Psicopatologia: complexos

Existe a Teoria dos complexos, que foi desenvolvida por Jung
Existe a Teoria dos complexos, que foi desenvolvida por Jung

Psicologia

30/01/2014

Jung (1995) desenvolve a teoria dos complexos quando está realizando seus estudos experimentais. Nestes estudos ele chega à conclusão de que todas as psicopatologias possuem complexos autônomos que perturbam a consciência fazendo com que as pessoas adoeçam. Neste sentido, o que geraria a patologia seria o conflito entre um complexo autônomo e o Eu (também um complexo, o mais importante para a personalidade).
De acordo com Jung, tanto a neurose quanto as psicoses (numa nomenclatura mais antiga, atualmente, transtornos) possuíam sua base explicativa na teoria dos complexos.


Enquanto na neurose acontece normalmente uma adaptação ao meio ambiente, estando por isso os complexos sujeitos a contínua mudanças, na dementia praecox [esquizofrenia] os complexos se fixam de tal forma a paralisarem o progresso da personalidade com um todo – o que denominamos demência. (JUNG, 1995, pg. 610).


Com isso ele coloca que o um complexo pode adquirir autonomia criando um conjunto de relações que foge ao controle da consciência, fazendo com que o indivíduo tenha atitudes e tome ações que provavelmente não executaria em seu domínio consciente. O Eu seria o complexo primário e o gerador do conflito seria um complexo secundário que pode, não rara vezes, substituir temporariamente o Eu. Neste sentido, ele aponta para o fato de que um complexo forte pode possuir em si todas as características de uma personalidade separada do sujeito (JUNG, 1995).


Isso ocorre pelo fato de que os complexos possuem, de certa forma, uma personalidade menor que a do Eu. Quando não integramos esses complexos eles atuam na intenção de equilibrar uma postura unilateral do Eu. Um complexo não é bom ou ruim, ele apenas é algo. Ele não é um obstáculo ou empecilho na vida, na verdade ele pode ser um aliado do processo de desenvolvimento. Se pensarmos que eles surgem como desequilíbrio, nem bom nem ruim, apenas algo que desequilibra, logo nossa atenção irá verificar que a relação com ele nos promoverá o equilíbrio psíquico. Eles são da natureza da Psique e, portanto, a relação com eles é necessária para o desenvolvimento da totalidade humana (1995; 1990). A psique é composta de muitos centros, cada um deles possuidor de energia e até de alguma consciência e intenção próprias. Nessa conceituação da personalidade, o ego é um complexo entre muitos. Cada um tem a sua própria conta específica de energia. Quando falamos da energia do ego, chamamos-lhe “livre arbítrio”. Quando desejamos referir-nos ao montante de energia vinculada a um complexo, podemos falar do poder dos nossos demônios interiores. Estes são as compulsões irracionais que podem apossar-se de nós e fazer conosco mais ou menos o que quiserem. (STEIN, 2006, pg. 48)


Para Jung (1995), um complexo diz respeito a um aglomerado de associações de ordem psicológica que advém de um caráter altamente afetivo. Podemos dizer que eles são a imagem de determinada situação de forte carga emocional que marca a Psique em pontos específicos que são incompatíveis com uma atitude normal da consciência. O complexo, segundo Jung, chega a apresentar uma espécie de outro corpo, com determinada personalidade e um ego. Os complexos são “personalidades parciais ou fragmentárias” (JUNG, 2003, p. 68). Neste sentido, o ego é uma espécie de complexo formado por uma percepção do nosso corpo e pelos registros da nossa memória e, este fato, é o que o faz ser mais estável e rico em associações. Todavia, ao exemplificar uma situação de medo, Jung nos apresenta o que pode ocorrer na relação do Ego com esses outros complexos.


