Políticas públicas educacionais e a superação de desigualdades

As políticas sociais determinam o padrão de proteção social.
As políticas sociais determinam o padrão de proteção social.

Educação e Pedagogia

23/11/2015

Dentre as políticas públicas educacionais elaboradas pelo Estado brasileiro, a Lei 10639/03 tem como objetivo principal levar os estudantes brasileiros a conhecerem e a partir desse conhecimento, valorizarem e respeitarem a história e cultura afro-brasileira em todas as suas características e nuances.

Vivemos em um contexto social de constante desrespeito e até violência contra qualquer diversidade ou diferença, desse modo, faz-se imprescindível o conhecimento de aspectos que formaram a sociedade brasileira e contribuíram para a construção de nossa história cultural e político-social, sobretudo se essa construção foi forjada em relações de poder, desrespeito e utilização do outro como força de trabalho e mercadoria, desconsiderando sua dignidade humana.

O objetivo deste trabalho é mostrar que a efetivação da Lei 10.639/03 em estabelecimentos educacionais é um grande passo no surgimento de estudantes que conhecem e valorizem a história de seu país, podendo assim sentir-se pertencentes a esse lugar no tempo e no espaço. Para que isso aconteça, professores e instituições de ensino precisam se empenhar para oportunizar um conhecimento que venha a transformar mentalidades e comportamentos, desconstruindo paradigmas e estereótipos discriminatórios.


Políticas públicas educacionais: tentativas de reparação


As políticas sociais determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas em princípio a redistribuição de benefícios sociais, dentre eles, o direito à educação. “Políticas públicas em educação vieram a fazer parte da política de infraestrutura social na grande maioria dos países, a qual foi colocada sob total discrição do governo nacional”. (Amaral, 2010).

As políticas públicas educacionais sob a tutela do Estado, pretendem corrigir desigualdades diversas e demandam esforços no sentido de incluir aqueles que por muito tempo estiveram à margem da sociedade. Desta feita, é inegável a grande responsabilidade do Estado no que concerne na elaboração e implementação de políticas que visem o bem-estar da população e a reparação de abismos sociais.

[...] A análise sociológica das políticas educacionais continua a não poder abrir mão da referência ao papel do Estado nacional e às suas relações com as classes sociais e a não dispensar, portanto, o entendimento das especificidades (culturais, sociais, políticas, econômicas e educacionais) que estão impregnadas da (e na) história de uma dada formação social. (Afonso, 2003, p. 38)
O papel do Estado vai muito além da implantação de uma política de reparação. É de suma importância compreender e considerar todos os aspectos que compõem determinado grupo social e sua organização, bem como analisar os impactos que essa política causará nesses sujeitos sociais. É preciso fazer com que o indivíduo sinta-se representado e confiante na viabilidade do que o Estado lhe oferece.

Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que cumpre ao disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional. (Brasil, Mec, 2013, p. 498).

Desta feita, a educação é o caminho para que possamos construir uma sociedade que reconhece e respeita as diferenças, e segue na luta pelo respeito aos direitos de cada cidadão.

Lei 10.639/03: conhecer para incluir e respeitar

“As políticas afirmativas visam reconhecer as diversidades entre a população negra e não negra, no sentido de direcionar esforços para minimizar e gradativamente diminuir as distâncias socioeconômicas que permeiam a vida social brasileira”. (Nascimento, 2015).

A população brasileira formou-se a partir da união de três grupos étnicos: os nativos americanos, os portugueses e os africanos. É notória a vasta contribuição desses grupos nos aspectos que norteiam a nossa história e a forma como estamos organizados enquanto povo. No entanto, observamos um grande fosso que separa os afrodescendentes e indígenas de outros grupos que compõem a nossa população. São desigualdades econômicas, políticas, sociais e educacionais que o Estado tenta diminuir ou mesmo superar com políticas educacionais afirmativas que oportunizem a inserção desses grupos na sociedade.

A Lei 10.639/03 posteriormente alterada para 11.645/08, é um exemplo dessa tentativa do Estado de reparar as disparidades educacionais e sociais existentes entre a população negra e não negra. A esse respeito podemos citar: “ A aprovação da Lei 10.639/03, fez-se necessário para garantir uma ressignificação e valorização cultural das matrizes africanas que formam a diversidade cultural brasileira”. (Carvalho, 2015).

Desta feita, não podemos negar-nos a conhecer as contribuições dadas pelos africanos que chegaram aqui forçosamente. É como querer apagar parte da história do nosso país e do nosso povo, o que demonstra um profundo desrespeito para com os afrodescendentes.

O papel da escola na tentativa de oportunizar a todos o conhecimento acerca da cultura e história africanas, é muito importante para que possamos quebrar paradigmas ainda existentes a respeito dos africanos e a assim desconstruir conceitos discriminatórios e racistas que não só humilham, como também dificultam a inserção destes na sociedade brasileira. Segundo Hamze (2015) A proeminência do estudo de assuntos decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana deve ser componente dos estudos do cotidiano escolar, uma vez que os alunos devem educar-se enquanto cidadãos participativos em uma sociedade multicultural e pluriétnica, tornando-se capazes de construir uma prática democrática. (Hamze, 2015)

Educar para a cidadania e a prática da democracia é função também da escola, assim sendo, é preciso que se construa nos estudantes uma mentalidade que vise o bem da coletividade, que respeite as diversidades e pense num convívio social fraterno e justo, partindo do reconhecimento individual para o coletivo.

