etc.


Na perspectiva de realizar um estudo sobre tal tema, inicialmente desenvolvemos um referencial teórico de base psicanalítica que abordou questões que vão desde o descobrimento da doença até o pós-cirurgia, pontuando que a qualidade de vida das mulheres mastectomizadas está diretamente ligada às emoções no que diz respeito à autoimagem e consciência corporal.


O objetivo da nossa pesquisa foi o de nos atentarmos para a estrutura emocional que muitas vezes pode influenciar na maneira como a mulher vai lidar com a doença e no agravamento do quadro clínico, já que os danos físicos são inevitáveis. Para que isso fosse possível, realizamos um estudo qualitativo com seis mulheres com idades entre 40 e 60 anos, da cidade de Alegre-ES que passaram pelo processo de mastectomia, através de uma entrevista semiestruturada que investigou questões de aspecto emocional relacionadas à doença.


Posteriormente apresentamos os dados de nossa pesquisa com fatores facilitadores para a reconstrução da autoimagem corporal após a mastectomia, o que contrariou à hipótese inicial que propunha uma grande dificuldade nessa reconstrução. Como resultados principais encontramos: o apoio dos maridos e familiares facilitou a reconstrução da autoimagem dessas mulheres; as mulheres que não amamentaram não tiveram sua representação materna afetada pela perda do seio; a atribuição das pacientes à fatores emocionais no que diz respeito ao surgimento e desenvolvimento da doença.


1.1 Objetivos

1.1.1 Objetivo geral


Investigar a reconstrução da autoimagem em mulheres mastectomizadas.


1.1.2 Objetivos Específicos

Avaliar as possíveis modificações na vida das mulheres mastectomizadas no que se refere às repercussões a nível psicológico.

Identificar como a mastectomia influencia no sentimento de perda da identidade da mulher como pessoa sexualmente desejável.

Investigar a identificação da mama como simbolismo materno em mulheres que sofreram mastectomia.

1.2 Justificativa

A importância de se investigar aspectos que relacionam o câncer de mama às repercussões psicológicas que ele pode causar na vida de uma mulher se justifica primeiramente por ser um câncer com grande incidência e porque a mastectomia é uma cirurgia mutiladora que causa um grande impacto físico, psicológico, além do impacto social, pois ainda há certo estranhamento ao lidar com o câncer de uma maneira geral. Essa doença é considerada por muitos uma sentença de morte.


O câncer de mama por afetar a imagem pessoal e a sexualidade feminina é um assunto que deve ser tratado com mais sutileza, já que afeta um órgão de grande importância na vida e desenvolvimento da mulher. Devido à objetividade da medicina que vê o corpo como estrutura orgânica cabe à psicologia atentar-se para os aspectos emocionais subjetivos das pacientes que recebem o diagnóstico e passam pela cirurgia. Decidimos avaliar essas modificações a nível psicológico, pois após a retirada do seio as mulheres necessitam reconstruir sua imagem pessoal, e nosso trabalho se propõe investigar como é feita essa reconstrução e quais fatores contribuem ou não com essa reconstrução da autoimagem.


2. REVISÃO DE LITERATURA


2.1 Câncer de Mama e Mastectomia

Segundo o INCA (Instituto Nacional do Câncer) Câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores malignos, que podem espalhar-se para outras regiões do corpo. As causas de câncer são variadas, podendo ser externas ou internas ao organismo, estando inter-relacionadas. As causas externas referem-se ao meio ambiente e aos hábitos ou costumes próprios de uma sociedade. As causas internas são, na maioria das vezes, geneticamente pré-determinadas, e estão ligadas à capacidade do organismo de se defender das agressões externas (INCA, 2008).


Segundo tipo mais frequente no mundo, o câncer de mama é o mais comum entre as mulheres, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano. Se diagnosticado e tratado oportunamente, o prognóstico é relativamente bom (INCA, 2008).
Relativamente raro antes dos 35 anos, acima desta faixa etária sua incidência cresce rápida e progressivamente.


Estatísticas indicam aumento de sua incidência tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nas décadas de 60 e 70 registrou-se um aumento de 10 vezes nas taxas de incidência ajustadas por idade nos Registros de Câncer de Base Populacional de diversos continentes (INCA, 2008).


O câncer de mama causa um impacto forte no universo feminino. A doença pode ter muitas complicações físicas e psicológicas, a retirada da mama pode afetar a percepção da sexualidade e a imagem pessoal da mulher. A mastectomia é um dos métodos mais utilizados para o tratamento do câncer de mama. É uma cirurgia mutiladora que visa remover todo o tumor visível. Como consequência dessa técnica, podem ocorrer prejuízos de ordem física, emocional e social. Na ordem física podem ocorrer infecções e há limitação nos movimentos dos braços e ombros, limitando as atividades diárias; o emocional fica abalado, circundado de sentimentos negativos em relação à doença; no campo social, a mulher encontra dificuldade em decorrência do sentimento de vergonha, escondendo a mutilação (SAMPAIO, 2006, s/p).


A maioria das doenças está na dependência tanto de fatores emocionais quanto físicos. Você é uma unidade mente – corpo. Suas emoções são fenômenos físicos e cada alteração fisiológica tem seu componente emocional (CAMON, 1992).


2.2 Autoestima


A autoestima expressa o tamanho do ego e está relacionada com o elemento narcisista do amor, uma parte da autoestima é primária - o resíduo do narcisismo infantil. Uma segunda parte da autoestima é proveniente da realização do ideal do ego, enquanto uma terceira parte provém da satisfação da libido objetal (FREUD, 1915/1974).


