LITERATURAS EM L. PORTUGUESA A UTOPIA EM TRÂNSITO SOB OS VENTOS DO IMPÉRIO (R.C)

Felicidade angolana
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Educação e Pedagogia

17/06/2015

RESENHA DE LITERATURAS EM LÍNGUA PORTUGUESA A UTOPIA EM TRÂNSITO SOB OS VENTOS DO IMPÉRIO, DE RITA CHAVES

 

Priscila Figueiredo da Mata Medeiros (UEMS)

 

O texto objeto da presente resenha encontra-se no capítulo III do livro Angola e Moçambique – Experiência Colonial e Territórios Literários, publicado pela editora Ateliê Editorial, no ano de 2005, de autoria de Rita de Cássia Natal Chaves, Professora Associada de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da USP. Chaves é uma pesquisadora fortemente engajada nos temas Literatura Angolana, Literatura Moçambicana, África, Angola, Literatura e Antropologia na instituição de ensino ao qual faz parte, tendo ainda, considerável material bibliográfico publicado acerca da temática acima apresentada. 

O capítulo III da obra em apreço, denominado Literaturas em Língua Portuguesa A Utopia em Trânsito sob os Ventos do Império, está dividido em quatro partes, as quais serão analisadas uma a uma, cujos temas seguem listados: parte I, Angola e Moçambique: O Lugar das Diferenças nas Identidades em Processo; parte II, Imagens da Utopia: O Brasil e as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa; parte III, O Brasil na Cena Literária dos Países Africanos de Língua Portuguesa e, parte IV, Vida Literária e Projeto Colonial: Tradição e Contradição no Império Português.   

A estudiosa inicia sua abordagem da parte I, Angola e Moçambique: O Lugar das Diferenças nas Identidades em Processo, trazendo à memória do leitor as relações travadas entre Ocidente e África, onde o primeiro subjuga o outro seja com grave exploração ou de forma mascarada. E é nessa adversidade que está fincada a raiz da Literatura dos povos africanos de Língua Portuguesa, pois, conforme Chaves (p. 248, 2005) “[...] as cores da violência tingem o desenho da contradição que é, afinal, a marca essencial de sua existência.”

A fim de demonstrar o quanto as relações conflituosas adentraram os traços literários africanos, o texto apresenta alguns excertos, em que literatos como Manuel Rui Monteiro e Pepetela, abordam a matança feita pelos colonizadores com o uso do fogo.  

Nesse ponto a reflexão da autora é mais complexa, uma vez que ela não apenas está expondo o quanto o confronto marca a existência da Literatura Africana de Língua Portuguesa. Aqui o cerne da questão é o conflito de ideários entre os povos colonizadores e colonizados. Enquanto para o primeiro a ideia de fogo como agente de morte não causa espanto, para o segundo, a associação fogo-morte só surge com a chegada do outro. Daí surgir outro elemento importante: o sentido da diferença (CHAVES, 2005).

Na sequência, o texto inicia de forma mais profícua sua reflexão acerca do papel da Literatura nos países africanos de Língua Portuguesa. As ideias transmitidas nesse momento são de que, História e Literatura têm um vínculo bastante forte, no qual a segunda pugna por expressar de forma dinamizada as mazelas vividas pelos povos africanos. Dessa forma, a autora passa a elencar alguns dos dilemas importantes para os pesquisadores da Literatura dos povos africanos, sob a ótica do pós-colonialismo.

No que toca à escrita, a pesquisadora apresenta o seu papel de cisão entre os civilizados e não civilizados. A discussão apresentada pela autora traz à tona a língua portuguesa como elemento formador de uma fenda entre a elite e “o restante”, sendo mais um motivo de hierarquização social em uma sociedade já tão estratificada.

A autora prossegue sua abordagem salientando, nesse momento, que em Angola e Moçambique, escolhe-se a língua portuguesa como instrumento linguístico para a práxis literária. Para exemplificar sua afirmação, ela traz como exemplo o autor Rui Noronha, que anteriormente foi estereotipado como alienado, em razão de escrever com formas greco-latinas. Conforme ressalta Chaves (2005), a revisão de sua linguagem, tempos depois, pôde, contudo, enaltecer seus aspectos positivos e, encarar seus textos, como materiais que se valem da cultura do outro, sem deixar, no entanto, de abordar sua própria cultura.


Outro importante fato mencionado no material em análise é a influência da Literatura Brasileira no seio africano. Para a autora, o Brasil foi um elemento influenciador da Literatura Africana de Língua Portuguesa, pois, o que não era possível encontrar em Portugal (o colonizador), foi possível encontrar em um país que, assim como os africanos, fora colonizado por aquele.

A parte II, Imagens da Utopia: O Brasil e as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, aborda o tráfico negreiro, que dentre outros países, teve sua porcentagem em maior escala no Brasil, 30%. Essa relação conflituosa, onde o negro se via na condição de objeto, ainda que tenha sido encerrada teoricamente com a abolição da escravatura, permanece até os dias de hoje, se forem levadas em conta as atitudes preconceituosas tanto para os negros que vivem no nosso país, quanto para os que vivem na África. Isso porque o continente africano é visto de forma estereotipada (lugar de atraso, guerras e miséria).

