O conceito de cultura política?

Educação e Pedagogia

18/06/2017

Onde estão os Grupos de Onze?

Dissertação escolhida: BALDISSERA, Marli de Almeida. Onde estão os Grupos de Onze? Os Comandos Nacionalistas na Região Alto Uruguai/RS. Marli de Almeida Baldissera – 2003. Dissertação de Mestrado na área de História Regional, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em História. Março de 2003.

Orientadora: Professora Doutora Ana Luiza Setti Reckziegel

Universidade de Passo Fundo – Mestrado em História

Breve currículo da autora: Marli de Almeida possui graduação em licenciatura em História pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Erechim (1982), Pós-Graduação em História pela Universidade de Passo Fundo e Mestrado em História área de História Regional pela Universidade de Passo Fundo (2003). Foi professor titular da Universidade Integrada do Alto Uruguai e das Missões Erechim e professor nos cursos de História e Pedagogia e professora Estadual nas séries iniciais – alfabetização – na educação básica, níveis fundamental e médio, disciplinas de História e Geografia. Atualmente atuando no Colégio Marista Ipanema, professora de educação básica, disciplina de História. Doutoranda no PPGH da Universidade de Passo Fundo. Atua nos seguintes temas: anticomunismo reforma de base, reforma agrária, Grupos de Onze, História Local, práticas de ensino e História da Educação. (Texto informado pela autora. Última atualização 09/05/2015). Informações obtidas junto ao CNPq – Currículo Lattes.

 

Palavras chaves: Grupos de Onze – Reforma Agrária – Reformas de Bases – Imaginário – Comunista – Imprensa

 

A pesquisa aborda a formação dos Grupos de Onze no Alto Uruguai/RS, região da cidade de Erechim e arredores no período de 1963/1964. Na realização deste trabalho de pesquisa optou a autora por dividi-lo em quatro capítulos. No primeiro aborda o panorama nacional e estadual, onde analisa através da revisão bibliográfica o contexto político, social e econômico, que fomentaram a formação dos Grupos de Onze. No segundo capítulo, privilegia-se a formação dos Grupos de Onze, sendo utilizadas como fontes de pesquisa a imprensa, depoimentos orais e os processos do SOPS (Supervisão de Ordem Política e Social), também fala do imaginário militar sobre os Grupos de Onze, sendo utilizadas obras que trazem depoimentos de militares e obras escritas pelos próprios militares. No terceiro contempla a visão da imprensa sobre os Grupos de Onze, sendo objeto de pesquisa jornais de circulação estadual e regional e revista de circulação nacional. No quarto capítulo detém-se na perseguição desfechada aos membros dos Grupos de Onze pelo regime militar. Como fonte utilizou Inquéritos Policiais Militares do SOPS, que se encontram no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, obras bibliográficas, a imprensa da época e os depoimentos orais dos envolvidos na formação dos Grupos de Onze que formam possíveis ter acesso.

Antes de analisar os aspectos metodológicos utilizados pela autora em sua pesquisa, farei um breve resumo de sua dissertação, quanto à origem e formação dos Grupos de Onze:

 

Breve Resumo: Os Grupos de Onze foram criados pelo Deputado Federal pelo Estado da Guanabara Leonel de Moura Brizola, gaúcho que já havia sido Prefeito de Porto Alegre e Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Os grupos tomam forma em outubro de 1963, com objetivo específico. “Para Brizola os Grupos de Onze deveriam ser grupos de pressão sobre o Presidente, sobre o Congresso e sobre a sociedade em geral para a realização das Reformas de Base.” (P. 57).

 

Onde estão os Grupos de Onze?

Mas até chegarmos à formação dos grupos temos que analisar o contexto político do Brasil e do Rio Grande do Sul, quando da renúncia de Jânio Quadros até o período após o golpe militar. No início dos anos de 1960, o Brasil enfrentava problemas internos nas áreas políticas e econômicas. A renúncia de Jânio Quadros e a recusa da posse do Vice-Presidente João Goulart, que se encontrava em visita oficial na China comunista, pelos Ministros Militares, gera uma grave crise política. O Governador do Rio Grande do Sul Leonel de Moura Brizola se insurge contra a recusa da posse, e, lidera um movimento em defesa da Constituição, que vem chamar-se Movimento da Legalidade.