O termo narcisismo se refere a atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado - que o contempla, vale dizer, o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através dessas atividades. O primeiro narcisismo, ou narcisismo primário, ocorre na criança que se vê como objeto de amor, antes de escolher objetos exteriores, toda energia psíquica é gasta nela própria devido à crença na sua onipotência (FREUD, 1915/1974).


O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo ego ideal, o qual, como o ego infantil, se acha possuído de toda perfeição de valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de modo a não mais poder reter aquela perfeição, procura recuperá-la sob a nova forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal (FREUD, 1914/1974, p. 111).


A falta do seio pode afetar a autoestima da mulher de uma maneira que dificulta sua relação com seu próprio corpo, pensar na mastectomia, cirurgia mutiladora, é lembrar de toda agressão à imagem e ao esquema corporal, nos aspectos simbólicos que a cirurgia desperta, remetendo ao que podemos chamar de uma ferida narcísica (LÔBO, SANTOS, et al., 2006).


Sabe-se que nos dias de hoje mulheres mesmo após os quarenta anos de idade, ainda mantém uma vida sexual ativa e nesses casos a autoestima acaba exercendo uma forte influência sobre suas emoções. Uma mulher que passa pela mastectomia necessita de uma terapia que enfoque o problema, trazendo à tona todas as questões ligadas a autoestima e a autoimagem (SOARES, 2008).
2.3 Autoimagem segundo a psicanálise

A autoimagem é a forma como o indivíduo se percebe e se sente em relação ao seu próprio corpo. É um “retrato mental” que a pessoa faz de si mesma, refletindo na relação dela com os demais e consigo própria e fundamentando sua adaptação (RUSSO, 2005).


O narcisismo secundário ocorre após a criança investir a libido em si própria (narcisismo primário), primeiramente ela passa a investir a libido em um objeto externo, e em um segundo momento essa libido retorna ao ego (FREUD, 1914/1974).


A autoimagem provém da satisfação da libido objetal (libido investida em um objeto externo), está relacionada ao narcisismo secundário quando há um retorno da libido investida nos objetos em direção ao ego, portanto, a autoimagem possui uma forte relação na interação com o ambiente. Em um determinado momento a criança precisa do mundo externo para construir sua autoimagem. Precisamos do outro para saber como somos, ver como é a nossa imagem refletida (FREUD, 1914/1974).


As pessoas aprendem a avaliar seus corpos através da interação com o ambiente, assim sua autoimagem é desenvolvida, quando sofre uma mastectomia a imagem da mulher tem que ser reavaliada. Grande parte da autoimagem é construída na infância, mas mesmo na idade adulta, quando ela já se estabilizou, permanece um conceito dinâmico. Se autoimagem é a descrição que a pessoa faz de si mesma, esse conhecimento tem também uma parte valorativa, que é a autoestima (RUSSO, 2005).


A esta altura, após a definição de autoimagem e autoestima, consideramos necessária uma pequena articulação entre estes dois conceitos, já que os mesmos possuem uma mesma procedência sob a ótica psicanalítica. A autoestima e a autoimagem, deste modo, estão interligadas sendo as duas provenientes da satisfação da libido objetal, esse retorno de investimento ao ego é necessário para a autoestima, pois se não há esse retorno teremos uma autoestima empobrecida, assim como a autoimagem é formada por esse retorno, a criança necessita do olhar do outro para enxergar a si mesma.


2.4 A representação do seio na vida da mulher


O seio tem um importante papel na identidade feminina, de caráter único e que só pode ser experienciado pela mulher. Desejado desde a infância pela menina o seio é o ideal identificatório feminino que é realizado quando ela sai da adolescência e inicia sua vida adulta. O fato de ser feminina e ser mulher estão diretamente ligados ao seio. Primeiramente pela questão sexual, no qual é um órgão de intenso investimento erótico sensível às carícias amorosas. Em segundo plano fica a representação materna onde o seio evidencia a onipotência da mãe mediante as necessidades do filho (ZECCHIN, 2004).


Na vida adulta a mulher já possui seu ideal identificatório, ao perder a mama e não reconstituí-la ela passa a apresentar modificações no seu modelo estrutural vendo a mutilação como motivo de vergonha, constrangimento perante o parceiro sexual e comprometimento da sua beleza física. Necessitando reconstruir sua autoimagem para adaptar-se às modificações em seu corpo (ZECCHIN, 2004).


A mama, como símbolo de sensualidade, quando danificada, altera a autoimagem acarretando à paciente, sentimentos de inferioridade e medo de rejeição, sendo que, quanto maior for o investimento da mulher neste órgão, maior será o sentimento de perda (SOARES, 2008, p. 02)


A mastectomia desconstrói a imagem corporal que a mulher criou ao longo de toda sua vida, de maneira agressiva, necessitando então, de um tempo para assimilar e incorporar essa nova imagem. A reconstrução da autoimagem corporal após a perda do seio vai influenciar positivamente a maneira como essa mulher vai lidar com a ausência da mama, melhorando sua interação psicossocial (FERREIRA e MAMEDE, 2003).


2.5 O impacto do câncer de mama na vida da mulher

O diagnóstico de câncer da mama provoca muitas reações e sentimento estressantes, pois a paciente e sua família terão que se adaptar à nova condição de enfermidade. Os exames diagnósticos e até mesmo o tratamento contribuem para o aumento da ansiedade e aflição da paciente (FERNANDES e MAMEDE, 2004).


