Prática Pedagógica: A reflexão entre a prática e o conhecimento adquirido

Educação e Pedagogia

01/07/2015

“Pensamos que a tarefa da educação é formar seres humanos para o presente, seres nos quais qualquer outro ser humano possa confiar e respeitar, seres capazes de pensar tudo e de fazer tudo o que é preciso como um ato responsável a partir de sua consciência social.” (MATURANA)

           

Uma equipe docente, precisa estar sempre atenta aos diversos movimentos que ocorrem no campo social, ligada a diferentes esferas como comportamento, tecnologia, família, e até mesmo a escola, passa por diversas mudanças em seu cotidiano constantemente. E todas estas idas e vindas possuem a educação como fio condutor, capaz de atuar no modo de pensar daqueles que ocupam este campo. Talvez seja por estes motivos que o fazer dos professores seguidamente é visto como enfoque de pesquisa, partindo da sua formação e chegando até sua atuação. Uma das justificativas é de que a atividade docente é um paradigma que ocorre em dois planos, o consciente e o Inconsciente.

É preciso observar que, ao pesquisar a prática docente, acabo imprimindo neste trabalho também a minha identidade cultural enquanto pesquisadora, que é formada pela linha de pesquisa que sigo, bem como pela história individual de vida. E Maturana (2001) mostra possibilidades reflexivas de se transformar essa pesquisa quanto ao modo de fazer perguntas em relação ao ser, o real, o existir, o observar e o conhecer. E é nesse sentido que, enquanto docente de um curso de formação de professores, como no caso do Curso Normal, é preciso “guardar no armário” a identidade cultural e focar na formação destes futuros profissionais, embasado no conhecimento necessário que estes devem adquirir para suas futuras práticas profissionais. E com isso, ao focar mais no desejado, obtenhamos um maior interesse da parte destes alunos, em sua maioria adolescentes, com uma visão de mundo diferente daquela que possuíamos com a mesma idade. Estas mudanças estruturais acabam por formar uma nova história do aprendizado, conforme segue:

É uma explicação do que é o viver e, ao mesmo tempo, uma explicação da fenomenologia observada no constante vir-a-ser dos seres vivos no domínio de sua existência. Enquanto uma reflexão sobre o conhecer, sobre o conhecimento, é uma epistemologia. Enquanto uma reflexão sobre nossa experiência com os outros na linguagem, é também uma reflexão sobre as relações humanas em geral, e sobre a linguagem e a cognição em particular. (MAGRO & PAREDES, in MATURANA, 2001, p. 13).

 

            Maturana utiliza o termo autopoiese para descrever que, nós seres vivos somos sistemas autônomos e que, como redes discretas, produzimos a mesma rede que nos produz. Em outras palavras, o autor nos diz que enquanto estamos formando nossos alunos, também vamos nos constituindo professores, refletindo e reconstruindo nossa prática. É a dinâmica relacional no domínio do nosso viver. Não obstante, é por este motivo que o este afirma que a evolução dos homens é decorrente da linguagem e não da manipulação dos objetos ou instrumentos. (1998).

            A capacidade da linguagem não é a simples manipulação de símbolos, nem a simples comunicação. Ela está relacionada com a coordenação das ações consensuais, que dão origem a um modo de vida cooperativo e não competitivo. É esta a ação que buscamos em nossos alunos, e para tanto precisamos nos valer da linguagem de maneira que haja um afecto significativo, algo que passe a estar cotidianamente presente no fazer pedagógico, nosso enquanto docentes formadores e deles enquanto futuros professores.A linguagem ocorre no fluir do viver no entrelaçamento de duas dimensões, da ação e da conduta – no emocionar e no agir. E, isso ocorre, como já foi dito, em coordenações de coordenações consensuais de ações, até porque não é externo o que determina a experiência; o sistema nervoso funciona com correlações internas (MATURANA, 2001, p. 24)

            É neste sentido, que o teórico afirma que, ao nos denominarmos como seres racionais, estamos limitando a visão sobre nós mesmos; Ou seja, estamos procurando desvalorizar as emoções sem entrelaça-las com a razão, fatores que nos constituem como ser humano. Não nos damos conta de que toda sistema racional tem seu lado emocional.

