CAMINHOS E DESCAMINHOS DA EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL

Educação e Pedagogia

31/08/2015

INTRODUÇÃO

 

A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica está presente em todo o território nacional, oferecendo cursos de qualificação, técnicos, superiores de tecnologia, licenciaturas, e programas de pós-graduação lato e stricto sensu.

Historicamente, a educação brasileira traz consigo a marca da dualidade estrutural que se caracteriza pela existência de tipos diferentes de escola para classes sociais distintas (KUENZER, 2005). Se para a parcela da população que detém a hegemonia política, cultural e econômica, a trajetória escolar se constitui quase sempre no acesso a uma educação básica propedêutica e no ingresso em cursos universitários, para a grande maioria resta como alternativa uma educação básica precária, associada, quando possível, à formação para o trabalho em cursos técnicos e, mais recentemente, em cursos superiores de tecnologia. Para Kuenzer (1997), o ensino de nível médio se destaca dos demais como o nível de mais difícil enfrentamento ao longo da história da educação brasileira, em decorrência da sua dupla função: preparar para a continuidade de estudos e ao mesmo tempo para o mundo do trabalho.

Assim, a Educação Profissional no Brasil foi criada para atender crianças, jovens e adultos que viviam à margem da sociedade.

Com o objetivo de desvelar os desdobramentos da concepção de educação tecnológica, desde a gênese da educação brasileira até os dias atuais, essa pesquisa orientou-se pelas seguintes questões: quando se iniciou a educação tecnológica no Brasil? Qual a concepção de educação tecnológica que norteia as políticas educacionais atuais? Quais os fatos que foram determinantes na reconfiguração da Rede Federal de Educação Tecnológica?

Para elucidar o assunto, buscou-se a pesquisa analítico bibliográfica através de uma abordagem qualitativa.

 

2 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

 

2.1 História e Educação Brasileira

 

No desenvolvimento da história da educação brasileira observam-se várias fases com características singulares e rupturas marcantes.

A primeira grande ruptura aconteceu com a chegada dos portugueses ao que hoje é o território brasileiro. Anteriormente, a educação praticada entre as populações indígenas estava ligada à sobrevivência, e era transmitida oralmente. Assim, ao invés de aprender as letras e ciências, aprendiam a caça, a pesca, a agricultura e o artesanato.

Quando os jesuítas chegaram ao Brasil, eles trouxeram além da moral, dos costumes e da religiosidade europeia os métodos pedagógicos. Esse método funcionou absoluto durante 210 anos, de1549 a1759, quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal. A educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados pelo Estado.

Para Bello (2011), “a expulsão dos jesuítas significou, entre outras coisas, a destruição do único sistema de ensino existente no país”.

A partir de então não se conseguiu implantar um sistema educacional nas terras brasileiras até a vinda da Família Real, em 1808, o que permitiu uma nova ruptura com a situação anterior. Para preparar a Colônia para a sua estadia, D. João VI criou a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e a Imprensa Régia e ainda instituiu importantes marcos na educação, principalmente no ensino técnico como Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Escola anatômico-cirúrgica e médica, um curso de agricultura, a Escola real de Ciências Artes e ofícios, além dos cursos de Cirurgia, Economia, Agricultura, Química e Desenho técnico. Para Ramos (2011), “todas as medidas e instituições serviram somente a elite e tiveram como objetivo formar uma casta dirigente brasileira”.

Durante o Império, pouco se fez pela educação brasileira. A educação continuou a ter uma importância secundária. As leis sobre a educação nesse período eram muito melhores do que a realidade. Elas garantiam o ensino elementar a todos os meninos e meninas e escolas em todas as cidades. Mas, na prática, isso não acontecia. A escolarização era privilégio dos meninos das camadas sociais mais abastadas. O ensino era tradicional e fortemente religioso. Na verdade, a prioridade não era a escola básica, mas o ensino secundário e superior, para formar quadros para a administração pública do Império. O ensino privado surge nessa fase, a partir do fracasso governamental, devido à falta de recursos para construir escolas e fornecer material pedagógico.