João Goulart e Leonel Brizola eram os herdeiros do PTB de Vargas e Pasqualini, partido que defendia um desenvolvimento capitalista autônomo e nacionalista. No Rio Grande do Sul, estado natal de Getúlio Vargas, o PTB foi mais representativo, estruturou-se melhor como partido, sendo diferente da linha nacional, adquirindo singularidades regionais. Assim no Rio Grande do Sul o programa do PTB, baseado na doutrina de Pasqualini, passa a pregar a justiça social, com ideias do pensamento socialista democrático, sem ser, no entanto, socialista, pois não prega a extinção da propriedade privada, e, sim que ela se torne acessível a toda a população.

Seguindo os ideais do PTB, Leonel Brizola inicia sua trajetória política, em 1947 elege-se Deputado Estadual pelo PTB, em 1955 torna-se Prefeito de Porto Alegre e em 1958 Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Quando no governo do Estado Brizola, um ferrenho discípulo de Vargas nas questões da administração pública valorizou vários setores que receberam grande atenção, em especial a educação, com a construção de mais de seis mil escolas, com a criação de seiscentos e oitenta mil novas matrículas e com a contratação de mais de quarenta e dois mil professores. Também teve atenção especial no governo de Brizola a reforma agrária, pois o mesmo a considerava uma questão de justiça social. Apoiou o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER), também os acampamentos como a Fazenda Sarandi e na Região do Banhado do Colégio decretando a desapropriação dessas áreas, declarando-as de interesse social, distribuído entre os agricultores. Mas se deve observar, que apesar dessas medidas Brizola não era contra a propriedade privada.

Ainda com relação a Brizola, dois episódios vão projetá-lo nacionalmente, o primeiro da Legalidade em 1961 e o segundo o da encampação de subsidiárias de empresas estrangeiras no Rio Grande do Sul no ano de 1962. Quanto ao primeiro episódio o da Legalidade, inicia-se em 25 de agosto de 1961 com a renúncia de Jânio quadros, que enfrentava problemas com o Congresso, as famosas “forças ocultas”. Os Ministros Militares “mobilizaram-se para evitar a posse do Vice-Presidente, o qual era herdeiro político de Getúlio de Vargas e considerado perigoso devido à sua atuação junto aos sindicatos e a capacidade de mobilização das massas populares. Contudo, isso vai gerar reações até mesmo dentro do Congresso, que pretendia respeitar a Constituição”. (P. 38). Surgem em várias regiões movimentos para garantir a posse, sendo o mais importante no Rio Grande do Sul, liderado pelo Governador Leonel de Moura Brizola. O Governador detinha um grande crédito com a população, em razão de sua atuação e a conclamava para defender o regime constitucional e a posse de João Goulart. “O movimento, além do forte apoio popular, consegue adesões de outros Estados, graças a Rede da Legalidade, comandada por Brizola, que passa a transmitir programas radiofônicos a todo pais, chamando à resistência e a defesa da Constituição. O comandante do III Exército, sediado no Rio Grande do Sul, Machado Lopes, adere ao movimento da Legalidade e declara sua disposição de ir à luta para garantir a posse do Presidente.” (P. 38). Houve a vitória do Movimento da Legalidade, mas João Goulart assume no regime parlamentarista, apesar de não atingir seu objetivo pleno, pois Brizola foi contra o parlamentarismo, o Movimento da Legalidade mostrou a força do povo organizado e projetou Brizola nacionalmente. “O episódio contribui para dar às esquerdas e ao próprio Brizola uma impressão falsa de poder. Essa avaliação equivocada vai contribuir para uma superestimação da força das esquerdas e da mobilização popular, nos momentos que antecedem o golpe militar.” (P. 39).

Outro episódio que contribuiu para o reconhecimento de Brizola foram às encampações, pois o mesmo desapropriou sem indenização a Companhia Telefônica de Porto Alegre, subsidiária da ITT norte-americana, desapropriou também, a AMORF ligada a Ligth. Essas desapropriações levaram o governo norte-americano a criar uma emenda no Congresso, em que proibia empréstimos e outras formas de ajuda a governos expropriadores. As empresas foram indenizadas pelo Governo Federal, mas em consequência aumentou a desconfiança americana em “relação ao Brasil e o seu governo populista/trabalhista, e dos militares e burgueses em relação a Brizola, que acusam ser líder comunista.” (P. 40).