As mulheres ao vivenciar uma doença grave como o câncer, são levadas a buscar o autoconhecimento, a avaliar suas posturas frente a determinadas situações que a vida lhes apresenta, a resgatar alguns valores e princípios que por muitas vezes, ao longo de suas caminhadas no mundo, mantiveram-se esquecidos em função de interesses pessoais que nortearam as suas trajetórias de vida (FERNANDES e MAMEDE, 2004, p. 36).


A imagem corporal e a necessidade de sobrevivência geralmente é problematizado por inúmeras mulheres. Devido à constante associação do câncer à morte, ao receber o diagnóstico e ao submeter-se ao tratamento proposto, inicia-se também o processo do luto antecipatório da própria vida e de tudo o que terá que deixar para trás, ou seja, amigos, família, bens adquiridos e tudo o mais (ROSA, 2011).


O luto antecipatório pode começar com o diagnóstico confirmado, promovendo angústia e a dor da separação. Os familiares podem ter reações diversas, podem vivenciar fases como depressão, raiva, desorganização e reorganização. Essa é uma reação adaptativa que pode possibilitar a antecipação do desligamento afetivo entre o familiar e o paciente, facilitando o luto após a perda real. As experiências de perda, com o processo de luto antecipatório, de parentes com uma doença terminal, faz com que o familiar sofra pela falta de convivência com o ente querido, além de trazer a experiência de testemunhar a deterioração física dele (ROSA, 2011).


A representação do câncer, nesse caso o câncer de mama, pode dar um destaque à morte, e ainda é difícil para a sociedade encarar a morte como um fenômeno natural. O constrangimento de ter uma doença pode levar algumas mulheres a se afastarem do convívio social, depois de reconstruir a sua autoimagem e se aceitar a mulher precisa que a sociedade aceite-a (ALMEIDA, MAMEDE, et al., 2001).


O olhar de estranhamento, por exemplo, é uma corporificação desse discurso, uma vez que o corpo mutilado acaba sendo a expressão de uma mulher destituída daquele atributo, a mama, que socialmente a identifica como pertencente ao gênero feminino. Além disso, a mama também concentra outras potencialidades virtuais que possibilitam à mulher habitar seu corpo e manter uma relação vitalizadora com a vida. Assim, o seio, que sempre fora intensamente identificado como expressão de vida, com a doença acaba se convertendo em veículo potencial de morte (COMIN, SANTOS e SOUZA, 2009, p. 47).


A sociedade determina uma imagem de mulher e o olhar de estranhamento surge quando essa imagem idealizada não corresponde. O olhar sobre uma mulher mastectomizada é diferente, pois “lhe faltaria algo para que ela pudesse ser mulher” (COMIN, SANTOS e SOUZA, 2009).


Nossa cultura abriga muitas crenças, direcionadas aos sentimentos e uma delas está ligada ao fato das pessoas acharem que se caso ignorarem as emoções, tais como raiva ou ansiedade, então elas simplesmente desaparecerão. Isso evidencia o comportamento de algumas mulheres com câncer de mama, que guardam para si próprio os sentimentos, fazendo com que os outros percebam que está tudo normal (FERNANDES e MAMEDE, 2004).
2.6 O Luto Relacionado à Perda do Seio

Para a psicanálise a elaboração do luto é um processo que necessita de tempo e um certo desgaste emocional, a fase de luto deve ser vivenciada para que se possa passar por esse processo de forma saudável. A dor psíquica é uma tensão que precisa ser descarregada – através de lágrimas ou recolhimento – pois de nada adianta negar a dor, assim ela pode retornar de uma maneira mais forte. Segundo Freud o luto é a reação à perda de um objeto amado, no período de luto toda a libido antes investida no objeto perdido deve ser retirada para que o ego possa investir em outro objeto, se esse período de luto for perturbado e de alguma forma não for vivenciado, o ego continua investindo libido no objeto perdido (FREUD, 1915/1974).


O teste da realidade revelou que o objeto amado não existe mais, passando a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Essa exigência provoca uma oposição compreensível - é fato notório que as pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal, nem mesmo, na realidade, quando um substituto já se lhes acena. (...) Normalmente, prevalece o respeito pela realidade, ainda que suas ordens não possam ser obedecidas de imediato. São executadas pouco a pouco, com grande dispêndio de tempo e de energia catexial, prolongando-se psiquicamente, nesse meio tempo, a existência do objeto perdido. Cada uma das lembranças e expectativas isoladas através das quais a libido está vinculada ao objeto é evocada e hipercatexizada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas.


Por que essa transigência, pela qual o domínio da realidade se faz fragmentariamente, deve ser tão extraordinariamente penosa, de forma alguma é coisa fácil de explicar em termos de economia. É notável que esse penoso desprazer seja aceito por nós como algo natural. Contudo, o fato é que, quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido (FREUD, 1915/1974, p. 276).


O luto é um processo mental devido a uma perda significativa na mente. É um processo longo e doloroso. “A perda de algo íntimo, como o seio é para mulher, faz-se através de uma incontestável passagem de uma prova, prova de separação de um objeto que estamos intimamente ligados” (SOARES, 2008, s/p). A mulher que perdeu o seio também vivencia essa perda como um luto e necessita de um período para que aconteça o trabalho de elaboração psíquica para adaptação e reconhecimento do corpo modificado.


2.7 O surgimento do câncer na visão das pacientes

Um estudo realizado mostra a visão das pacientes em relação ao surgimento do câncer de mama e revela que as pacientes também relacionam o surgimento do câncer ao estresse e à sentimentos reprimidos, além de outros fatores como hábitos alimentares e herança familiar (FERNANDES e MAMEDE, 2004).