Devido ao medo, inúmeras sensações corporais se alteram, fazendo com que a maioria das sensações que fundamentam o eu normal também se alterem. Assim sendo, o eu normal perde a tonalidade de atenção (evidencia ou influência que inibe ou estimula novas associações, ou quaisquer outros sinônimos). O eu normal deve ceder às sensações mais fortes do novo complexo, embora, em geral, sem se sujeitar a elas totalmente, permanecendo num segundo plano como um afeto do eu. (JUNG, 1990, pg. 34).


Neste exemplo podemos perceber o quanto um complexo pode alterar as atitudes de um indivíduo. Aqui, podemos inferir, um complexo se apropria da personalidade – ou faz tornar-se uma nova personalidade – visando a preservação do Eu em comum acordo com ele. Todavia, o Eu pode muitas vezes, sentir essa intromissão como algo ruim. Podemos inferir, portanto, que atitudes, pensamentos, ações, sentimentos, em qualquer indivíduo, podem e muitas vezes são influenciados por complexos que “invadem” a personalidade do indivíduo fazendo-o agir como se fosse outra pessoa. É como se este complexo invasor retirasse o lugar de destaque do Eu e assumisse o controle com características pertencentes apenas a ele.
Dessa forma, o que não diz respeito ao complexo [que agora está no controle] é excluído e os demais interesses desaparecem no nada; surge uma atrofia temporária e um esvaziamento da personalidade. Somente o que se encontra associado ao complexo provoca afetos e é assimilado pela psique. O pensamento e a ação vão em direção ao complexo e tudo que não pode ser desviado para essa direção é desprezado ou feito com total superficialidade, indiferença ou descaso. [...]


Percebemos então como todas as energias psíquicas se dirigem para o complexo em detrimento dos demais materiais psíquicos, que permanecem inutilizados. Aparece um embotamento aperceptivo parcial acompanhado de um empobrecimento emocional de todos os estímulos que não estejam relacionados ao complexo. A própria tonalidade afetiva se torna inadequada: coisas insignificantes como fitinhas, flores secas, retratos, bilhetes, cabelos, etc., são objetos de maior atenção e cuidado, enquanto as questões vitais e importantes, conforme as circunstancias, são desprezadas com um sorriso ou total indiferença. (JUNG, 1990, pg. 40).


Como podemos ver, Jung dá às doenças mentais um caráter psicógeno. Todavia, ele não ignora o fato de que alterações fisiológicas possam gerar ou agravar esses processos. Ele apenas não aprofunda este caminho.


É isso que ele nos diz quando afirma que prova ... que todas as neuroses contêm complexos autônomos, cujo efeito perturbador faz com que as pessoas adoeçam. Entre as psicoses, revelou-se em primeiro lugar a dementia praecox [esquizofrenia] com uma doença tipicamente de complexo, ao menos em estágios iniciais. (JUNG, 1995, 609).


Neste sentido, na neurose ocorreria uma perda parcial do controle do Ego e nas psicoses uma perda total deste controle. Atualizando este conhecimento, inferimos que a diferença existente entre os transtornos é averiguada através da observação do controle do Ego sobre as atividades da Psique. Podemos ainda pensar na relação do complexo com os sintomas corporais. Atualmente há um grande avanço na Psicossomática e Jung pode nos oferecer algumas reflexões neste campo. De acordo com ele, o complexo pode provocar tais desequilíbrios somáticos.
Por esse caminhos, Gimenez (1994) aponta que a consciência corporal é apenas a percepção de uma parte do corpo total, do self corpóreo e, assim, conhecemos apenas uma parte dele e não sua totalidade. Essa parte conhecida do corpo vem à consciência sob a forma dos símbolos, e o desenvolvimento do ego, segundo ela, depende da capacidade de absorver estes símbolos e entrar cada vez mais em contato com o self através deles. Dessa forma, poderíamos pensar se algumas doenças físicas também trazem e expressam conteúdos inconscientes, algum conflito psíquico que o indivíduo precisa integrar. E nisso, estamos falando de complexo.