A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários. ( Brasil, Mec, 2013, p.501)

É imprescindível a atuação da escola nessa construção, especialmente por ser um espaço que agrega uma diversidade de indivíduos, ela precisa assumir a missão de colaborar para o convívio fraterno e democrático entre seus os estudantes e destes com o meio social no qual estão inseridos.


A inclusão que ficou só no papel

A elaboração de políticas públicas que visam à reparação de desigualdades e abismos sociais tem uma grande relevância para a inclusão de indivíduos excluídos e marginalizados. No entanto, para que isso aconteça de fato, é preciso que todos estejam conscientes de seu papel e do esforço que precisam empreender no sentido de dar reconhecimento a quem ainda não o tem.

A referida lei aqui apresentada, tem um papel de destaque na tentativa de incluir nos currículos escolares a história e cultura dos povos africanos e de seus descendentes, para que todos possam conhece-la e assim superar séculos de discriminação, desrespeito e racismo para com esses povos.

Entretanto, ainda não vimos à efetivação dessa lei nos espaços escolares. Porque isso demanda uma mudança de mentalidades e uma preocupação com o bem comum, aspectos nem sempre considerados quando da elaboração de uma política pública. O problema das reformas, e também das políticas educacionais, é centralmente o problema da mudança nas capacidades interiores, cognitivas e instrumentais dos indivíduos, de modo que essas mudanças coincidam com os objetivos da administração social das populações. ( Garcia, 2010, p. 446)

Percebe-se que muitos profissionais da educação, assim como as instituições, não estavam preparados para desenvolver atividades relacionadas às relações étnico-raciais da população brasileira. O que de certa forma contribui para a disseminação de preconceitos e estigmais, reduzindo a história e cultura africanas a termos e expressões pejorativas, como macumba e catimbó.

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer mentalidade racista e discriminatória secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. (Brasil, Mec, 2013, p. 501)
É preciso uma mudança individual a partir do conhecimento da significância dos africanos e seus descendentes na construção da nossa história. Esse entendimento vai levar o professor e a escola a ressignificar sua atuação pedagógica na busca por mudanças entre e oportunizar uma educação que objetive o respeito, a cidadania ne a igualdade entre os sujeitos.

O bem comum, a construção da identidade nacional, o compromisso com projetos sociais coletivos como a Nação e a classe social, a preocupação com a ordem e a segurança territorial e ideológica são aspectos pouco enfatizados na ordem do discurso das políticas educacionais de nosso tempo. ( Garcia, 2010, p. 451)

Observa-se que a Lei aqui estudada não está sendo aplicada com este propósito. Isso não implica dizer que ela é inviável, mas que demanda um esforço maior e uma prática pedagógica que possibilite esse bem comum, essa preocupação com a Nação e tudo que dela faz parte, inclusive e principalmente, o povo brasileiros. Faz-se extremamente necessário a construção de novos paradigmas educacionais e sociais que venham a garantir uma transformação dentro e fora do âmbito escolar, que venha promover o pensamento e ação em favor da coletividade, numa luta de todos e para todos por respeito, equidade, justiça social e uma prática democrática não excludente e seletiva. Conclusão

As disparidades sociais, econômicas e educacionais, a exclusão e a marginalização de alguns indivíduos ou grupos sociais são alguns dos aspectos que levam o Estado a elaborar as políticas públicas de reparação. Que são direcionadas a grupos distintos e com claros objetivos de diminuir ou mesmo superar décadas de desigualdade. No entanto, muitas não levam em consideração as características e especificidades desses grupos, tornando-se assim ineficiente, não atendendo ao propósito para o qual foi criada.

Faz-se necessário a princípio, levar as pessoas a perceberem que essas políticas são um fator importante na busca por melhores oportunidades e condições de vida para aqueles que sempre estiveram à margem da sociedade.

Muitos preconceitos e estereótipos fazem parte do ideário coletivo social brasileiro, desconstrui-los é um passo decisivo no processo de aceitação de que nossa sociedade é racista, discriminatória, segregacionista e patriarcal, e que precisamos mudar essa realidade, pois ela retrai o avanço social, econômico e educacional do país, dificultando ou mesmo impedindo a inserção de diversos indivíduos no conjunto dos direitos que eles possuem.

A referida lei é de grande relevância para a educação brasileira, porém, faz-se necessário preparar os profissionais da educação e instituições educacionais no sentido de que realizem um trabalho que venha a provocar mudanças de fato, colaborando de forma positiva para o crescimento pessoal, coletivo e social de estudantes, para que se tornem agentes de transformação.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Maria Leonilde da Silva

por Maria Leonilde da Silva

Formada em História pela Universidade Estadual da Paraíba, com Especialização em Psicopedagogia Institucional pelo Cintep, Especialização em Educação em Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba. Professora do Ensino Fundamental I, com experiência no Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos.

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