É notável nesse estudo essa atribuição do câncer a fatores de ordem emocional e psicológicos, a maneira que as pessoas vivem até o aparecimento do câncer ressalta que a mulher é socializada para reprimir e ocultar sentimentos e esse tipo de criação e educação cheio de repressões fazem as emoções responderem de uma outra maneira. Há também o fato da mulher viver em função da família, sendo educada para servir os outros, responsabiliza-se por tudo, negligenciando a própria saúde (FERNANDES e MAMEDE, 2004).


O estresse é um dos fatores que chamam atenção na opinião das mulheres, que justificam o surgimento do câncer à vida tumultuada e cheia de compromissos que exige sempre mais da capacidade das pessoas, podendo levar a uma desestruturação mental com possibilidade de depressão e estresse (FERNANDES e MAMEDE, 2004).



3. MÉTODO


O estudo qualitativo foi realizado com pacientes oncológicas da cidade de Alegre –ES que passaram pelo processo de retirada da mama. Investigamos possíveis modificações em suas vidas após o processo de mastectomia no que se refere às repercussões a nível psicológico.


Alegre é uma cidade universitária, situada no interior do Espírito Santo à 198km da capital Vitória. Segundo dados colhidos no site oficial da prefeitura, a população do município é de 30.784 habitantes (Censo IBGE, 2010). Destes, um pouco mais de 18.000 residem na sede, e os demais em 7 distritos: Araraí, Café, Rive, Celina, Santa Angélica, Anutiba e São João do Norte.


Foram entrevistadas seis mulheres que passaram pelo processo de mastectomia entre o ano de 2003 e 2008, com idade entre 40 e 60 anos, de classe média ou classe média alta, cinco mulheres são casadas e uma viúva. Todas possuem pelo menos um filho. Quatro das seis entrevistadas passaram pelo processo de mastectomia radical sendo que uma delas reconstruiu a mama no mesmo dia da cirurgia. Utilizamos nomes de mulheres famosas que já tiveram algum tipo de câncer e conseguiram superar a doença para preservar a identidade das mulheres que entrevistamos. As entrevistadas assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (anexo A) que explica todos os procedimentos da pesquisa.


Através de um estudo qualitativo obtém dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo. O pesquisador procura entender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí, situa sua interpretação dos fenômenos estudados (NEVES, 1996).


Realizamos uma anamnese para conhecer a história clínica das pacientes e em seguida a mesma respondeu ao entrevistador perguntas de caráter biológico e emocional. A coleta de dados foi feita através de uma entrevista semiestruturada, qualitativa e guiada (apêndice A), em um lugar de preferência das pacientes. Com o objetivo de explorar como se dá reconstrução da autoimagem após a mastectomia.


As entrevistas semiestruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, o entrevistador previamente define questões a serem seguidas e o entrevistado tem a possibilidade de expor o que ele julga importante sobre o tema proposto. Esse tipo de entrevista é feita de maneira muito semelhante à uma conversa informal. Numa entrevista qualitativa tem uma amostra pequena e há um grande interesse no ponto de vista do entrevistado (BONI e QUARESMA, 2005).


Para exame dos relatos foi aplicada a técnica de análise de conteúdo que consiste em manipulação das mensagens, tanto do seu conteúdo quanto da expressão do mesmo, para colocar em evidência questões subjetivas que podem surgir durante a coleta de dados (OLIVEIRA, 2008).


Utilizamos o método de categorização, para agrupar dados considerando a parte comum existente entre eles, ocorrendo uma espécie de “filtro” dos conteúdos a serem tratados. A principal finalidade da categorização é redução de dados. A categorização é, portanto, uma operação de classificação dos elementos de uma mensagem seguindo determinados critérios. Ela facilita a análise da informação, mas deve fundamentar-se numa definição precisa do problema, dos objetivos e dos elementos utilizados na análise de conteúdo (MORAES, 1999).


A base teórica para interpretação dos dados colhidos foi fundamentalmente a psicanálise, por acharmos que é a teoria que melhor explica os termos utilizados na revisão de literatura, principalmente a autoimagem que é o termo central do nosso trabalho.
3.1 Análise de conteúdo

Após a realização de todas as entrevistas, iniciamos o processo de categorização para que pudéssemos filtrar os conteúdos a serem analisados com a finalidade de explorar melhor os conteúdos que eram comuns na maioria dos relatos.
A primeira categoria da análise de conteúdo, que diz respeito à “representação do seio” para a mulher, foi delineada antes das primeiras entrevistas, pois já fazia parte do conteúdo que nos propomos a investigar. Para falarmos sobre a perda do seio para as pacientes era necessário saber que papel o seio representa na vida dela para sabermos o quanto foi difícil perdê-lo.


O “impacto do diagnóstico”, que antes era visto por nós como um causador de conflito na própria mulher, foi ampliado através dos relatos das próprias mulheres para um agente causador de mudanças, não só em si mesmas, mas também no campo familiar, onde todas as pessoas próximas estavam envolvidas neste processo desde o primeiro momento.


A categoria sobre o “impacto da cirurgia” surgiu como forma de investigação da relação da mulher com o seu próprio corpo, tal visão já havia sido pré-estabelecida através do questionário semiestruturado. Tal categoria se propõe investigar o impacto causado pela mastectomia no corpo e na vida das pacientes, suas relações consigo mesmas, com seus parceiros e seus familiares.