A Primeira República (1889-1929) adotou, por sua vez, o modelo político americano baseado no sistema presidencialista. Na organização escolar percebe-se influência da filosofia positivista. A década de 1920 assinalou a implementação de reformas educacionais em vários Estados do país, todas elas voltadas para a ampliação das oportunidades de acesso e permanência na Escola.

A Segunda República (1930-1936) inicia-se com a Revolução de 1930 que tinha como objetivos principais tornar a República mais liberal e democrática, tirá-la das mãos dos fazendeiros do café de São Paulo e entregá-la à burguesia industrial, que pretendia modernizar o Brasil e via na educação o único meio de fazer o Brasil tornar-se uma nação desenvolvida. Essa Revolução foi o marco referencial para a entrada do Brasil no mundo capitalista de produção. A acumulação de capital, do período anterior, permitiu que o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção industrial. A nova realidade passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir na educação. No mesmo ano da Revolução foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Começa, então, o período da socialização da educação.

Os trabalhadores, os intelectuais, e os reformadores lutaram pelo fortalecimento da escola pública no Brasil. Um fato marcante foi o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932. Esse documento, assinado por 26 intelectuais, objetivava influir nas políticas públicas para a educação, defendendo a escola pública, laica, gratuita, obrigatória e com a coeducação dos sexos.

Mais um período de ruptura se dá com a instauração do Estado Novo (1937-1945). A orientação político-educacional para o mundo capitalista fica bem explícita na Constituição de 1937, sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado. Neste sentido a nova Constituição marca uma distinção entre o trabalho intelectual, para a elite, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as classes menos favorecidas.

Com o fim do Estado Novo e o início da Nova República (1946-1963), adota-se uma nova Constituição de cunho liberal e democrático. Conforme Bello (2001), a nova Constituição, na área da Educação, dá competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e faz voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos primeiros anos da década de 30.

Quando Getúlio Vargas volta ao poder em 1950, faz-se necessária uma maior qualificação dos trabalhadores para o setor industrial em vasto crescimento. O governo decidiu pela equivalência dos cursos técnicos ao nível secundário. A expansão do ensino médio representaria o aumento da demanda para o ensino superior.

Mais tarde, em 1961, ocorreram as lutas e disputas entre liberais, católicos e comunistas para influir no texto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Em 1964, um golpe militar institui o Regime Militar (1964-1985) e aborta as iniciativas de se revolucionar a educação brasileira e a educação assume um caráter antidemocrático. O regime autoritário impõe sem nenhum debate uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1971.

E, por fim, ocorre a luta dos educadores pela implantação da Lei de Diretrizes de Bases da Educação, em 1996 (Lei nº 9.394/96).

Com a Proclamação da República tentou-se várias reformas que pudessem dar uma nova guinada, mas se observarmos bem, a educação brasileira não sofreu um processo de evolução que pudesse ser considerado marcante ou significativo em termos de modelo. Até os dias de hoje, a educação brasileira continua a ter a finalidade de manter o "status quo" para aqueles que frequentam os bancos escolares. Para Saviani (2007), tanto as pedagogias tradicionais como a escola nova e a pedagogia tecnicista são, portanto, não-críticas, no sentido de não perceberem o comprometimento político e ideológico que a escola sempre teve com a classe dominante.

 

2.2 História e Educação Tecnológica

 

O ensino técnico é um nível de ensino enquadrado no nível médio dos sistemas educativos, referindo-se a uma educação que confere diplomas profissionais.

O período que pode ser entendido como os Primórdios da Educação Profissional no Brasil (1500-1889) faz referência ao período que antecede o surgimento deste ramo da educação no país.

Até então, o trabalho era exercido por índios e escravos que não careciam de escola para ensinar seu ofício às gerações futuras. E o estabelecimento das primeiras indústrias, no fim do século XIX, ainda não justificava a existência de ensino profissionalizante no Brasil.

