Estudo da Relação Ansiedade e Performance

No contexto esportivo a competição é uma situação estressante
No contexto esportivo a competição é uma situação estressante

Psicologia

03/01/2013

Qualquer pessoa pode observar a intensa pressão que é suportada tanto pelo atleta como pelo treinador, que normalmente, após uma competição, justifica qualquer resultado não esperado por "razões" psicológicas (LEÇA-VEIGA, 1999).


Desde o início dos anos 70 surgiram numerosos estudos a mostrarem, cada vez mais, a influência de fatores psicológicos na prestação do esporte, como as questões afetivas e emocionais, de concentração, de motivação, de capacidade de organização perceptiva ou de regulação psicomotora (LEÇA-VEIGA, 1999).


Inicialmente, os modelos de investigação centravam-se, na identificação da personalidade do atleta. Nas últimas décadas esses modelos tendem, cada vez mais, a considerar a interação entre a personalidade e o meio envolvente (LEÇA-VEIGA, 1999).


As manifestações ou os estados emocionais têm-se revelado como fatores importantes na prestação do esporte.


Martens (1977) apresenta o conceito de "traço de ansiedade em competição" como representante das diferenças individuais na percepção da competição, enquanto considerada como uma ameaça, e salienta ainda a diferença entre o "traço geral de ansiedade" e o "traço de ansiedade para situações específicas".


Ansiedade é definida como uma reação do indivíduo diante de uma situação estressante, geralmente entendida como ameaçadora. Por isso, estados ansiogênicos tendem a interferir na conduta do indivíduo de um modo geral e no desempenho de suas atividades. No contexto esportivo a competição é uma situação estressante que exige do atleta um estado emocional que facilite o seu desempenho (PARTIF, JONES, HARDY, 1990).


Orlick e Botteril (1975) afirmavam que a preocupação com a competição e o fato do atleta ser avaliado pode influir negativamente e provocar o abandono ou a participação reduzida.


Contudo, alguns atletas (Gould et al. 1983) relatam que as suas preocupações com a competição não afetam a sua "performance" e alguns sentem que a sua prestação desportiva é melhor quando se sentem ansiosos. As consequências das manifestações de ansiedade em competição dependem, por certo, da frequência, da duração e da intensidade com que elas se apresentam.

Landers (1982) estudou a ansiedade associada à atenção e sugere que a atenção associada a um baixo limiar de ansiedade (a palavra é utilizada com o significado de "sensação de alerta") não é capaz de identificar estímulos relevantes, e considera que uma ansiedade moderada aumenta a seletividade perceptiva, eliminando dados irrelevantes para a tarefa. O mesmo autor afirma, também, que cada modalidade esportiva tem características e exigências próprias, que, para além dos aspectos físicos, técnicos e táticos, exigem determinadas características psicológicas.


A identificação das relações entre critérios de sucesso esportivo e as características psicológicas do atleta são, hoje, uma das maiores preocupações de treinadores e psicólogos do esporte. É raro um indivíduo não ser emocionalmente envolvido em qualquer tarefa que desempenhe.


Vários estudos na área da Psicologia do esporte vêm procurando identificar que níveis e tipos de ansiedades podem ser relacionadas ao bom desempenho do atleta. Em 1990, Martens e colaboradores validaram o Competitive State Anxiety Inventory (CSAI-2), um inventário específico para mensurar a ansiedade competitiva em esportes (LANE, 2006).


Esse instrumento originou-se de uma perspectiva teórica sobre a ansiedade competitiva: Teoria Multidimensional da Ansiedade Competitiva. Essa teoria integrava, inicialmente, duas dimensões da ansiedade competitiva: a ansiedade cognitiva e a ansiedade somática. A ansiedade cognitiva diz respeito às expectativas negativas, por parte do atleta, acerca de seu desempenho, enquanto a ansiedade somática se refere aos aspectos fisiológico da experiência de sentir-se ansioso, os quais provocam diretamente alteração da função autonômica (aumento da frequência cardíaca, sudorese, dilatação da pupila, etc.) (FERNANDES, NUNES, 2009).


