Depressão: O Mal Nosso de Cada Dia

Depressão no dia a dia [compartilhandomeudia.blogspot.com]
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Psicologia

04/02/2013

Resumo

O ensaio trata do mal-estar que assola nossa sociedade que vive sob a “ditadura da felicidade” propagada pela mídia. Esse mal que ganhou status de doença é a depressão. Situações corriqueiras que podem gerar tristeza ou apatia devem ser evitadas a todo custo e, para isso, um forte aliado são os mais variados medicamentos. Mas, o que vem a ser a depressão? Qual a sua historicidade? É uma doença de ampla classificação? Como é vista pela Psiquiatria? Como é tratada pela Psicanálise? Qual a sua relação com o luto e a melancolia? Essas são questões que se pretende responder ao longo desse trabalho realizado a partir de pesquisa bibliográfica em periódicos eletrônicos e artigos científicos, que nem de longe intentam fechar a discussão sobre essa que designa tanto um estado de tristeza quanto um sintoma, uma síndrome, ou outras doenças.

Introdução

A pós-modernidade, acompanhada pela Globalização e pelo boom tecnológico, transformou-nos em excessivamente consumistas e acelerados. O consumo metamorfoseou tudo em mercadorias e, as 24 horas de um dia, em minutos que precisam ser vividos intensamente.

Somado à celeridade e ao consumo excessivo, a mídia vem propagando a “ditadura da felicidade” dizendo-nos, diuturnamente que consumindo esse ou aquele produto seremos felizes. Situações corriqueiras como a perda de um ente querido, a frustração diante de uma negativa, decepções com um amigo (a), a ansiedade e angústia diante da possibilidade de uma promoção no trabalho, enfim, sentimentos próprios da condição humana, têm sido rotulados como anomalias que precisam ser extirpadas de nosso corpo e ser a todo custo. O mal-estar ganhou status de doença.

Chamada de depressão, de acordo com o último relatório da Organização Mundial de Saúde – OMS, essa doença está em quarto lugar “entre as principais causas de ônus entre as doenças [...]. Se persistir a incidência da depressão até 2020 ela estará em segundo lugar. Em todo o mundo, somente a doença isquêmica cardíaca a suplantará” (GONÇALES, MACHADO, 2007, p.298).

Mas, o que vem a ser a depressão? Qual a sua historicidade? É uma doença de ampla classificação? Como é vista pela Psiquiatria? Como é tratada pela Psicanálise? Qual a sua relação com o luto e a melancolia? O trabalho que ora se apresenta pretende responder a tais questões a partir de pesquisa bibliográfica em periódicos eletrônicos e artigos científicos, que nem de longe intentam fechar a discussão sobre essa que designa tanto um estado de tristeza quanto um sintoma, uma síndrome, ou outras doenças.

Tema de várias pesquisas, notadamente no campo da Psiquiatria, a depressão, especificamente nos últimos 20 anos, tem sido levada ao grande público pela mídia, como um assunto médico psiquiátrico cujo diagnóstico é baseado em sintomas e/ou síndromes. Como sintoma, a depressão pode se apresentar em vários quadros clínicos como “transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc.” (DEL PORTO, 1999, p.6). Como síndrome, de acordo com Del Porto (1999), a depressão, além da tristeza, irritabilidade, apatia, enfim, transtornos do humor, inclui alterações cognitivas, psicomotoras, de sono e de apetite.
Como doença, a depressão apresenta várias classificações categoriais cujos constructos buscam as causas, que de acordo com Parker e Brotchie (2009), são suficientes “para orientar o tratamento do paciente individual”. Independente de suas categorias, a depressão é vista “como uma doença biológica, de origem preponderantemente hereditária e cujo principal tratamento seria a quimioterapia” (RODRIGUES, 2000). Tal doença, como já dito, tem seu diagnóstico realizado por um psiquiatra a partir da detecção de sintomas manifestos em termos de duração, frequência e intensidade conforme catalogado no Manual diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais – DSM – IV sob o título de Transtornos do humor e no Código Internacional de doenças (CID-10), sob o título de Transtornos afetivos. A observação e a consulta a um desses manuais determinará o que tem sido chamado de depressão ou “doenças depressivas”.

Não obstante aos manuais, Rodrigues (2000) citando Sonenreich (1991), nos chama a atenção sobre o fato de que as doenças são conceitos nosográficos necessários ao médico com o objetivo de orientar o tratamento, pois “enquanto o sofrimento é do doente [...] ‘a doença, conceito, sistema de avaliação, medicação é do médico’”. (SONENREICH, 1991, p.3 apud RODRIGUES, 2000, p. 2).