            E partindo da premissa de que não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível como ato, percebe-se que o sistema racional opera com ações previamente aceitas a partir de uma emoção. (MATURANA, 1998). Todavia, é preciso discernir amor de sentimento, como ocorre no senso comum. Logo, ao praticar a docência, não existe apenas o ato de ensinar, há intrínseco nesta ação um sentimento maior, presente na sala de aula, que deve ser transmitido aos futuros professores para que estes não percam o ânimo, que não se tornem meros receptores de conhecimento, sem desenvolvê-los com gosto, com prazer, com entusiasmo, lembrando sempre que O ser vivo é, então, um sistema dinâmico e, como tal, sua estrutura que está constantemente mudando, o que, por sua vez, implica constante variação nesses domínios estruturais.

            E então Maturana nos diz que:

[...] somos observadores no observar, no suceder do viver cotidiano na linguagem, na experiência na linguagem. Experiências que não estão na linguagem, não são. Não há modo de fazer referência a elas, nem sequer fazer referência ao fato de tê-las tido. (2001, p.28)

 

Vemos que as experiências da linguagem não é inerte, São carregados de sentimentos e são os modos como costumamos designar diferentes emoções, assim, dizemos que estamos com sentimentos de raiva, tristeza, alegria, e outros. Já para Maturana, amor não especifica nenhum tipo de valor a ser cultuado, muito menos  fala em amor como um preceito cristão ou religioso. Então, o meu aluno, no Curso Normal, ao operar com os elementos que são passados pelo professor formador, valendo-se de ações como o observar, o explicar e o escutar. Ideias diferentes do modo do simples aceitar racional, desligado do emocional. Assim, este caminho explicativo, denominado pelo autor como caminho explicativo, assume-se sem distinguir entre ilusão e percepção porque se admite referenciando algo independente do observado. Percebe-se, vê-se, detecta-se com instrumentos; a razão permite dizer que isto é assim independentemente do observador.

Há ainda um segundo caminho onde aceita-se a biologia do conhecer e, nesse caso, tal independência não existe. Assume-se o fato de que o observador não pode distinguir entre ilusão e percepção. O fenômeno do conhecer tem que ser explicado sem a suposição de que é possível distinguir entre ilusão e percepção. O que está disponível para explicar o conhecer é o que o observador faz no observar, i. e., o que ele faz como observador. A existência depende, então, do observador e a isso Maturana (p. 34) chama de objetividade entre parênteses. Como ser humano, como ser vivo, o observador não pode distinguir entre ilusão e percepção, logo, qualquer afirmação cognitiva sua é válida no contexto das coerências que a constituem como válida.

Porém, precisamos considerar sempre em uma sala de aula, não só do Curso Normal, como em qualquer outra que:

há tantas realidades – todas diferentes, mas igualmente legítimas – quantos domínios de coerências operacionais explicativas, quantos modos de reformular a experiência, quantos domínios cognitivos pudermos trazer à mão (MATURANA, 2001, p. 38).

 

Logo, ao discutir o entendimento de Maturana sobre o conhecer, a cognição e o conhecimento é necessário compreender além de suas explicações sobre o observador e o observar, sua discussão feita a partir da biologia, onde ciência e conhecimento são tratados como domínios cognitivos gerados como uma atividade biológica humana (Maturana, 2001).

Na vida cotidiana, o ser humano também explica, através de reformulações da experiência, que a maneira pela qual nós validamos nossas ações na vida cotidiana, dentro de qualquer domínio operacional, envolve as mesmas coerências operacionais envolvidas no critério de validação das explicações científicas. A diferença entre nossa operação na vida cotidiana como professores e futuros professores depende de nossas diferentes emoções, de nossos diferentes desejos de consistência e impecabilidade em nossas ações e de nossos diferentes desejos de reflexão sobre o que fazemos.

Se observamos algo e desejamos explicar o que observamos, precisamos saber como observamos. Se aceitamos que o que vemos é o que vemos e isso acontece porque temos a propriedade intrínseca de ver: então, não precisamos saber como observamos. Dessa forma explicamos o que vemos e aceitamos a explicação como válida normalmente, imediatamente. E então reafirmamos o que  Maturana nos diz quando mostra que temos duas maneiras de aprender os fenômenos que aprendemos ou que desejamos aprender. Temos, em nossas reflexões que surgem na linguagem, duas maneiras para lidar com as explicações. Sendo que, cada uma dessas maneiras: aceitar ou não aceitar a origem das habilidades do observador é um ato de preferência, gosto ou curiosidade, e, por isso, sem justificação racional.