Nesta perspectiva, de acordo com Gimenez (1994), podemos pensar que doença expressa um conteúdo profundo da psique e que a diferença entre ela se manifestar no campo psicológico ou somático está na maneira patológica de expressar esse conteúdo. A autora coloca que enquanto alguns se expressam de uma maneira abstrata, outros manifestariam seus sintomas de uma forma mais concreta, corpórea.


Gimenez (1994) chama a atenção para o fato de que um paciente ao somatizar pode estar dando expressão a um conteúdo que ainda não foi convertido numa linguagem verbal, mas sim corporal. Através desta ideia, a pergunta a se fazer ainda está no campo da Psicologia Analítica, pois ainda há que se perguntar a serviço de que está o sintoma. Seria como se o paciente somático retirasse os sintomas orgânicos de algum sentimento conflitivo, de um complexo.


A linguagem corporal usada na doença, para Gimenez (1994), é mais primitiva, e remete à linguagem da infância, não verbal, uma linguagem arcaica onde o corpo fala. O sintoma, assim, é uma representação simbólica da ruptura Ego- Self, que pode ser corporal ou psíquica.


O símbolo é a expressão da percepção do fenômeno psique- corpo, feita através da percepção das alterações fisiológicas e das imagens referentes, sincronicamente. Um complexo tem sempre uma expressão simbólica corpórea, através da qual podemos ter a chave para a compreensão da doença. Neste caso, o símbolo aponta uma disfunção, um desvio que precisa ser corrigido, quando a relaçaõ Ego- Self fica alterada (GIMENEZ, 1994,p. 51).
É importante ainda ressaltar que a doença, como representação simbólica de algum complexo, tem uma expressão corpórea e psíquica de forma simultânea, sincrônica.


Segundo Winter (1997), sensações e percepções que estejam alheias à representações psíquicas, podem retornar ao corpo de maneira a sobrecarregá-lo. Para a autora, o momento de adoecer dá-se nessa ruptura entre o que se percebe como sensação ou tensão corporal e o respaldo psíquico que possa traçar o reconhecimento, ligar a sensação a algo nomeável reconhecido. (WINTER, 1997, p. 34).


Ou seja, no adoecer há uma falta de reconhecimento de determinadas vivências marcantes, há um vazio, uma falta de representação que dê voz ao complexo.


Winter (1997) afirma ainda que há uma impossibilidade de representar psiquicamente algumas perdas, como a de um ente querido, da saúde perfeita, de um membro, etc, podendo, daí, surgir uma desarticulação psico-soma. A doença, para ela, é um aglomerado de fatores.


Um desses fatores inclui toda a globalização subjetiva, que define a amplitude de estruturas psíquicas mais fragilizadas ou mais fortalecidas, no sentido do reconhecimento da própria identidade, com contornos definidos, com limites, de uma imagem corporal de acordo com esses mesmos limites (WINTER, 1997, p. 37).


Assim, Winter (1997) nos fala do paciente psicossomático, que têm uma estrutura psíquica relativamente frágil e que não suportam perdas, momentos conflitivos. Estes pacientes não colocariam seus conflitos e frustrações apenas na dinâmica psíquica, mas também no corpo. A doença é, segundo esta visão, um processo pelo qual o paciente não consegue relacionar algum afeto à linguagem, de forma que este fica solto no psiquismo e gera uma tensão interior, descarregada fisiologicamente. Seria uma ruptura no processo de simbolização.
Dessa forma, o complexo não se manifestaria somente no plano psíquico. Ele traria suas representações, simbolicamente falando, para o campo somático através de conexões fornecidas no decorrer do desenvolvimento do indivíduo. Isso explicaria porque em algumas pessoas sofrem com questões psicológicas e outras com questões somáticas, tendo todas componentes ligados a complexos que gerassem um conflito.
Já discorremos sobre o fato de Jung informar que um complexo gera interferências psíquicas e somáticas. Cabe ao profissional analisar e avaliar o quanto um e outro estão sendo afetados em maior grau.

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Colunista Portal - Saúde

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