A designação “depressão” para a descrição do estado de desânimo e apatia, segundo Gonçales e Machado (2007) citando Salomon (2002) foi cunhada em 1660 e caiu no uso comum em meados do século XIX. Mas, antes do XIX, o tema depressão/melancolia foi objeto de reflexão de filósofos, médicos e poetas desde a Antiguidade Clássica.

Na Grécia, Hipócrates definia depressão como sendo melancolia e estava ligada à bile negra, já que a prática médica nessa cultura era estruturada na “teoria dos quatro humores, que considerava o temperamento como consequência dos quatro fluidos corporais: fleuma, bile amarela, sangue e bile negra”. (GONÇALES, MACHADO, 2007, p.299).

A ascensão do Cristianismo e o posterior declínio do Império Romano do Ocidente no século V alterou demasiadamente a visão da depressão e outras doenças mentais. A busca pela manutenção do poder clerical e a afirmação do Cristianismo, calcada na difusão do medo e da existência física do Diabo, estabeleceu uma relação entre as doenças mentais e a manifestação do mal. A medicina racional grega dava lugar às crenças e ao misticismo.

A depressão, ainda denominada melancolia, caracterizada por uma apatia e tristeza foi considerada como uma doença que levava ao afastamento de Deus, pois se o indivíduo estava triste, não estava embebido da alegria diante da certeza do amor e misericórdia divina. Com a instituição da Santa Inquisição em 1184, a melancolia foi considerada um pecado que não tinha redenção e, por esse motivo, muitos receberam pesadas multas ou foram feitos prisioneiros. O chamado período da Idade Moderna foi palco de várias mudanças no conceito da depressão. A depressão, do status de pecado e mal sem cura, chega a ser, inclusive, glamourizada nesse período. Durante o século XVI, a depressão/melancolia foi considerada, além de doença, uma marca de personalidade que indicava certa profundidade. Marsílio Ficino, na Itália, chegou a afirmar que todo gênio era, por excelência, um melancólico.

O advento do cartesianismo no final do século XVII, período em que a depressão foi associada ao ócio e à preguiça, provocou o reconhecimento da dicotomia entre corpo e mente. Isso mudaria a estrutura teórica sobre a depressão naquele momento. “A mente distinta do cérebro, apresenta dúvidas, interpretações duvidosas e inconsistências, mas não doença”. (GONÇALES, MACHADO, 2007, p.300).

O surgimento do Iluminismo no século XVIII, impulsionado pelo racionalismo cartesiano, classificará a melancolia/depressão como sendo uma loucura sem delírios, mas “caracterizada pela inércia, pelo desespero, por uma espécie de estupor morno”. (FOUCAULT, 20043 apud GONÇALES, MACHADO, 2007, p.300). A cura desse mal se dava por meio do trabalho duro, pois a melancolia, o desalento, a apatia eram vistos como um estado de relaxamento corporal do portador. Diante disso, não é difícil entender por que, ainda hoje, pessoas que estejam com esse mal-estar ou apresentando apatia têm vergonha de dizê-lo, já que isso ao longo da História foi associado à indolência e à preguiça; daí ouvirmos expressões como depressão é doença de quem não tem o que fazer, dá-lhe uma roça prá cuidar que a depressão se cura!

As ideias iluministas e o método cartesiano farão do século XIX um período profícuo para as ciências e, particularmente, para o campo das doenças mentais. Preocupado com a assistência prestada aos doentes internados em asilos e hospitais, Philippe Pinel publicou em 1801 um Tratado médico-filosófico da alienação mental ou mania onde classificou a loucura em quatro gêneros: mania, melancolia, demência e idiotismo.

Diferente de Pinel, Esquirol, seu discípulo, volta seus interesses para a clínica e proclama “que a psiquiatria deve ser entendida como uma medicina mental e deve buscar seu entendimento na anatomia cerebral e não nos metafísicos [...] ou nos moralistas”. (GONÇALES, MACHADO, 2007, p. 301). A exemplo de seu mestre, Esquirol classifica a melancolia em dois tipos: a lipemania e a monomania. Observa-se que a metodologia cartesiana exerceu, como ainda hoje, grande influência nos cientistas da época, pois é desse período grandes e importantes descobertas no campo da Biologia, da Física, da Química, Anatomia, Neurologia e da Bioquímica. Tais descobertas permitiram relacionar as doenças mentais com a fisiologia cerebral e redefinir o conceito de melancolia criando categorias e subcategorias para esse mal.