Ainda assim, entende-se que a formação do trabalhador no Brasil começou a ser feita desde os tempos mais remotos da colonização, tendo como os primeiros aprendizes de ofícios os índios e os escravos, e “habituou-se o povo de nossa terra a ver aquela forma de ensino como destinada somente a elementos das mais baixas categorias sociais”. (Fonseca, 1961, p. 68).

Foram criados também os Centros de Aprendizagem de Ofícios nos Arsenais da Marinha no Brasil, trazendo operários especializados de Portugal, recrutando pessoas pelas ruas ou presos que tivessem alguma condição de produzir. O desenvolvimento tecnológico do Brasil ficou estagnado com a proibição da existência de fábricas em 1785.

Nos anos de 1800, com a adoção do modelo de aprendizagem dos ofícios manufatureiros que se destinava ao “amparo” da camada menos privilegiada da sociedade brasileira, crianças e jovens eram encaminhados para casas onde, além da instrução primária, aprendiam ofícios de tipografia, encadernação, alfaiataria, tornearia, carpintaria, sapataria, entre outros.

Conforme Garcia (2000), a chegada da família real portuguesa em 1808, D. João VI cria o Colégio das Fábricas, considerado o primeiro estabelecimento instalado pelo poder público com o objetivo de atender à educação dos artistas e aprendizes vindos de Portugal.

As instituições que formam hoje a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica tiveram suas origens nas 19 escolas de aprendizes artífices instituídas por um decreto presidencial de 1909, assinado por Nilo Peçanha.

Em meio a Primeira República, que defendia uma educação laica, a ampliação da oferta de educação escolar pública e a substituição da educação clássica e literária pela científica, a abolição da escravidão gera um problema social. Os ex-escravos juntavam-se aos loucos, órfãos, pessoas com deficiência, entre outros “desvalidos”, que não encontravam meios para garantir a sua subsistência e, assim, a Educação Profissional aparece vista como alternativa ao problema da ociosidade dos “desvalidos”, que geravam altos índices de criminalidade e impediam o progresso do país. Esse período fica conhecido como A Educação dos “Desvalidos” (1890-1955).

Essas escolas, inicialmente subordinadas ao Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, passam, em 1930, para a supervisão do Ministério da Educação e Saúde Pública logo após a criação deste. A crise econômica de 1930 enfraqueceu politicamente as oligarquias cafeeiras, criando condições para a emergência da burguesia industrial, algum tempo depois.

A Constituição Brasileira de 1937 foi a primeira a tratar especificamente de ensino técnico, profissional e industrial, estabelecendo no artigo 129:

O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.

É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público.

 

Assim, em 13 de janeiro de 1937, foi assinada a Lei 378 que transformava as Escolas de Aprendizes e Artífices em Liceus Profissionais, destinados ao ensino profissional, de todos os ramos e graus.

Em 1942, um ano após o ensino profissional ser considerado de nível médio, os liceus mudam de nomenclatura para escolas industriais e técnicas, e, em 1959, escolas técnicas federais, configuradas então como autarquias.

Na Segunda República, a indústria nacional já se encontra consolidada e demandando trabalhadores com maior qualificação. A chegada de uma parcela cada vez maior da população ao ensino secundário provoca uma forte pressão por parte destes estudantes pelo acesso ao Ensino Superior, em busca de ascensão social. O Ensino Profissionalizante, para além de qualificar mão-de-obra para a indústria, alivia a pressão exercida pela sociedade por vagas nas universidades.

A Lei 4.024/61, junto ao Decreto nº 4.127, de 25 de fevereiro de 1942, representam as primeiras tentativas de equivalência entre Ensino Técnico e ensino propedêutico, pois a partir de então os egressos do ensino secundário do ramo profissionalizante também poderiam acessar ao Ensino Superior. Um egresso de curso técnico poderia, entretanto, prestar exames somente para cursos superiores relacionados à sua formação técnica, enquanto os que cursavam o ensino propedêutico podiam escolher livremente qual carreira seguir.