Utilizamos uma categoria “eu e o espelho” que está relacionada com o foco principal do nosso trabalho que é a investigação da autoimagem após a mastectomia. Nesse tópico tratamos a relação da mulher com a imagem refletida do próprio corpo.


A última categoria da nossa análise “a que atribuem o surgimento do câncer” vem tratar de conteúdo que não estava previsto em nossas pesquisas, mas que percebemos a relevância, pois em todos os relatos há uma atribuição a algo externo ao corpo da própria mulher.


4. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Representação do seio

Inicialmente a representação do seio para as mulheres entrevistadas, de maneira geral, girou em torno da importância da presença do seio na vida social, e na ligação direta com a autoestima. O seio na maioria dos relatos foi caracterizado como um órgão de extrema importância e não apenas como um órgão qualquer. Dentro desse contexto, essa representação apresentou poucas nuances diferentes dentro do relato de cada uma das entrevistadas: “Acho que é algo que faz com que a mulher se sinta mulher” (Elba Ramalho). “O seio é o que faz a mulher ser feminina, bonita” (Márcia Cabrita).


As mamas sempre representaram a sexualidade e a maternidade, é um órgão de contato de atração, é também um símbolo extremamente narcísico. Além disso, é símbolo da identidade corporal feminina e do sentimento de autoestima e valor-próprio (SOARES, 2008, s/p).


O impacto da perda está diretamente ligado com o que o objeto perdido, no caso o seio, representa para a mulher. As entrevistas mostraram que para essas mulheres o seio possui uma representação mais significativa como mulher do que como mãe. Uma entrevistada ao ser perguntada sobre o que o seio representa para ela responde: “Eu acho tudo, eu acho muito importante, a falta do seio é... (pausa para reflexão), mais como mulher do que como mãe, pois como eu não consegui amamentar nenhum dos dois filhos, então não senti tanto” (Joana Fomm). A mulher quando não amamenta não faz uma ligação entre o seio e a maternidade, para elas o seio não representa um simbolismo materno: “Como eu não amamentei meus dois filhos a representação como mãe não afetou” (Márcia Cabrita).


Outra entrevistada comenta que o fato das filhas já serem crescidas, a falta do seio não influenciou sua relação de mãe e filha: “Faz falta como mulher mesmo, porque como mãe o fato das minhas filha serem crescidas e de me apoiarem nesse momento, fez com que não afetasse minha relação com elas em nada” (Patrícia Pillar).


Isso nos leva a afirmar que a representação do seio é algo muito individual na vida de uma mulher, mas no caso das nossas entrevistadas existe um ponto em comum, que é a representação do seio mais como símbolo feminino e sexual do que como símbolo materno.
4.2 O Impacto do diagnóstico

O que se pôde observar dentre todos os relatos é que diante do diagnóstico, a reação de ambas as entrevistadas, foi o de encarar o problema de frente e de tranquilizar os familiares, já que um ponto em comum nos discursos é o fato de que os familiares se mostravam muito mais preocupados e com medo de um possível óbito do que a própria paciente acometida pela doença. “Encarei o câncer com muita força, os meus familiares ficaram muito mais preocupados que eu, as minhas filhas se desesperaram” (Patrícia Pillar). “Meu filho e meu esposo ficaram muito preocupados, eu tive um controle emocional maior que o deles” (Márcia Cabrita).


Percebemos nos relatos que qualquer preocupação ou medo da morte era muito menor do que a vontade de viver, e de lutar contra este “mal”, e um grande aliado para alicerçar essa força inabalável foi a fé e a vontade de estar próximos aos entes queridos.


As entrevistadas encararam a doença com uma boa estabilidade emocional, mas o fato de não se sentirem “doentes” ao receber o diagnóstico é um ponto em comum nas entrevistas e isso causou certo choque, já que ambas não sentiam os sintomas manifestados.


O câncer expressa uma visão assustadora e temerosa, pois o ocultamento dos sinais e sintomas físicos podem dificultar o diagnóstico precoce. Diagnóstico que chegou de forma inesperada para todas as entrevistadas que não sofriam sinais nem sintomas da doença. A possibilidade de recorrência da doença é imprevisível e isso é percebido como o lado sombrio da doença (ALMEIDA, MAMEDE, et al., 2001).


Ao serem perguntadas sobre como se sentiam quando descobriram o tumor, as entrevistadas relataram essa falta de sintomas físicos: “Eu não me sentia doente. Eu não me desesperei fiquei muito confiante, entreguei nas mãos de Deus (Patrícia Pillar)”. “Não me sentia doente não, me sentia super saudável. Até porque eu sempre fiz todos os exames de rotina e fazia mamografia uma vez por ano e em um desses exames de rotina que foi detectado o nódulo (Márcia Cabrita)”. “Me sentia bem, não sentia que estava doente, através do autoexame não detectou pois estava muito pequeno (Joana Fomm)”.


Podemos concluir que as entrevistadas sentiram o impacto do diagnóstico pelo fato de não se sentirem doentes, mas por um outro lado, todas enfrentaram a situação agindo de maneira racional e ainda se mostrando forte perante os familiares.
O comportamento das pacientes perante o diagnóstico depende do significado que cada uma atribui ao câncer. Uma boa relação de confiança com os profissionais de saúde e com os familiares contribui para uma melhor aceitação, adaptação e tomada de decisões em relação à doença (ARAÚJO e FERNANDES, 2008).


4.3 O Impacto da cirurgia

O impacto no retorno para casa após a mastectomia transforma-se em sensação de impotência. Sendo em todos os casos das entrevistadas um dos momentos mais difíceis de todo o tratamento. Justamente, porque nesse retorno para casa, há um reencontro com os familiares e amigos e a necessidade de se mostrar confiante mediante ao tratamento.