Em 1962, Brizola torna-se Deputado Federal pelo Estado da Guanabara, onde continua sua luta pelas Reformas de Base e contra o imperialismo. As Reformas de Base eram o alicerce das propostas reformistas do governo João Goulart, que não tinham apoio das camadas conservadoras e seus representantes políticos. “As reformas, se implantadas, promoveriam uma melhor distribuição de renda, pois abrangiam diversas áreas entre elas, o mais inquietante dos problemas: A reforma agrária não pode mais ser protelada. Há sintomas de impaciência popular (...) o homem do campo precisa de assistência técnica e financeira para torná-la produtiva. Devemos ir ao encontro das legitimas aspirações das populações rurais, ajudando-as a se libertarem das condições de extrema penúria que vivem.” (P. 42). Muitos setores da sociedade se unem em organizações suprapartidárias pela luta das Reformas de Base, e, cobravam uma ação mais incisiva do Presidente, mas esse era impedido em razão do parlamentarismo. Em janeiro de 1963 realiza-se o plebiscito, onde vence o presidencialismo. João Goulart volta a ser o Presidente da República com amplos poderes, mas a crise instalada faz o governo a tomar medidas impopulares. Então João Goulart volta-se com maior ênfase às Reformas de Base, centralizando na reforma agrária o foco de sua campanha reformista. “A proposta de reforma agrária pelo Presidente Goulart nada tinha de ousado, nem de radical, não possuía relação com o socialismo ou comunismo como seus adversários o acusavam. Fazer o Brasil retomar o crescimento econômico e minorar as tensões sociais eram os objetivos de Goulart.” (P. 46). Mas as classes conservadoras não estavam dispostas a esperar para ver o que iria acontecer. A reforma agrária era contestada por proprietários rurais e seus setores políticos e de setores da Igreja Católica. Grande parte da oposição estava ligada a UDN (União Democrática Nacional). “Ferrenhamente conservadores, os setores udenistas se posicionaram radicalmente contra as Reformas de Base, especialmente contra a reforma agrária, invocando contra o “comunismo que estava invadido o Brasil” os lemas “Deus, Pátria e Família” ou “Família com Deus pela Liberdade”.” (P. 47). O governo Goulart tenta uma política conciliatória entre esquerda e direita, mas não tem o apoio de Brizola, fiel defensor no congresso das Reformas de Base. Com a intenção de pressionar pelas Reformas de Base, Brizola lidera a formação da Frente de Mobilização Popular (FMP), um movimento nacionalista que congregava representantes da CGT, UNE, FPN, UBES e PUA. “Com a FMP, Brizola torna-se uma figura central para o petebismo, sendo líder mais proeminente da esquerda radical. Promovendo uma campanha nacional pelas Reformas de Base. A FMP adquiriu à Rádio Mayrink Veiga, na Guanabara na qual Brizola fazia pregações todas as noites. A Mayrink Veiga se somavam várias outras estações que cobriam quase todo pais.” (P. 49).  Também é criado pela FMP um semanário chamado “Panfleto”. Brizola também consegue cooptar para sua luta setores da baixa oficialidade do Exército, em especial a Associação dos Sargentos.  “A criação dos Grupos de Onze ocorre no final de 1963, fato que se insere nessa política de pressão sobre o governo Goulart por uma atitude concreta de realização das reformas, finalmente agradando às esquerdas que o elegeram e garantiram o exercício da Presidência e sobre o Congresso Nacional, pela realização das Reformas de Base.” (P. 51).

Com a criação dos Grupos de Onze, Brizola pretendia gerar pressão sobre o presidente, sobre o congresso e sobre a sociedade, buscando a realização das Reformas de Bases.

A partir de outubro de 1963, Brizola inicia o chamamento para a formação dos Grupos de Onze, através de seus pronunciamentos pela Rádio Mayrinck Veiga. Nos discursos conclamava o povo “a organizar-se em grupos como equipes de futebol e os “11 jogadores” seriam os “tijolos” para “construir o nosso edifício”.” (P. 61). Em novembro de 1963 é divulgada a cartilha, composta de dez páginas, que davam as diretrizes gerais para a estruturação dos Comandos Nacionalistas, que após a constituição dos grupos deveriam enviar a ata de formação e a lista com os nomes dos integrantes para a Rádio Mayrinck Veiga, na Guanabara. Em seus discursos Brizola utilizava-se de uma linguagem simples de fácil entendimento pelo povo. Esses grupos não tinham lideranças locais preparadas, a mesma era de iniciativa de cada um. A números divergentes quanto a quantidade de grupos que foram criados, alguns afirmam ser de 30 a 40 mil, outros de que seriam entre 60 e 70 mil e ainda de 24 mil.

Esses grupos não possuíam postura agressiva de deflagrar uma guerra revolucionária, mas sim defensiva e que teria por objetivo cobrar as Reformas de Base na forma de pressão.

Mas a formação desses grupos deu as forças conservadoras os fatos sobre a ameaça do incremento a campanha anticomunista. “Foram alvos de constantes denúncias na imprensa que afirmavam que pela formação desses grupos e pela liderança de Brizola a guerra revolucionária estava em curso no Brasil.” (P. 65).