Em 1964, tem início a Ditadura Militar, mantendo-se a articulação entre os interesses do capital internacional e da elite política nacional. A elevação da escolaridade dos trabalhadores passa a ser determinante para o desenvolvimento industrial do país.

Ao mesmo tempo vai se constituindo uma rede de escolas agrícolas – Escolas Agrotécnicas Federais, com base no modelo escola fazenda e vinculadas ao Ministério da Agricultura. Em 1967, essas escolas fazendas passam para o então Ministério da Educação e Cultura tornando-se escolas agrícolas.

Em 1971, sob o discurso de uma escola única para ricos e pobres, a Lei 5.692/71 tornou obrigatória à profissionalização dos estudantes do ensino secundário. Contudo, a falta de condições para concretizar esse objetivo fez com que se ampliasse ainda mais as diferenças entre as escolas de ricos e pobres e a distância entre educação propedêutica e profissional. Com o fracasso desta Lei, o Estado resgata a possibilidade das escolas fazerem a opção entre a oferta de ensino propedêutico ou técnico-profissionalizante, através da Lei 7.044/82.

Em 1978, as escolas federais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná são transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) equiparando-se, no âmbito da educação superior, aos centros universitários.

A década de 1980 ficou conhecida como a “década perdida”, devido à crise e à profunda estagnação econômica enfrentada pela América Latina neste período. O desemprego e a inflação são os grandes desafios a serem enfrentados pelo Estado.

A década de 1990 é marcada pela chamada Reforma do Estado, que se baseia no sucateamaneto e na posterior privatização de instituições estatais, bem como na terceirização de serviços públicos essenciais. Ao mesmo tempo, as transformações no mundo do trabalho e os avanços tecnológicos são as justificativas usadas para promover reformas educacionais profundas, quase sempre financiadas por organismos financeiros internacionais. A educação consolida-se como mais um setor empresarial, com destaque para a expansão do Ensino Superior privado. Durante a década de 90, várias outras escolas técnicas e agrotécnicas federais tornam-se CEFET, formando a base do sistema nacional de educação tecnológica, instituído em 1994.

O Decreto 2.208/97 cria matrizes curriculares e matrículas distintas para o estudante que deseja formar-se técnico, podendo o Ensino Médio e Técnico ocorrer em épocas ou instituições de ensino diferentes. O reforço à dualidade estrutural ocorre para atender a três objetivos básicos: a) evitar que Escolas Técnicas formem profissionais que sigam no Ensino Superior ao invés de ingressarem no mercado de trabalho, b) tornar os cursos técnicos mais baratos, tanto para a rede pública quanto para os empresários da Educação Profissional que desejam oferecer mensalidades a preços competitivos, e c) promover mudanças na estrutura dos cursos técnicos, de modo que os egressos possam ingressar mais rapidamente no mercado de trabalho e que as instituições de ensino possam flexibilizar os currículos adaptando-se mais facilmente às demandas imediatas do mercado.

Em 1998, o governo federal proíbe a construção de novas escolas federais. Ao mesmo tempo, uma série de atos normativos direcionaram essas instituições para a oferta predominante de cursos superiores e, contraditoriamente, ensino médio regular, reportando a oferta de cursos técnicos à responsabilidade dos estados e da iniciativa privada.

Extingue-se o dispositivo legal que proibia a instalação de novas Escolas Técnicas mantidas pela União e revoga-se o Decreto 2.208/97, o que motivou muitas instituições de ensino a retomarem a oferta de Ensino Técnico integrado ao Ensino Médio. A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica passa por uma expansão e é reconfigurada a partir da criação dos IFs.