Na formulação do CSAI-2, os autores encontraram uma terceira variável psicológica, a autoconfiança, que demonstrou ser um importante instrumento do desempenho e inversamente correlacionada com as duas outras variáveis: a ansiedade cognitiva e a ansiedade somática. Dessa forma, essa terceira variável foi incorporada no modelo oferecido pela Teoria Multidimensional da Ansiedade e incluída ao CSAI-2 como uma terceira variável (FERNANDES, NUNES, 2009).


Diversos estudos foram publicados nos últimos anos sobre a relação entre ansiedade competitiva e desempenho utilizando o CSAI-2. Várias modalidades esportivas foram estudadas, como por exemplo, os esportes de combate (TERRY, 1995; LANE, 2006).
Numa revisão de literatura específica Finkenberg (1992) e colaboradores conduziram um estudo nos EUA, que teve como objetivo verificar o efeito da ansiedade competitiva no desempenho de atletas de Taekwondo.

Outro estudo objetivou analisar a capacidade preditiva da ansiedade pré-competitiva com relação ao desempenho de atletas em competições de karatê e, um terceiro estudo, buscou comparar as médias de escores de ansiedade, obtido com o CSAI-2 entre grupos de perdedores e ganhadores que competiam num campeonato de Taekwondo (DANCEY, REIDY, 1999; SPIELBERGER, 1972).


Finkeberg (1992) e colaboradores, numa competição de TaeKwondo, além de investigar a correlação entre ansiedade competitiva e desempenho dos competidores, também investigou os efeitos de outras variáveis que não fazem parte do CSAI-2: gênero, anos de treino e faixa.


Os resultados desse estudo não demonstraram correlação significativa entre ansiedade competitiva e desempenho em Taekwondo, mas as variáveis relacionadas à experiência do atleta como os anos de treinamento, os anos de competição e a faixa demonstram correlação significativa com desempenho. Além disso, atletas jovens demonstraram escores significativamente mais baixos de ansiedade competitiva em comparação com atletas mais velhos (DANCEY, REIDY, 1999; SPIELBERGER, 1972).


Em julho de 2006, um periódico de elevado impacto científico internacional “Journal of Sports Science and Medicine”, lançou um número especial somente de estudos com esportes de combate. Levantando a questão da importância de estudos com esses tipos de esporte, os quais, a condição de enfrentar um oponente, independendo a modalidade, exige um vigoroso contato corporal, exigindo do atleta ou praticante uma exigência emocional com relação à superação de um grande desafio. Essa característica singular dos esportes de combate faz dessas modalidades esportivas um ambiente rico para diversos estudos (KAIS, 2004).


Além da teoria Multidimensional da Ansiedade Competitiva, com base tanto da ansiedade somática como a cognitiva afetam a performance do esportista, outras teorias têm sido propostas para explicar a relação entre a ansiedade e a performance também, como: a Teoria “Drive”, a Hipótese do “U Invertido”, a Teoria de “IZOF”, a Teoria da “Catástrofe”, Teoria da “Inversão” e a Teoria do “Traço e Estado de Ansiedade” (LEÇA-VEIGA, 1999).


Quase todas essas teorias utilizaram na construção dos seus modelos interpretativos um conceito importante designado por “arousal”, que é uma noção fundamental na compreensão da relação entre a ansiedade e a performance. O “arousal” traduz-se pela ativação do organismo, o que para alguns autores é, também, designado como “síndrome de ativação geral”, que ocorre quando o indivíduo tem que responder a determinada situação (LEÇA-VEIGA, 1999).