Observa-se que o meio radiofônico foi o meio utilizado para a divulgação das propostas de Brizola que já havia utilizado quando do episódio da Legalidade. Com isso angariou um grande número de pessoas, que acompanhavam sua pregação pelas Reformas de Base. “Esses grupos, formados abertamente e amplamente divulgados pelo rádio e pela imprensa, suscitaram as mais diversas reações; para uns, autênticas células comunistas, grupos revolucionários que estariam prontos para instalar o comunismo no país; para outros, grupos nacionalistas para defesa da pátria e para a realização das Reformas de Base; para outros ainda uma forma de receber terras, tratores, sementes e ajuda do governo.” (P. 150).  

Neste aspecto a autora trabalha com reportagens de jornais da época e pela revista O Cruzeiro, que em sua grande maioria era contra os Grupos de Onze, e, os considerava uma ameaça para a democracia, que eram forças comunistas que estavam em formação no Brasil. “Apesar de terem se revelado inofensivos, no imaginário dos grupos conservadores esses grupos eram a própria expressão do comunismo, acelerando a conspiração direitista para a deposição de João Goulart, que já estava em marcha. O anticomunismo foi propagandeado e as representações anticomunistas divulgadas sucessivamente durante o governo João Goulart.” (P. 73).

Outro objetivo dos Grupos de Onze, defendido pela autora, era referente à pressão que deveriam exercer junto ao Governo Federal e ao Congresso para a realização das Reformas de Base, uma vez que, um dos argumentos mais utilizados para o convencimento das pessoas para participarem dos grupos relacionava-se a distribuição de terras, a ajuda do governo para a agricultura.

É nesse contexto que a grande maioria dos participantes formadores dos Grupos de Onze na região do Alto Uruguai/RS, foco da pesquisa deste trabalho, se enquadra. Esses grupos estudados eram constituídos em sua quase totalidade por agricultores de pequenas vilas e cidades dessa região, que como pode ser observado durante a pesquisa, através dos depoimentos orais, revelam-se sem nenhum conhecimento da situação política do país. Apenas alguns líderes de grupo que exerciam alguma atividade política na zona urbana tinham algum conhecimento. Mostrou ainda, que listas em sua maioria era assinada por agricultores, visto que apoiavam a reforma agrária que era amplamente divulgada por Brizola, e essa divulgação através dos discursos que vinham via radiofônica, mobilizou o meio rural da região, constituído de pequenos proprietários e agregados. “A maioria dos que assinaram as listas o fizeram porque alguém de confiança, com certa projeção na localidade, solicitou e, mesmo os que organizaram as listas tinham a ideia de que estariam ajudando a realizar a reforma agrária, o que era do seu interesse.” (P. 154).

Nessa região era alto o índice de analfabetos, em razão disso a grande maioria não lia jornais, e em razão de terem na figura de Brizola um líder e estavam dispostos a atender seu chamamento assinando as listas dos grupos. Essas pessoas não tinham conhecimento do comunismo e de uma possível guerra revolucionária. A grande maioria sequer tinha conhecimento da Revolução Cubana. Eram em sua maioria católicos praticantes, não tendo consciência de que estavam sendo acusados de comunistas, o que a maioria entendia ir contra os preceitos da Igreja. Mas muitos após ouvirem no rádio os pronunciamentos de Brizola saiam à rua e iam a casas de amigos e conhecidos no meio rural, para que esses assinassem as listas, pois teriam a reforma agrária e ajuda do governo.

Antes do golpe militar de 1964, havia um forte sentimento no imaginário militar e das classes conservadoras, que esses grupos eram autênticos grupos de guerrilhas, e, neste aspecto a imprensa teve um papel fundamental, pois vários jornais e revistas tratavam esses grupos como subversivos. Jornais como Diário de Notícias, O Estado de São Paulo, Correio do Povo, Zero Hora, Ultima Hora em nível estadual e O Nacional e a Voz da Serra que eram regionais. Estes jornais com exceção do jornal Última Hora que era pró Brizola, trabalharam muito para classificar os Grupos de Onze como comunistas revolucionários. “Podemos dizer que acontecimentos, mas, pelo acompanhamento e análise das notícias, verifica-se que seu papel foi muito, além disso, tendo influenciado de forma significativa a criação de um imaginário de grupos – comunistas – pois assim eles foram noticiados – e também - o processo que se seguiu após o golpe militar, de grande perseguição aos seus membros.” (P. 91).  No período que antecedeu ao golpe militar, qualquer discussão era coloca nos termos democracia versus comunismo. “Os Grupos de Onze tomavam uma repercussão assustadora para as classes conservadoras. Páginas e páginas dos principais jornais do país eram ocupadas visando à conscientização de seus leitores a respeito do perigo iminente de comunização que os grupos representavam.” (P. 107).