A conquista de relativa estabilidade econômica e a descoberta de grandes reservas de petróleo criaram a expectativa de crescimento da economia no médio e longo prazo. A partir de 2003, conforme dados do MEC, verifica-se a expansão da Rede Federal de Educação Profissional da seguinte forma: até então eram 140 Escolas Técnicas e CEFETs; entre 2003 e 2010 foram entregues à população as 214 unidades previstas no plano de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, além da federalização de outras escolas; entre 2011 e 2014, entraram em funcionamento 208 novas unidades, totalizando 562 escolas em atividade.

São 38 Institutos Federais presentes em todos estados, oferecendo cursos de qualificação, ensino médio integrado, cursos superiores de tecnologia e licenciaturas. Essa Rede ainda é formada por instituições que não aderiram aos Institutos Federais, mas também oferecem educação profissional em todos os níveis. São dois CEFETs, 25 escolas vinculadas a Universidades, o Colégio Pedro II e uma Universidade Tecnológica.

Isso torna-se possível porque em 2004 inicia-se a reorientação das políticas federais para a educação profissional e tecnológica, primeiro com a retomada da possibilidade da oferta de cursos técnicos integrados com o ensino médio seguida, em 2005, da alteração na lei que vedava a expansão da rede federal.

Em 2005, antes do início da expansão programada, a rede federal contava com 144 unidades distribuídas entre centros de educação tecnológica e suas unidades de ensino descentralizadas, uma universidade tecnológica e seus campi, escolas agrotécnicas e escolas técnicas vinculadas a universidades federais, além do Colégio Pedro II/RJ. O processo de expansão da rede federal colocou em evidência a necessidade de se discutir a forma de organização dessas instituições, bem como de explicitar seu papel no desenvolvimento social do país.

Como resultado desses debates, a Lei 11.892, publicada em 29/12/2008, cria no âmbito do Ministério da Educação um novo modelo de instituição de educação profissional e tecnológica. Escolas técnicas e agrotécnicas federais e escolas vinculadas às universidades federais, os novos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) geram e fortalecem condições estruturais necessárias ao desenvolvimento educacional e socioeconômico brasileiro.

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia surgiram com o propósito de fomentar o desenvolvimento local e regional, além da transferência de tecnologia e inovação para a sociedade, como constatado na lei de criação das referidas instituições, qual seja: lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008:

Art. 6º Os Institutos Federais têm por finalidades e características:

I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;

II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;

IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal; (BRASIL, 2008)

 

O foco dos IFs é a promoção da justiça social, da equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a busca de soluções técnicas e geração de novas tecnologias. Estas instituições devem responder, de forma ágil e eficaz, às demandas crescentes por formação profissional, por difusão de conhecimentos científicos e de suporte aos arranjos produtivos locais.

Os IFs podem atuar em todos os níveis e modalidades da educação profissional, com estreito compromisso com o desenvolvimento integral do cidadão trabalhador, devendo articular, em experiência institucional inovadora, todos os princípios fundamentais do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE):

Visão sistêmica da educação; enlace da educação com o ordenamento e o desenvolvimento territorial; aprofundamento do regime de cooperação entre os entes federados em busca da qualidade e da equidade. Em especial, esse arranjo educacional abre novas perspectivas para o ensino médio-técnico, por meio de uma combinação do ensino de ciências, humanidades e educação profissional e tecnológica. (BRASIL, 2007)

 

Assim, a educação seria capaz de modificar a vida social e os conhecimentos seriam colocados a favor dos processos locais a fim de criar condições favoráveis à inserção e permanência no trabalho, à geração de trabalho e renda e ao exercício da cidadania, tornando-se espaços privilegiados para a democratização do conhecimento científico e tecnológico e valorização do conhecimento popular.

 

3 A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA E OS IFS NO CONTEXTO ATUAL

 

O §2°. do Art. 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei 9.394/96, diz: “O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.” (CARNEIRO, 2002, P. 108) [grifo meu]

A nova LDB mantém a possibilidade de o ensino médio ser articulado com o curso técnico, como uma das alternativas possíveis. A outra possibilidade é cursar somente o ensino médio.