Quando eu voltei para casa, eu queria ver como tinha ficado a cirurgia, aí me tranquei dentro do banheiro para olhar no espelho, aí chorei (pausa por alguns instantes) chorei muito, fiquei muito tempo trancada lá, para que ninguém me visse chorar (chorando), pois eu tinha que ser forte, não podia demonstrar pra ninguém que eu estava fraca, porque se eu não confiasse que ia melhorar, minha família iria se desesperar mais ainda (Drica Moraes).


Se a autoimagem possui uma forte relação na interação com o ambiente, podemos afirmar que a reorganização da autoimagem após a mastectomia também se dá em função de como a pessoa percebe que as pessoas próximas a ela estão julgando-a ou vendo-a após o procedimento cirúrgico. Isso por sua vez, nos permite afirmar que o bem-estar dessas mulheres ou mesmo o bom enfrentamento delas em relação ao câncer de mama está ligado ao apoio incondicional de familiares e seus esposos, principalmente na questão sexual. “Ele diz pra eu colocar silicone, e ficar ‘turbinada’ (sorrindo), não por ele, mas por mim, porque no começo eu me sentia mal. Pra ele não mudou nada, meu marido é muito companheiro. Ele diz que me ama, não meu seio” (Patrícia Pillar).


Um medo muito frequente entre as pacientes mastectomizadas é o de não ser mais atraente sexualmente. Dessa forma, a presença do companheiro na reestruturação de sua integridade é fundamental. Porém, percebe-se que certas mulheres se afastam dos seus parceiros nesse momento, passando até a evitar contatos sexuais. “Depois que eu peguei o resultado e fui pra casa, eu juntei as coisas dele, e quando ele chegou em casa eu disse que antes que ele me abandonasse, eu já tinha arrumado as trouxas dele para ele ir embora” (Drica Moraes).


Essa dificuldade com a qual a mulher se depara neste momento, até mesmo o medo da rejeição do parceiro ou uma possível mudança no comportamento sexual, é algo com o qual a psicologia deve tratar em um acompanhamento iniciado desde o período de descoberta, abrangendo não só demandas pessoais e mecanismos de defesa, tratando questões egóicas, mas tratando questões mais interpessoais, como o relacionamento de troca entre essas mulheres e seus respectivos parceiros. “O que se configurar como sendo a relação Eu – Corpo, a partir da presença da alteridade, o sujeito tenderá a repetir os mesmos conflitos de sua relação com o corpo na relação com o outro” (ZECCHIN, 2004, p. 77).


A psicoterapia breve, por ser de base psicanalítica e ao mesmo tempo ter foco na “situação problema”, é uma indicação para os casos de câncer, pois ela ajuda o paciente no sentido de trazer firmeza para suportar o sofrimento e os momentos de angústia (CARVALHO, 1998).
Percebemos então, através dos relatos, que em pelo menos metade dos casos das entrevistadas, havia uma certa hesitação, até mesmo uma certa timidez, ao retomar a relação sexual com seu parceiro. O que a literatura nos traz hoje é um indicativo de certa “normalidade” para este tipo de comportamento já que, relativizando, é normal que haja um determinado bloqueio, pois toda a estrutura psíquica da mulher está se modificando em busca de um ego reestruturado e com uma autoimagem reconstruída, ou seja, toda mulher que passar pelo processo de mastectomia, passará também pelo processo de reconstrução da autoimagem, sabendo que essa realidade será periódica e inevitavelmente fonte de sofrimento, provocando desejo de fuga (ZECCHIN, 2004).


Uma entrevistada ao ser perguntada sobre o que mudou para o marido na vida sexual após a mastectomia responde: “Com certeza algo mudou, a cicatriz é grande, e às vezes eu me cobro em relação a isso, ele me diz pra eu não preocupar” (Drica Moraes). Após a realização da mastectomia e a necessidade de reconstrução da autoestima, vimos nestas mulheres uma nítida transferência da sua libido (que anteriormente estava investida na vida sexual) para outros objetos que não o seio.


Este objeto para qual a sua libido é remanejada é de natureza particular e pessoal, modificando de acordo com o universo de cada uma. Porém em todos os casos nos quais as mulheres ainda eram casadas, essa libido foi investida em outros aspectos do relacionamento. “Estamos cada vez mais unidos, pois percebemos que no relacionamento, no casamento, existem muitas coisas mais importantes que sexo” (Hebe Camargo). Vimos então, que essa libido foi reinvestida dentro do relacionamento para o companheirismo e para a maneira a qual se sentiam cuidadas, apoiadas e protegidas pelos maridos.


Perante a sociedade ainda existe um estranhamento ao olhar para mulher mastectomizada, isso ficou claro nos relatos das entrevistadas principalmente quando uma diz: “A mim não, incomoda aos outros, as pessoas se incomodam mais que eu. As pessoas na rua olham uma mulher sem um seio da mesma maneira estranha que olham uma pessoa sem um braço ou sem uma perna” (Elba Ramalho). Porém, esse olhar da sociedade não alterou a condição delas e nem atrapalhou o processo de reconstrução de sua autoimagem, acreditamos que isso só foi possível devido à boa receptividade e apoio dos familiares e companheiros.


4.4 Eu e o espelho


Ficou visível que nos casos em que as entrevistadas passaram pela mastectomia radical sem a reconstrução que os primeiros contatos com o espelho foi mais difícil.