 

Logo após o golpe militar começam as perseguições aos Grupos de Onze, que são referendadas e até cobradas pela imprensa. Buscavam provas para demonstrar ao público que efetivamente havia um processo de implantar o comunismo no Brasil, e, ao mesmo tempo apoiava a nova ordem instaurada.

Para os militares os Grupos de Onze eram o braço armado do movimento, tanto antes, quanto após o golpe, por isso a perseguição aos membros dos grupos foi intensa. De posse das listas apreendidas na sede da Rádio Mayrink Veiga na Guanabara iniciam-se as prisões.

No Rio Grande do Sul são criados dez destacamentos volantes da Brigada Militar do Estado, para manter a ordem. Para a região de Erechim vai um destacamento com aproximadamente cem homens, sob o comando do Coronel Gonçalino de Carvalho, com o objetivo de desbaratar os Grupos de Onze, atuando ativamente na região, prendendo todos os que fossem de alguma forma, envolvidos em sua formação. Os participantes dos grupos foram enquadrados no Art. 24 da Lei de Segurança Nacional. Os membros dos grupos tiveram que responder a Inquérito Policial, as prisões em alguns casos vinham acompanhados de um grande aparato militar. Nesta fase do trabalho realizado pela autora a pesquisa oral é de suma importância. “Assim vários são os depoimentos que relatam a mesma história: assinaram porque Brizola assim dizia e que seria para pressão às Reformas de Base.” (P. 130). Para os formadores dos grupos era a luta pelas Reformas de Base, dentro dos princípios democráticos e cristãos, mas para a polícia eram grupos para militares. “Os grupos eram considerados mais perigosos que os núcleos do próprio partido comunista, apesar de ter sido o anticomunismo o principal fator desencadeador do golpe militar de 1964. O perigo imediato era representado por Brizola e os “famigerados e perigosos” Grupos de Onze, por isso toda a repressão recaiu sobre eles.” (P. 142).

A maioria das pessoas foram pelo fato de seus nomes constarem nas listas encaminhadas e depois apreendidas na Rádio Mayrinck Veiga, mas muitos também foram detidos em razão de denúncias. Muitas pessoas alegaram que foram denunciadas pelos padres das localidades, pois a Igreja sempre se posicionou contra a formação dos Grupos de Onze. “Desse modo, muitas pessoas que assinaram as listas para comporem os Grupos de Onze, viram-se envolvidas com a polícia, sendo tratadas como criminosas. As propaladas Reformas de Base nunca chegaram a se concretizar e a esperança de ver, finalmente, uma reforma agrária beneficiando os agricultores da região, revelou-se vã. Aos indiciados restou a vergonha de uma prisão e da acusação de comunismo, que não sabiam que estavam “trazendo” ao Brasil.” (p. 146).

Apesar de todo o alarde, as investigações na região do Alto Uruguai, não conseguiram comprovar nada contra os referidos grupos, conforme notícia emitida Justiça Militar em declaração ao Jornal Correio do Povo, que os Grupos de Onze não configuram crime contra a Segurança Nacional. “Nem reforma agrária, nem sementes, nem tratores e nem ajuda do governo. Em vez disso perseguições, prisões, torturas, humilhações, vergonha, desonra. Crime: ter participado dos Grupos de Onze Companheiros.” (p. 156).

Análise teórica metodológica:

A proposição do trabalho de pesquisa da Professora Marli de Almeida Baldissera, tem por objetivo mostrar que os Grupos de Onze não configuravam grupos paramilitares, guerrilheiros ou grupos revolucionários como foram apresentados, mas sim mostrar que os envolvidos nos grupos formados na região do Alto Uruguai pessoas inocentes, ingênuas, a maioria constituída de pequenos agricultores e agregados, que não tinham nenhum espírito revolucionário, que apenas buscavam melhores condições de vida. E que futuramente seriam a base de um novo Partido Político, dirigido por Leonel de Moura Brizola. Neste aspecto a autora discorda da dissertação de mestrado da Professora Elenice Szatkoski, também defendida na Universidade de Passo Fundo, em janeiro de 2003, sob o título “O Grupo dos Onze: política, poder e repressão na Região do Médio Alto Uruguai-RS.” Onde a mesma defende que os Grupos de Onze eram “grupos guerrilheiros”. “Nossa acepção, baseada na documentação primária analisada, é de que deveriam ser grupos de pressão às Reformas de Base, e, possivelmente, seriam núcleos de um futuro partido revolucionário (no sentido de reformista, o que na época era considerado, por muitos, como revolucionário) sob a liderança de Leonel Brizola.” (p. 58).