Essa reestruturação taxionômica e os avanços em ciências como a Neurologia e a Bioquímica propiciaram a medicalização da depressão. O capitalismo imperialista e monopolista consolida-se; a medicalização da depressão, de acordo com M. Foucault (2004) permitiria um maior controle social da massa dos desvalidos.

Os avanços científicos e tecnológicos do século XX possibilitaram à Psiquiatria, a partir de uma maior fundamentação teórica e metodológica, sua consolidação como “ramo da Medicina que lida com a prevenção, atendimento, diagnóstico, tratamento e reabilitação das doenças mentais, sejam eles de cunho orgânico ou funcional” (SANTOS, PEREIRA, 2007, p.5). Apesar do progresso nas ciências neurológicas e também na Psiquiatria, ainda não se conhece a causa da depressão. Argumenta-se que há vários fatores biológicos e psicológicos que contribuem para seu aparecimento. Em alguns pacientes a hereditariedade é um fator bem significativo. Com alguma frequência, a depressão se instala após uma situação de estresse ou conflito e persiste após o evento que a deflagrou.

Pesquisas apontam que a depressão tem como gatilho certa alteração na química cerebral, alteração de neurotransmissores, especificamente, a noradrenalina e a serotonina. Foi a descoberta dessas alterações que possibilitaram o
desenvolvimento de drogas medicamentosas específicas para o tratamento da depressão.

Na Psiquiatria encontramos o tema depressão com várias classificações e subclassificações. De acordo com Schulte e Tölle (1981), o diagnóstico de pacientes que apresentam variações de humor que e se caracterizam por alternâncias entre períodos de mania e de leve depressão é chamado de Ciclotimia e, essa denominação foi dada por Emil Kraepelin em 1883. No Manual de Psiquiatria de Spoerri (2000) encontramos a Ciclotimia sob a denominação de Psicose maníaco-depressiva. Tal transtorno, de acordo com o autor, apresenta-se com características de fases endógenas maníacas e depressivas (melancólicas); uma duração que pode variar entre 6 e 9 meses, alternando fases maníacas e depressivas, na forma bipolar, ou ainda com predomínio de fases maníacas ou depressivas na forma unipolar. Os intervalos entre as fases, segundo o autor, podem ser regulares ou não.

Esclarece-nos Spoerri (2000) que cerca de 0,6% da população é acometida por esse mal e que a predisposição hereditária é relativamente grande. O autor destaca ainda que em gêmeos univitelinos, avalia-se a concordância em 66 %. Adoecem 33 % dos filhos de pais (ambos) maníaco-depressivos; quando só um dos progenitores é maníaco-depressivo, adoecem 15 % dos filhos. A forma mais irregular é a que apresenta a maior penetrância hereditária. Ainda se ignora a causa embora seja de natureza orgânica, conforme indicam os distúrbios típicos dos sentimentos vitais ou corporais; exaltados na mania, abatidos na depressão (talvez se implique, decisivamente, o metabolismo das aminas biogênicas principalmente da noradrenalina e da serotonina). As fases quase sempre apresentam-se sem causa que se reconheça; às vezes, (raras) desencadeiam-se de forma psicorreativa, mais raramente, por doença somática. (SPOERRI, 2000, p. 106).

Outra categoria da depressão passível de notoriedade é a Distimia ou Depressão Crônica. Embora já tivesse sido identificada no século XIX por Kahlbaum, a distimia recebeu critérios oficiais de diagnóstico pela primeira vez na terceira edição do DSM – III, em 1980. Mesmo já classificada, esse subtipo de depressão, de acordo com Moreno, Cordás, Nard et al (2010) em virtude da complexidade sintomática e, por vezes, pela confusão entre ser efetivamente um quadro clínico passível de diagnóstico e tratamento ou um transtorno de personalidade é, ainda hoje, pouco identificada tanto pelo médico clínico quanto pelo psiquiatra. Esse pouco diagnóstico e o conseqüente não tratamento, segundo os autores, contribuem para sua cronificação e maior prejuízo funcional. Moreno, Cordás, Nard et al (2010), acreditam que a associação da Distimia com o “modo de ser” pessoal, provoca uma dificuldade do paciente em aceitar sua condição clínica provocando, portanto, demanda na clínica ou na psiquiatria.

De acordo com especialistas, diferente dos outros tipos de depressão, a Distimia ou depressão crônica não “derruba” o paciente. Ela é sutil e aparece sob a forma de um mau humor sem causa aparente. Segundo Ricardo Moreno4, a distimia apresenta “sintomas de intensidade mais leve se comparados com episódios depressivos, mas que atormentam a pessoa por dezenas de dias seguidos. Para Kalil Duailibi, apresentar sintomas da distimia é viver usando apenas 70% da energia vital, “a pessoa consegue trabalhar, mas é menos produtiva; consegue cumprir tarefas diárias, mas nunca está 100%” (on line).