Torna-se importante salientar, que o professor em formação, meu aluno do Curso Normal, não possui o hábito de distinguir entre ilusão e percepção, contudo é capaz de gerar explicações sobre o cotidiano que partem de reformulações  do mesmo, estas explicações tornam-se válidas porque surgem de reformulações aceitas por seus pares, com embasamento racional e emocional. Quando percebemos que vivemos em uma cultura constituída em torno da apropriação, vivemos fundamentos culturais que acreditamos como existência possível, isso ocorre ao permitir que nossa cultura utilize a força e a razão para defender o que é correto e indo contra o que é errado, justificando exigências imperativas, que é o que tem sido feito. Apontar que o bem estar da humanidade precisa é da nossa ação responsável como seres humanos conscientes de nossos desejos, das consequências das nossas ações, e sem a apropriação da verdade. Isto significa que nós professores formadores, e nossos alunos do curso normal, futuros professores estejamos conscientes de como são constituídas as teorias o que fazem enquanto geram explicações ou teorias. Quando desejamos a dominação e o controle não desejamos o respeito mútuo e o respeito à natureza. Isto acontece quando usamos as teorias e explicações sem procurar saber como elas são originadas e constituídas, e sim como elas nos ajudarão a dominar o outro (MATURANA, 2001, p.164)

Então, refletindo o que está exposto e o que é vivido cotidianamente em uma prática docente, para Maturana seria como desenvolver noções de progresso, de responsabilidade social e ética que não se aplicam somente no domínio cognitivo, mas também nas ações humanas, onde a noção tem progresso teria haver com o que nós, enquanto seres humanos que somos, consideramos melhor ou desejamos que aconteça no campo da educação. Enquanto que a noção de responsabilidade social parte da consciência que queremos ou não atingir com as consequências de nossas ações. Já a noção de ética, perpassa os dois campos e surge dos nossos interesses das ações com outros seres humanos.

Pensando assim, logo o conhecimento adquirido com a prática pedagógica pode ser usado com qualquer propósito que nasça de ações oriundas da nossa linguagem e da nossa emoção, tais como as noções de progresso, responsabilidade e ética, sempre tendo como foco o aluno enquanto ser vivo, sendo este o ponto de partida e dele decorrendo. É importante lembrar que não é aceitável a supremacia de qualquer uma destas emoções sobre a outra, e ao colocá-las lado a lado, como domínios do nosso saber, reconhecemo-nas sem conferir-lhes nenhum status privilegiado, mas como dimensões do viver humano.

Logo, apoiado nas ideias de Maturana, podemos constatar na nossa vida cotidiana, seja como professores ou qualquer outra atividade, que ao operarmos como seres humanos na linguagem, nos mantemos mobilizando saberes de diversas origens e que esses saberes são produto do fazer pedagógico que os próprios que operam no dia a dia, ou elaborados por outros seres humanos. Do mesmo modo, a formação de professores reflexivos procura referir a uma prática docente sustentada no fazer do professor enquanto reflete ou faz explicações sobre o seu cotidiano, sobre conteúdos, disciplinas ou qualquer outra coisa que escolha. Ao seguirmos o que sustenta Maturana a respeito do explicar, podemos identificar a proposição de Freire como uma ação docente no domínio das explicações. Se aceitarmos isso, necessitaríamos aceitar as implicações de responsabilidade que aparecem quando entendemos esses afazeres como científicos e filosóficos a partir das proposições de Maturana aqui explicitadas. Necessitaríamos refletir, portanto, sobre essas responsabilidades como consequências dos nossos afazeres como pesquisadores e como professores. Talvez, o mais importante neste momento seria viver o que foi proposto por esse pensador, pensando que talvez neste momento seria importante procurar estarmos cientes das formas de constituição de saberes e da forma de constituição das reflexões que nos propomos realizar na nossa ação humana, especialmente como docentes. Responsabilidade é, nesse sentido que, ao procurar conhecer nossos saberes, procurarmos conhecer como conhecemos.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

MATURANA, H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.

MOREIRA, Marco Antonio. A epistemologia de Maturana

SCHLICHTING, Homero Alves; BARCELOS, Valdo. Concepções de Humberto Maturana sobre Ciência e Filosofia.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Deise Teresinha Radmann Cunha

por Deise Teresinha Radmann Cunha

Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pelotas; Aluna do curso de Pós Graduação Lato Sensu em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, ciência e tecnologia Sul-rio-grandense. Professora séries iniciais na Rede Municipal de Pelotas; Professora na Escola de Educação Infantil Palhacinho Alegria. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1665313356815463

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