A metodologia utilizada pela autora constitui-se de pesquisa bibliográfica, notícias veiculadas na imprensa da época e também da fase posterior. Utilizou também, processos do Departamento de Supervisão de Ordem Política e Social (SOPS) relativos aos Grupos de Onze, com ênfase à região estudada, que estão aos cuidados da Comissão do Acervo da Luta Contra a Ditadura, no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. As fontes bibliográficas e os processos do SOPS mostraram-se um tanto limitadas, pois além da carência de obras especificas sobre a temática, o acesso à documentação foi restrito, sendo que os processos do SOPS ainda se encontram sob sigilo, o que impede que sejam divulgados os nomes dos envolvidos.

A imprensa teve papel fundamental nos acontecimentos da época e constitui-se numa das fontes para a reconstituição das representações das realidades, sendo objetos de pesquisa a revista de circulação nacional O Cruzeiro, os jornais de circulação estadual O Estado de São Paulo, Diário de Notícias, Correio do Povo, Zero Hora e Última Hora. Os jornais de circulação na região do Alto Uruguai/RS a Voz da Serra e o Nacional. A imprensa de anos posteriores também foi verificada, principalmente sobre a volta de Leonel de Moura Brizola, com a Lei de Anistia, em 1979.

Em razão do fato de que a pesquisa bibliográfica referente aos Grupos de Onze ficou restrita, ocasionou a possibilidade da utilização da História Oral, trazendo depoimentos dos participantes dos acontecimentos e demonstrando como vivenciaram os fatos.

O trabalho foi divido em quatro capítulos: no primeiro aborda o panorama político nacional e estadual, analisando através da revisão bibliográfica, que com referência a este período possui muitas obras, o contexto político, social e econômico que propiciou a formação dos Grupos de Onze. No segundo capítulo, privilegia-se a formação dos Grupos de Onze, sendo utilizadas como fontes de pesquisa a imprensa, depoimentos orais e os processos do SOPS. O terceiro capítulo contemplará a visão da imprensa sobre os Grupos de Onze, sendo utilizado com fontes de pesquisa, os jornais da época. O quarto capítulo tem como referência a perseguição desfechada aos membros dos Grupos de Onze pelo regime militar, com o foco centrado na região do Alto Uruguai, utiliza como fontes de pesquisa os Inquéritos Policiais Militares do SOPS, obras bibliográficas, a imprensa da época e os depoimentos orais dos envolvidos na formação dos Grupos de Onze.

Com relação à utilização da imprensa como fonte primária em relação aos Grupos de Onze no período anterior ao golpe militar de 1964 e durante todo o restante do ano, a autora cita Márcia Janete Espig:

 A utilização de material jornalístico de cunho historiográfico vem sendo cada vez mais útil aos pesquisadores que se debruçam sobre períodos relativamente recentes de nossa História. (ESPIG, Márcia Janete, “O uso da fonte jornalística no trabalho historiográfico: “O Caso do Contestado”. Estudo Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS – Curso de Pós-Graduação em História. V. XXIV, nº 2, dez. 1998. P. 269). (p. 87)

 

Também aponta como vantagem da utilização da imprensa como fonte documental, citando Reneé Barata Zicman:

Periodicidade: Os jornais são “arquivos do cotidiano”, registrando a memória do dia-a-dia e este acompanhamento diário permite estabelecer a cronologia dos fatos. (ZICMAN, Reneé Barata. “História através da imprensa – algumas considerações metodológicas.” Projeto História. São Paulo. EDUC. nº 4, 1989. P. 90).  (p. 87).

Mas é necessário observar, para que haja o cuidado de não tere a pretensão de buscar a realidade presente da narrativa jornalística, pois o fato publicado já passou por critérios de seleção, pelo filtro do jornal e por uma interpretação, ou seja, o historiador vai tirar conclusões de um evento pré-interpretado pelo jornalista. Por esta razão observa-se que através da imprensa os Grupos de Onze tomaram repercussões bem maiores das que realmente tinham, cita em relação a isso Marialva Barbosa:

 Os meios de comunicação ao selecionar o que se passa no mundo, o que vai ou não ser notícia, o que vai ser editado com destaque ou sem relevo, estão na verdade, procedendo a criação do próprio acontecimento. Longe de serem apenas veículo de divulgação são eles próprios criadores do acontecimento. (BARBOSA, Marialva. “Jornalismo e História: Um olhar e duas temporalidades”. In. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das, MOREL, Marco. (org.). História e Imprensa. Rio de Janeiro: UERJ. 1998. P. 87). (p. 88).