A Distimia ou depressão Crônica apresenta, segundo Dráuzio Varella, moderada intensidade não se instalando de forma brusca e repentina. Pessoas que são acometidas por esse mal são, de acordo com Varella (on line), pessoas que não se relacionam com facilidade; possuem baixa autoestima e um elevado senso de autocrítica, sempre estão irritadas, reclamando de tudo e de todos e enxergando apenas o lado negativo das coisas.

A distimia apresenta vários sintomas, sendo o principal, a irritabilidade, os demais são: o mau humor; a baixa autoestima; desânimo e tristeza: pensamentos negativos; apetite e sono alterados; inapetência para agir; isolamento social e forte inclinação para uso de todos os tipos de drogas, lícitas ou ilícitas. De acordo com o médico, o dado mais importante durante o diagnóstico é considerar a manifestação dos sintomas acima relacionados por, pelo menos, dois anos consecutivos. Afirma ainda que diagnosticar a distimia ou depressão crônica precocemente e fazer o tratamento de maneira adequada é fundamental já que, de acordo com dados estatísticos, de 15 a 20% dos acometidos por esse transtorno tentam suicídio.

Feito o diagnóstico, o tratamento deve ser realizado com a associação de medicamentos antidepressivos e acompanhamento de um Psicólogo através da psicoterapia, uma vez que deverá e precisa reaprender comportamentos para estabelecer relações interpessoais saudáveis e novas possibilidades de reagir à diversificadas situações do cotidiano.

Concomitantemente aos estudos e surgimentos de novas ciências, o século XIX assistiu também ao nascimento da Psicanálise com Sigmund Freud que revolucionou de forma taxativa a visão do Homem por ele mesmo. Ao criar a Psicanálise e descobrir o Inconsciente, Freud desferiu um golpe que causou a quarta ferida narcísica no Homem: o que comanda o Ser não é sua consciência, mas seu Inconsciente.

Estando mais interessado em desbravar as possibilidades do Inconsciente, Freud, segundo Roudinesco (1998), renunciou à aproximação da Mania à depressão optando por revitalizar a antiga definição de Melancolia: “não é uma doença, mas um destino subjetivo”. Interrogando-se sobre a Melancolia, em 1895, enviou um manuscrito à Fliess, em que aproximava a Melancolia ao Luto, ponderando que a mesmo era como “um pesar por alguma coisa perdida” e que, portanto, a Melancolia era a forma patológica do Luto. Em 1917, publicou o texto Luto e Melancolia no qual reafirma que são encontrados os mesmos traços tanto no luto quanto na melancolia. Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de autoestima (sic) a ponto de encontrar expressão em auto recriminação e auto envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição. Esse quadro torna-se um pouco mais inteligível quando consideramos que, com uma única exceção, os mesmos traços são encontrados no luto. A perturbação da autoestima está ausente no luto; fora isso, porém, as características são as mesmas. O luto profundo, a reação à perda de alguém que se ama, encerra o mesmo estado de espírito penoso, a mesma perda de interesse pelo mundo externo na medida em que este não evoca esse alguém, a mesma perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor (o que significaria substituí-lo) e o mesmo afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele. É fácil constatar que essa inibição e circunscrição do ego é expressão de uma exclusiva devoção ao luto, devoção que nada deixa a outros propósitos ou a outros interesses. E, realmente, só porque sabemos explicá-la tão bem é que essa atitude não nos parece patológica. (FREUD, 1996, p. 250)

Na nosografia freudiana da depressão há uma diferenciação entre depressão periódica branda e melancolia propriamente dita. A diferença está na estrutura do funcionamento psíquico do sujeito, ou seja, é o discurso, muito mais que a manifestação dos sintomas da melancolia, o ponto nevrálgico dessa diferença. Se no luto efetivamente há a perda de um ente ou objeto amado, na melancolia não há clareza do que foi perdido. A perda do melancólico é de si mesmo.

O ego se torna vazio e pobre. É desprovido de valor e incapaz de qualquer realização. Desprezível moralmente, o melancólico apresenta diminuição de autoestima, auto recriminação, expectativa de punição e um alto grau de autocrítica declarando nunca ter sido bom. Segundo Gorog e Gorog (1990) citado por Rodrigues (2000), a auto recriminação é tanta que o melancólico não se queixa de seu sofrer, acredita que o merece e tampouco o faz em mania, quando se sente muito ‘bem’. Se o paciente não se dirige a ninguém, não estabelece transferência, o vínculo pela palavra torna-se precário, e é justamente o que se verifica acentuadamente na melancolia. (RODRIGUES, 2000, p. 10).