Uma entrevistada comentou que foi “diferente”, outra não soube como explicar os sentimentos ao se olhar no espelho pela primeira vez. “Fiz a operação na capital, porém só vi no espelho quando retornei na cidade. Foi diferente, mas todos me deram força” (Patrícia Pilar). “(Risos) Não sei. Eu vi na mesma hora, na hora que eu acordei eu fui me olhar no espelho” (Elba Ramalho).


Um dos casos em que a cirurgia de reconstrução da mama foi realizada no mesmo dia da cirurgia de retirada do nódulo a entrevistada disse não ter sofrido impacto ao se olhar no espelho após a cirurgia.


Eu não tive nenhum choque porque fiz a reconstrução no mesmo dia da mastectomia. (...) Fiz a reconstrução, mas sem silicone, no dia mesmo em que tirei o tumor eu fiz a reconstrução, foi assim nas duas cirurgias. Hoje penso que se eu não tivesse feito no mesmo dia eu não faria uma cirurgia só por estética. Decidiram por mim, os dois mastologistas me aconselharam a fazer, eu só não queria o silicone pra não prejudicar nas outras mamografias que eu precisaria fazer e a prótese de silicone tem que ser trocada depois de algum tempo e eu não queria me submeter a uma cirurgia de estética por que eu tenho um problema cardíaco e minhas cirurgias são de risco (Hebe Camargo).


Isso nos permite afirmar que possivelmente o impacto da cirurgia é relativamente menor nas mulheres que não fizeram mastectomia radical porque o dano físico é reduzido com a reconstrução ou é quase imperceptível no caso de uma mastectomia simples, sem a retirada do seio por completo.


Duas das entrevistadas que fizeram mastectomia radical comentaram que não irão reconstruir a mama para não passarem por uma cirurgia só por motivos estéticos. Isso por outro lado evidencia que a reconstrução da autoimagem corporal não depende somente da reconstrução da mama, como demonstra o relato abaixo:

“Minha autoestima é normal, logo após a cirurgia foi meio estranho, mas hoje não me sinto menos feminina, não mudei como mãe ou como mulher, falta algo, é estranho, mas ainda sou eu” (Patrícia Pillar).


Da mesma forma em que a autoimagem é construída na infância, seu dinamismo permite que seja reconstruída ao longo da vida, inclusive após a mastectomia. A reconstrução da autoimagem corporal segundo a psicanálise ocorre após a satisfação da libido objetal com o retorno da libido investida ao ego, se essa libido retorna ao ego da mulher, mesmo após a cirurgia, pode facilitar a reconstrução da sua autoimagem, com ou sem a presença do seio (FREUD, 1914/1974).
Ressaltamos novamente a importância do olhar do outro para apoiar a mulher após a mastectomia. Um apoio psicológico para a família nessas circunstâncias pode ajudar a paciente já que em todos os casos percebemos que os familiares se mostravam mais temerosos que as pacientes.


Uma entrevistada que passou pela mastectomia radical comenta que o fato de ser viúva ajudou a encarar a cirurgia de uma maneira mais fácil: “O lado bom é que não tenho essa preocupação com o sexo, mas se meu marido tivesse vivo ele me daria todo apoio, ele era muito companheiro. Conheço uma mulher que fez mastectomia e depois disso nunca mais tirou a roupa perto do marido” (Elba Ramalho). Essa mesma entrevistada comentou que foi mais difícil ficar sem cabelo do que sem o seio.


Ficar sem cabelo é horrível, pra mim, é pior do que ficar sem seio. A mama pode ser disfarçada com a prótese, o cabelo se você coloca uma peruca, todo mundo vê que é peruca. Eu usei lenço, comprei uns lenços, ganhei uns lenços, imagina se arrumar pra sair e se olhar sem cabelo. Agora eu me acostumei e só corto o cabelo bem curto (Elba Ramalho).
A mastectomia não radical, por ser menos agressiva com o corpo da mulher, faz com que o impacto causado pela cirurgia seja relativamente menor. As mulheres que retiraram apenas o nódulo, mas não o seio todo, comentaram que o seio operado ficou mais “bonito”: “Todo mundo achou estranho a minha reação, mas eu achei o seio operado mas bonito que o outro, mais empinado, com menos gordurinhas, pois haviam sido retiradas na operação. Então eu achei que ficou melhor” (Márcia Cabrita). E ainda não relaciona sua autoestima com o seio “Me sinto bem (com o corpo atual), me incomoda muito mais, uma gordurinha pulando na calça do que o seio em si” (Márcia Cabrita).


A paciente que reconstruiu a mama no mesmo dia da mastectomia comenta que não se sente menos feminina após a mastectomia: “Não, de forma alguma. Tem aquelas coisas de mulher, vou colocar uma roupa, tem uma gordurinha aqui que incomoda, mas não é o câncer de mama que me deixa insatisfeita com meu corpo” (Hebe Camargo). Nesse sentido, após a comparação das entrevistas com mulheres que passaram pela mastectomia radical e outras que não passaram, verificamos que quanto maior o dano físico, mais difícil e demorada é a reconstrução da autoimagem.


4.5 A que atribuem o surgimento do câncer


A dúvida sobre o real motivo para o surgimento de tal enfermidade é algo muito presente nos relatos. Durante o processo de entrevistas, sem que houvéssemos programado perguntas diretamente ligadas ao fator desencadeador do câncer, surgiu uma questão em comum em todos os relatos: todas as pacientes entrevistadas atribuíam categoricamente o surgimento e evolução da doença à fatores psicológicos. Tais fatores são de ordens variadas, como: Repressão de sentimentos, estresse, falecimento, problemas familiares, etc.