A campanha contra o comunismo, que queria a saída dos setores da esquerda do governo, alarmou e intensificou os medos da maior parte da classe média e alta, que queria que medidas drásticas fossem tomadas contra o governo, para impedir que o comunismo chegasse ao Brasil. Cita de acordo com Márcia Janete Espig:

 Embora a tarefa de estabelecer o que os leitores pensavam sobre o que liam não seja apenas complexa mas, em certos casos, impossível, podemos sugerir uma certa comunhão entre as representações enunciadas pelo jornal e aquelas presente no imaginário social da época. Caso o jornal enunciasse um discurso completamente avesso ao modo de pensar e à visão de mundo global existentes na sociedade à qual se dirigia, não teria qualquer aceitação e estaria fadado ao fracasso editorial. As mensagens enunciadas por jornal inserem-se ou lutam para inserir no imaginário social presente em determinada época. As representações precisavam fazer sentido, criar significado para as pessoas que liam o periódico. Embora não possamos precisar até que ponto estes veículos de comunicação obtinham sucesso nesta tarefa, é evidente não podiam fugir daquilo que seria a forma de pensar da época e do grupo ao qual dirigiam. (grifos da pesquisadora). (Espíg. Op. Cit. P. 276).  (p. 90).

Então observa-se que através do acompanhamento das reportagens jornalísticas é possível construir o imaginário, “que constituem uma categoria das representações coletivas, englobando ideias e imagens da sociedade principalmente das classes média e alta, que eram as que tinham o hábito da leitura de jornais.” (p. 90). “A imprensa muito contribuiu para a formação do imaginário de que o comunismo estava invadindo o Brasil, e que era preciso alguém – no caso as forças armadas – fizesse alguma coisa, mesmo que radical, como um golpe militar.” (p. 120).    

A imprensa pela quantidade de publicações referentes ao assunto, serviu como fonte de pesquisa, para esclarecer fatos relativos a Histopria desses grupos, constituindo-se em fonte privilegiada de pesquisa, mas mostrando a forma como foram vistos pela parcela mais conservadora, que era a que lia os jornais. Com fonte de pesquisa forneceu elementos para identificar o imaginário social nas classes conservadoras, quanto à visão que tinham sobre os Grupos de Onze. Como destaca Claudio Elmir:

 O discurso do jornal era dirigido a um leitor ideal. (ELMIR, Claudio. “As armadilhas do jornal: algumas considerações metodológicas do seu uso para a pesquisa histórica.” In. Cadernos do PPG em História URFGS, nº 13, dezembro de 1995. P. 22).  (p. 88). 

A autora em sua pesquisa faz uso das fontes jornalísticas, mas observando que a mesma não contém a verdade absoluta, pois estava direcionada a uma parcela da sociedade, onde construiu o imaginário. Foi possível através das reportagens interpretar o pensamento das classes conservadoras e das forças armadas com referência aos Grupos de Onze, pensamentos estes muito alimentados pelas reportagens jornalísticas.

Outra fonte de pesquisa que a autora utiliza e á História Oral, sendo essa documentação muito importante para a complementação das fontes escritas, apesar das mesmas serem escassas, vem complementar a documentação paralela – processos judiciais e jornais da época. “Os depoimentos foram de grande valia como complementação das fontes escritas e forneceram as percepções das pessoas sobre o momento e o fato estudados.” (p. 20).

Mas o processo de geração de documentação oral, apresenta problemas, pois o historiador deve observar que trabalha com lembranças e isto atinge o aspecto emocional do indivíduo. Cabe ao historiador trabalhar essas fontes, ou seja, trabalhar com a memória, que é seletiva e sujeita a esquecimentos e fortes emoções dos entrevistados. Mas isso não invalida essa memória como fonte histórica, pois ela não representa a verdade absoluta, “mas como evento foi sentido, vivido, que representações teve para um grupo ou para o indivíduo em questão”. (p. 21). A autora cita José Carlos Sebe Bom Meihy:

Não se deve considerar a história oral como mero substantivo para carências documentais, quer sejam qualitativas, quer sejam quantitativas. Ela pode até vir a complementar algum conjunto documental afim de explicar percepções de problemas, mas isso depende de sua qualificação definida no projeto. (MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. São Paulo: Edições Loyola, 1996. P. 27).  (p. 20).