Na obra de Lacan, a depressão é entendida como a “dor de existir”. Considerando que a subjetivação se dá por meio da linguagem a dor de existir é a consequência vital de existir no império da linguagem, ou seja, para existir, o ser precisa alienar-se, tornar-se um assujeitado. Para Lacan, no inconsciente, a teoria linguística de Saussure é invertida, ou seja, o significante não se significa, sua definição é dependente dos outros elementos do conjunto. Por isso, o significante é marcado pela incompletude o que coloca o significado como inatingível e, é essa, a marca de todos os significantes, a ausência, a falta. Daí no processo de subjetivação, por causa da castração imposta pelo significante, o sujeito nasce barrado. O desejo se presentifica pela ausência. O significante que marca o ser como faltante e assujeitado à castração é o Nome-do-Pai, conceito onde a função simbólica se torna lei – proibição do incesto. Segundo Rodrigues (2000),

Na melancolia, o efeito da busca fundada na falta mostra-se deficiente, acentuando-se o puro efeito da perda, o gozo mortífero que aqui retorna no real. [De certa forma o espectro da morte paira sobre o sujeito] fazendo do melancólico o porta-voz, por assim dizer, da miséria universal da dor de existir diante do abandono do Outro, desse Outro do significante de onde nasce o sujeito para a vida e para o desejo, e de quem se está separado]. A perda desconhecida pelo paciente que desencadeia o quadro melancólico, diz respeito a uma perda que não pode ser simbolizada e que correspondente à forclusão no Nome-do-pai. (RODRIGUES, 2000, p. 14-15).

Pode-se traduzir o trecho acima afirmando que diante da impossibilidade de simbolizar a perda e elaborá-la por meio do luto, o melancólico fica sem defesa diante de aspectos mortificantes que são impostos pelo real.

Nesta perspectiva, embora muitos acreditem que a ação psicanalítica seja ineficiente em alguns casos de depressão, é a partir da linguagem,

Na obra lacaniana encontramos muitas vezes o termo ex-sistir. O existir tem sua origem etimológica na palavra latina "ex-sistere", que quer dizer "estar em pé, fora de". Isto é, poder observar o próprio ser como se estivesse fora dele. Assim, pode-se dizer que só o homem existe, porque somente ele é capaz de distanciar-se de si mesmo e de seus atos para examiná-los, criticá-los ou valorizá-los.

Lá onde o deprimido é esperado pela medicina, como vítima de um mal sobre o qual não teria responsabilidade alguma e sobre o qual não teria nada a dizer, é justamente dessa forma que o deprimido comparece afetado pela tristeza que cala, tomado pelo gozo silencioso. Ou seja, o que o tratamento médico deixa escapar e que vai de encontro à posição do deprimido é justamente o sujeito que não é convocado a falar. Esse é o melhor remédio que o psicanalista pode oferecer-lhe, a oferta da escuta que promove o bem dizer, que Lacan contrapõe à covardia moral da tristeza. Dizer bem não sobre qualquer coisa - embora seja promovido pela associação livre -, mas sobre o saber recalcado, o gozo proibido, que vai de encontro ao dever ético de orientar-se no inconsciente. (RODRIGUES, 2000, p. 14-15).

Concluindo essa discussão, acredita-se que as questões apresentadas inicialmente foram respondidas e retornando à ideia da “ditadura da felicidade”, uma reflexão de Jean Baudrillard é lembrada quando pontua que a sociedade atual rege-se pelo consumo e pela abundância e, nessa relação consumista, o consumo da medicina, uma vez que tudo é mercadoria, visa a nos tornar máquinas, pois a condição humana de sofrer, de buscar, de desejar, de movimentar-se, tem sido substituída por promessas de felicidade ad aeterno, basta engolirmos pílulas que o mal-estar será aliviado ao preço módico da inabilidade e imaturidade diante da vida e da adversidade que a caracteriza. Referências

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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Solange Faria Prado

por Solange Faria Prado

Possui graduação em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte, atual Centro Universitário de Belo Horizonte (1992) e, atualmente cursa Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo, é mestre em Educação pela Universidade Vale do Rio Verde (2005) . Tem experiência em docência (Ensino Fundamental, Médio, Superior: Graduação e Pós-Graduação), pesquisa e orienta

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