Nos dias atuais, o ensino técnico é voltado para estudantes de ensino médio ou pessoas que já possuam este nível de instrução. Pode ser realizado por qualquer instituição de ensino com autorização prévia das Secretarias Estaduais de Educação ou Secretarias Estaduais de Ciência e Tecnologia, dependendo do estado.

Apresenta-se como: Ensino Técnico Integrado (o aluno faz o curso técnico integrado ao ensino médio); Ensino Técnico Concomitante (o aluno faz o curso técnico simultaneamente ao ensino médio cursado em outra instituição); e Ensino Técnico Subsequente (o aluno aprovado no processo seletivo e portador do certificado de conclusão do ensino médio ou equivalente pode iniciar o curso técnico pretendido).

A lei, por um lado, avança, pois não há mais distinção entre os currículos da formação geral do ensino médio técnico e do ensino médio regular. As diretrizes curriculares do ensino médio são únicas.

“... a habilitação profissional... pode ser feita ou na própria escola ou em instituições especializadas do tipo: escolas técnicas, centros de formação profissional e empresas... Aqui, parece oportuno já esclarecer que a educação profissional deixa de ser um nível de ensino “stricto senso” e passa a ser modalidade de educação complementar à educação básica.” (CARNEIRO, 2002, p. 111)

 

O fim da profissionalização obrigatória com a LDB de 1996 atendeu, especialmente, as camadas média alta e alta, onde predomina o interesse pela formação propedêutica ao ensino superior. O sentimento de desvalor atribuído às profissões intermediárias vem crescendo na sociedade brasileira, sobretudo nas três últimas décadas.

Lima Filho e Queluz (2005) destacam, por sua vez, que a constituição de modelos alternativos de ensino superior tem sido adotada pelas reformas educacionais realizadas nos países da América Latina a partir dos anos de 1990, principalmente mediante a oferta de cursos superiores de tecnologia. No Brasil, a abertura de cursos de tecnologia pavimentou o caminho da transformação das instituições de ensino técnico e médio em instituições de educação superior, possibilitando a diversificação da educação superior, principalmente a pública federal. As instituições federais de educação superior, agora, não são, exclusivamente, as universidades de pesquisa, mas contam com outros modelos que oferecem, prioritariamente, a formação profissional, através de cursos tecnológicos.

O Brasil investe no ensino superior, em detrimento do ensino fundamental e médio. Em recente artigo da Revista Época de 14/04/11 (MANSUR, 2011), o Brasil dedica 4,3% do PIB à educação, proporção similar ao Japão e à Coreia do Sul, países considerados exemplos em revolução da educação, mas a qualidade das escolas brasileiras de ensino médio e fundamental continua baixa. O Brasil é um dos países com a maior desproporção entre os gastos com ensino superior e as escolas dos outros segmentos de ensino. Em um país onde só 37% da população completou o ensino médio, o foco do governo tem sido subsidiar as universidades.

Apesar dos governantes que presidiram o país desde 2003 pertencerem a um partido de esquerda, mantiveram a transferência de serviços essenciais à população, como educação, por exemplo, para a iniciativa privada. Se antes prevaleciam as privatizações, agora se estabelecem parcerias público-privadas, mediante o repasse de verbas públicas para que empresas privadas exerçam algumas das funções do Estado, como continua ocorrendo com o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e o Programa Universidade para Todos (ProUni) e passa a ocorrer com a criação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC).

A evolução histórica da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica aponta para uma tendência de superação da concepção de Educação Profissional enquanto opção para os “desvalidos”. Por outro lado, o reconhecimento da importância deste ramo da educação para e pela sociedade brasileira não apagou outra marca que acompanha a evolução desta Rede: a dualidade estrutural, que tem sido negada e afirmada ao longo de mais de um século, revelando o movimento dialético que impulsiona a luta de classes em uma sociedade capitalista.