Estudos numerosos têm comprovado a hipótese do “U Invertido”, que defende que o aumento do “arousal” corresponde a uma focagem da atenção, que gradualmente aumenta até um nível ótimo, correspondente à melhor performance, para, depois que ultrapassar esse nível começar a causar deterioramento da performance por atenção. Desse modo, os estímulos relevantes falham para a tarefa (LEÇA-VEIGA, 1999).

Nideffer (1976) verificou que a atenção estava relacionada com o nível de ansiedade e considerou que o aumento dela e do “arousal” limita a capacidade de passar de um estilo de atenção para outro e é diretamente responsável pela direção da atenção. Smith (1983) considera ainda que as diferenças individuais podem ser decisivas na maneira como o “arousal” influencia os estilos de atenção.


Albernethy (1993) considera que um grande número de fatores pode influenciar o estado de ativação (“arousal”) ótimo, como a natureza, duração e complexidade da tarefa, a motivação e as características pessoais do atleta. Esportes que requerem precisão e recrutamento de “skills” especiais evidenciam melhores desempenhos quando sob baixos níveis de “arousal”, enquanto atividades que requerem o recrutamento simultâneo de toda a massa muscular necessitam de um nível de “arousal” elevado para que a performance seja boa. Este autor considera, também, que as diferenças individuais no traço de ansiedade também são conhecidas por influenciarem o nível de “arousal” ótimo para a performance.


Qualquer novo estímulo é gerador de uma reação de alarme e de adaptação (que se manifesta por um aumento de arousal). A ativação é inerente ao “arousal” e dependendo da sua intensidade, vai afetar a atenção por meio de ordens emanadas do sistema vegetativo aos vários receptores aferentes que canalizam as informações para os centros de processamento perceptivo e associativo.


Se a resposta é compatível, o sistema continua equilibrado, se a resposta não é compatível ou existem várias alternativas, gera-se uma “síndrome de alarme”, que provoca um aumento da ansiedade e, consequentemente, do nível de “arousal”, fato que pode causar rupturas no sistema, em detrimento do papel da atenção que por sua vez, pode fornecer dados aferentes irrelevantes para o processamento da informação, dificultar o trabalho mental de percepção e o tratamento da informação, o que, em última análise, pode resultar na incapacidade de programar uma resposta correta (LEÇA-VEIGA, 1999).



Referindo-se às teorias que utilizam o conceito de “arousal”, Hokey (1986), afirma existirem muitas inconsistências pelo fato da impossibilidade de identificar os efeitos dos agentes que provocam ansiedade e, subsequentemente, ativação geral, independentemente dos efeitos na performance. Refere-se, como exemplo, o álcool, que, embora considerado como um depressor pode atuar como um estimulante quando ingerido em pequenas doses.


Torna-se claro que os diferentes tipos de ativação devem ser equacionados de acordo com os requisitos da tarefa e do enquadramento. Também diversas formas de abordagem podem ser equacionadas, para medir a ansiedade, considerando que as diversas manifestações podem traduzir-se por meio de: respostas fisiológicas do organismo, comportamentos observáveis do indivíduo e detecção das situações que o indivíduo considera psicologicamente perturbadoras, por meio de processos de auto avaliação. Nesta conformidade as duas principais formas de abordagem da avaliação da ansiedade podem ser feitas por meio das ciências biomédicas e das ciências do comportamento (LEÇA-VEIGA, 1999).


Hoje, cada vez mais, as perspectivas de desenvolvimento apontam para abordagens multidimensionais. Gould e Krane (1992) sugerem que as investigações devem fazer uma avaliação paralela da ansiedade somática e cognitiva em vários momentos diferentes.


Ivancevich e Matteson (1988) sugerem “Métodos de Triangulação”, designação usada na navegação e que consiste em localizar a posição exata de um ponto a partir de referências diferentes. Aplicado à investigação da ansiedade, implica a utilização de indicadores fisiológicos, comportamentais e cognitivos ou ainda a utilização simultânea de dois instrumentos de avaliação diferentes para avaliar a mesma variável.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


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