A autora além de entrevistas com indivíduos ligados diretamente com os Grupos de Onze, também fez uso do Laboratório de História Oral do Centro Universitário Franciscano em Santa Maria, cidade que houve um grande número de Grupos de Onze. Cita Marco Aurélio Santana:

 Exemplo claro é o trabalho de entrevistas com indivíduos que passaram por experiências – limite, marcadas por violência física e/ou calar sobre os intensos traumas que sofrewram. Isto traz ao pesquisador, entre outras questões o lidar não só com as resistências conscientes e inconscientes do entrevistado, mas também com forte emoção que pode aflorar ao longo do processo. (SANTANA, Marco Aurélio. “Militância, repressão e silêncio: relato de uma experiência com a memória operária.” In: História oral – revista da Associação Brasileira de História Oral. Nº 3, junho de 200. P. 35). (p. 21).

Como observa a autora é necessário ressaltar que a História Oral se faz importante, pois demonstra como os participantes vivenciaram esses fatos, como ficaram marcados pela pecha de comunistas e pela desonra de uma prisão. Mas é necessário observar-se que o processo da História Oral não pode ser considerado como verdade absoluta, pois a memória é subjetiva, mas deve-se buscar através da narrativa do entrevistado uma forma ordenada do relato, que possa relacionar com os acontecimentos ocorridos. Cita Aspásia A. de Camargo:

Assim o documento obtido após a transcrição é mais do que uma simples memória – pois foi em grande parte induzido pela presença ativa de pesquisadores – e mais do que uma mera compilação de opiniões e dados informativos – uma vez que revela o clima de uma época ou de uma problemática, obtido a partir do dialogo espontâneo que sugere as trama de relações e de processos subjacentes aos acontecimentos narrados. Desta forma preserva-se a integridade do depoimento, transformando-o no documento histórico que seja a síntese do período e revele, com o máximo de coerência a posição que nela ocupou o ator estrategicamente selecionado como informante. (CAMARGO, Áspasia A. de; NUNES, Márcia B. M.. Como fazer uma entrevista? Rio de Janeiro: DOC. CPDOC. 714. P. 5). (p. 21).

 A História Oral utilizada como método de pesquisa, tem se revelado um instrumento importante no sentido de uma melhor compreensão de ações e representações de grupos e indivíduos. E a autora em sua pesquisa fez bastante uso dessa ferramenta, pois em razão da escassez de material bibliográfico referente ao objeto da pesquisa que era os
Grupos de Onze, a utilização da História Oral possibilitou a inserção dos indivíduos participantes dos fatos, respeitando sempre, que ao se tratar coma memória não se têm verdade absoluta, pois a mesma é subjetiva, mas é possível como demonstrou a autora, fazer uma relação do universo de quando os fatos ocorreram. A autora contou ainda com dificuldades com relação a alguns agentes, pois estes não quiseram dar suas declarações, por não quererem reviver os traumas sofridos. Mas com os depoimentos que obteve para sua pesquisa foi possível traçar um parâmetro do que foi os Grupos de Onze na Região do alto Uruguai/RS, local abordado em sua pesquisa.

Críticas: Quanto a dissertação de Mestrado da Professora Marli de Almeida Baldissera, achei uma ótimo trabalho, pois apesar das dificuldades com relação as fontes de pesquisa, conseguiu atingir seus objetivos propostos, que era o de demonstrar que os indivíduos que formaram os Grupos de Onze não eram guerrilheiros. Mas como o tema é ainda pouco explorado deve-se observar melhor todas as fontes, até porque, como demonstrou em sua dissertação a Professora Elenice Szatkoski, existem algumas abordagens que sugerem que esses mesmos grupos eram de guerrilheiros. Até pretendo agora ler essa dissertação para poder observar quais as fontes que a autora pesquisou para chegar a esta conclusão, para fazer um contra ponto com a dissertação da Professora Baldissera, a qual achei muito boa, e a metodologia utilizada para a abordagem dos fatos em minha opinião foram corretas. História Política é um tema muito interessante de ser estudado, e nesse caso dos Grupos de Onze está apenas em início de pesquisas, necessitando de mais trabalhos acadêmicos que venham enriquecer este tema tão presente em nossa História e pouco abordado. Em razão disso, não tenho críticas ao trabalho de pesquisa da Professora Marli de Almeida.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Wilson Brasil Júnior

por Wilson Brasil Júnior

Bacharelando em Licenciatura/História

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