Tive uns problemas de família um tempinho antes de descobrir que estava com o nódulo. E até acho que foi por conta disso que eu adoeci. Não foi diretamente comigo, mas foi com meu filho, e eu só pedia a Deus que o que tivesse que acontecer com meu filho, que viesse pra mim e não pra ele, então não sei né, eu não tenho como provar, porque não entendo bem sobre isso, mas falo que é devido a isso que fiquei doente (Joana Fomm).


Na busca pela causalidade, essa atribuição do surgimento do câncer à algo externo ao próprio corpo tornou-se um elemento de extrema importância durante as entrevistas, devido a simbologia particular que cada uma atribuiu, mas que ainda assim, emergia um fator comum: o fato de que mesmo que houvesse um traço genético presente, segundo as entrevistadas, houve em algum momento antes do surgimento algum acontecimento marcante que fez com que a doença se embelecesse realmente.


“Eu me sentia bem, tive uns problemas, uns aborrecimentos com minha filha, quando descobri o tumor ele tinha 3 cm e após esses aborrecimentos, no período de um mês, ele foi para 10 cm” (Patrícia Pillar).


Meu marido estava muito doente quando eu descobri que estava com câncer, o meu câncer não é hormonal, tem um câncer que é emocional, causado por aborrecimento. Foi muito difícil quando meu marido adoeceu, ele morreu dois meses depois que eu descobri o câncer e nesse tempo meu caso se agravou muito (Elba Ramalho).


Fatores de ordem genética também estiveram presentes na maioria dos casos, porém, nos relatos das entrevistadas, este fator apareceu sempre associado a outros fatores de cunho emocional.


Quando descobri o primeiro tumor tinha perdido a avó a menos de um mês. Acredito que o câncer está muito relacionado ao fator emocional. Relaciono o câncer ao fator hereditário e ao fator de estresse também, hoje em dia a gente sabe que o câncer, principalmente o câncer de mama está muito relacionado ao estresse. Eu tinha uma vida extremamente estressante, eu dava plantão cinco noites por semana e trabalhava todos os dias no meu consultório, eu tinha uma vida extremamente agitada. Eu tenho certeza que o meu câncer está relacionado ao estresse. Está provado hoje, nos últimos livros que eu andei lendo, um que foi publicado recentemente nos Estados Unidos que relaciona a hereditariedade ao câncer apenas de 15% a 25%, o restante seria alimentar e o fator estresse (Hebe Camargo).


Não há um consenso no que diz respeito à causalidade dessa doença. Isso demonstra que sob um aspecto subjetivo precisa-se compreender melhor as atribuições do surgimento do câncer de mama. Nesse sentido falta literatura mais aprofundada que explicite essa relação entre aspectos subjetivos que influenciam na concepção e no surgimento do câncer.


5. CONCLUSÃO

Todas as mulheres entrevistadas reagiram satisfatoriamente à mastectomia, mesmo sendo um método radical para a retirada do câncer, contrariando a hipótese inicial e as literaturas encontradas, que afirmam que a mastectomia afeta de forma significativa a vida sexual e a autoestima da mulher.


Após passarmos por uma perda significativa, temos que vivenciar o luto, e após vivenciá-lo, o ego está livre para um novo investimento. No caso das mulheres entrevistadas a perda foi a do ideal identificatório feminino (o seio), portanto, há uma necessidade de passar por um processo de reconstrução e tal processo exige um período de adaptação física e psíquica. Após a essa adaptação, inicia-se o processo de reconhecimento do corpo modificado pela perda, dando-se assim a reconstrução da autoimagem.


As entrevistas com todas essas mulheres foram realizadas alguns anos após à cirurgia. Isso poderia explicar o fato de que em todos os casos, as mulheres relataram não haver grandes mudanças nos aspectos sexuais, sociais e de maternidade, pois neste momento já haviam vivenciado o luto e todo o processo de perda e reinvestimento da libido, ou seja, as mulheres mastectomizadas de Alegre – ES reconstruíram sua autoimagem de maneira satisfatória.


O impacto tanto do diagnóstico quanto da cirurgia está ligado ao contexto sociocultural a qual a pessoa está inserida, e nos casos das mulheres entrevistadas, o apoio dos companheiros e familiares foram motivadores para que elas permanecessem de pé na luta contra a doença e de grande importância do processo de reconstrução de autoimagem.


Isso por sua vez abre uma de nova questão: a extensão do acompanhamento psicológico para os familiares, já que a autoimagem é construída através da visão do outro, e se os familiares, principalmente os maridos, mantém um olhar positivo em relação à mulher, facilita a reconstrução da autoimagem feminina.


Outra questão como: a influência das emoções no desenvolvimento do câncer necessita de um estudo mais amplo e aprofundando para respostas mais consistentes, já que todas as pacientes atribuíram o surgimento do câncer a fatores de ordem emocional.


Essa pesquisa contribuiu na nossa formação como psicólogas, pois ressignificou a forma como enxergávamos o câncer de mama e a autoimagem dessas mulheres, nos fazendo crescer enquanto profissionais em busca da multidisciplinaridade na área da saúde, integrando a visão de todos os profissionais competentes diante de um diagnóstico.

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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Maylu Pagani

por Maylu Pagani

Graduada em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Alegre. ano de conclusão 2011. Psicóloga no Programa INCLUIR no CRAS e Psicóloga Clínica na Galeria Espaço Saúde. Ibatiba - ES.

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