A Lei 4.024/61, apesar de representar uma primeira tentativa de equivalência entre Ensino Profissional e ensino propedêutico, foi um avanço relativo.

Mesmo a Lei 5.692/71, sob o discurso de uma escola secundária única para todos, fracassou na tarefa de diminuir a distância entre as escolas de ricos e pobres, evidenciando que a preocupação com a dualidade da educação existia apenas formalmente, no discurso político da época.

Entre a última década do século XX e primeira década do século XXI, percebe-se o contraste entre as políticas assumidamente neoliberais, no primeiro período, e as políticas de cunho democrático-popular, no segundo.

O Estado Mínimo da década de 1990 teve contribuição importante no sentido de reforçar a separação entre Educação Profissional e ensino propedêutico. Na sequência, a retomada da expansão da Rede Federal é marcada pela ampliação do número de escolas e universidades federais.

É num contexto histórico caracterizado pelas idas e vindas da Educação Profissional, sob a perspectiva da dualidade estrutural, que se insere o Plano de Expansão da Rede Federal. Os desafios que se apresentam à expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica exigem que o Brasil assuma a Educação Profissional como política de Estado. Sem dúvida, a expansão da Rede Federal da forma como vem sendo executada é algo sem precedentes na história do Brasil.

Contudo, alguns aspectos desse processo ainda precisam ser analisados com mais cuidado.

O lançamento do FIES e PRONATEC, por exemplo, tende a reforçar a opção pelas parcerias público-privadas, aproximando-se do viés neoliberal das políticas destinadas à educação na década de 1990.

Enquanto isso, a criação de IFs que passam a exercer uma atuação paralela à das universidades federais parece entrar em contradição com a proposta de uma educação integral, única para todos. Tal como ocorre historicamente no ensino secundário, criam-se percursos distintos dentro do Ensino Superior mantido pela rede pública, o que aumenta o risco de se reforçar a existência de uma universidade para ricos e outra para pobres, ambas financiadas e geridas pelo governo federal.

 

4 CONCLUSÃO

 

Os questionamentos e apontamentos ora apresentados não diminuem o mérito desta política no que tange a democratização do acesso ao Ensino Profissional e ao Ensino Superior, e principalmente o avanço representado pela interiorização dos cursos e instituições de ensino que, via de regra, concentravam-se nas capitais e regiões litorâneas do país. A própria diversificação das instituições de Ensino Superior federais pode apresentar-se como uma ação estratégica com resultados positivos para a sociedade em geral.

Contudo, é necessário que as condições de acesso pelos estudantes, a infraestrutura, os quadros funcionais, os planos de cargos e salários dos servidores, entre tantos outros aspectos, sejam equiparados entre Universidades Federais e Institutos Federais. A existência de dois percursos escolares, em si, não é o que caracteriza a dualidade estrutural da educação, mas sim o fato de uma parte da população ou classe social poder acessar sem dificuldades ao tipo de ensino reconhecido socialmente como sendo de qualidade, enquanto aos demais resta como única opção uma educação considerada inferior e que lhes coloca numa situação de desvantagem no convívio social.

Tomando como referência a história da Rede Federal de Educação Profissional, torna-se necessária a realização de estudos com vistas a verificar quais aspectos da atual expansão da Rede constituem avanços ou retrocessos para a sociedade. Neste sentido, espera-se que a sistematização de informações realizadas neste trabalho possa ser útil enquanto subsídio para pesquisas de maior fôlego, que possam trazer respostas às perguntas que ora se apresentam.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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Hellen Cristina de Oliveira Alves

por Hellen Cristina de Oliveira Alves

Escolaridade: Psicologia -Faculdade Santo Agostinho (FSA) Especialização em Psicopedagogia (FLATED) Especialização em Neuropsicologia (UNICHRISTUS) Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental (FATEPI - em andamento) Mestrado em Educação (Anne Sullivan - em andamento)

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