Dado o pano de fundo de sua reflexão, que é a relação Brasil-países africanos, a autora salienta que o Brasil foi um elemento fundamental para a formação da consciência nacionalista dos países da África de língua portuguesa. Para exemplificar sua afirmação, ela informa que José da Silva Maia Ferreira, escritor angolano, levou à sua terra elementos constantes no Romantismo brasileiro, após seu contato com nossos escritores.

No decorrer de sua exposição Chaves demonstra que alguns fatores fizeram com que os africanos tivessem esperanças de sua independência com base nas experiências do Brasil. Ao olhar nosso país como local de democracia racial, em razão de essa ideia ter sido difundida a partir da obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, eles acabavam se comparando conosco e criando ideais de liberdade. Para eles, nós éramos a imagem viva da ruptura com a metrópole.

Outro ponto importante apresentado pela estudiosa é a influência de nossos autores modernistas na Literatura Africana. Sobre essa questão, ela destaca que houve a relação entre o local e o universal.

De mais a mais, Chaves (2005) informa que alguns autores africanos mandavam seus livros para serem publicados no Brasil, em razão de estarem vivenciando em suas terras a ditadura. Dessa forma, ficam demonstradas as trocas entre um e outro povo.

A parte III, O Brasil na Cena Literária dos Países Africanos de Língua Portuguesa, inicia-se com a apresentação de dois livros, Os Agudás (Milton Gurán) e Diálogos Brasileiros: Uma análise da Obra de Roger Bastide (Fernanda Peixoto). Conforme a autora, tais livros reforçam a ideia de influência da nossa literatura na Literatura Africana.

Depreende-se da leitura das linhas iniciais da parte III, que pelo fato de o Brasil ser ex-colônia de Portugal, os países africanos tinham um sentimento de pertença em relação aos brasileiros. Aqui (Brasil) era lugar de referência, lugar de sonho.

No decorrer de sua exposição, a autora é enfática em demonstrar que o Brasil era tido como uma inspiração tanto pela parcela intelectualizada, como pelo estrato popular dos africanos, já que as semelhanças das paisagens e a força da miscigenação traziam proximidades entre esses povos.

Um texto recorrente nos artigos de Chaves (2005), constantes nesse capítulo 3 do presente livro, é o de Craveirinha, no qual o autor africano expõe seu amor pelo Brasil e a proximidade do povo africano muito mais com a Literatura Brasileira, do que com a Literatura Portuguesa.

Ao concluir sua linha expositiva, a escritora assevera que o tema identidade envolve tanto questões práticas ou reais, quanto o imaginário ou simbólico. E o Brasil foi um forte elemento representativo para os africanos, os quais souberam utilizar as situações impulsionadoras de mudança, para fins de fortalecer seu projeto libertário.

A parte IV, Vida Literária e Projeto Colonial: Tradição e Contradição no Império Português, apresenta um dado similar, tanto no Brasil quanto nos países africanos colonizados por Portugal: sistema de exploração. A autora afirma, no entanto, que esse fato se deu de forma muito mais intensa na África. Conforme Chaves (2005), isso penetrou de tal forma no âmago daquelas sociedades que ainda repercute no presente, estendendo seus tentáculos, inclusive, às obras literárias.

A partir dos pontos acima apresentados, a autora estende sua reflexão para a questão da língua. Para ela, existe uma angustiada discussão acerca da língua a ser utilizada nas produções literárias, situação essa agravada pelo fato de haver pluralidade lingüística na região, bem como a alta taxa de analfabetismo.

Chaves (2005) prossegue sua exposição salientando que a literatura é utilizada como elemento de transformação social, sendo, portanto, um importante fator de reivindicação, que apesar de não desconsiderar a estética do texto, visa ser algo maior que isso. Essa é a chamada ruptura, na qual o homem da terra visa tirar de suas costas o estereótipo de ser exótico.

Outro traço apresentado pela pesquisadora é o fato de essa literatura trazer sempre em seu bojo o elemento exótico, o que revela uma dificuldade de enxergar o outro. Além disso, ela salienta que os heróis são sempre os portugueses que realizam feitos incríveis e, ao realizarem sua “missão”, voltam à sua terra. Com relação ao negro, quando é retratado nas narrativas, é apenas um coadjuvante.

De outro vértice, a autora nos apresenta autores que eram contrários às propostas colonialistas, a saber, Alfredo Trony e Cordeiro da Matta. Conforme ela assevera, tais autores dão um lugar de importância à figura do negro, além de veicularem as produções da terra. Outros autores são apresentados como agentes de mudança, são eles, Castro Soromenho, Manuel Ferreira e Nuno Bermudes. Em obras desses escritores, o africano é presente como personagem, até mesmo, protagonista, em narrativas que apresentam o colonialismo como estrutura fracassada (CHAVES, p. 297, 2005).

Por fim, Chaves (p. 301, 2005) admite que, se forem considerados os fatores complexos aos quais estavam inseridas, as produções literárias dos africanos de Língua Portuguesa “[...] conseguiram cumprir uma espécie de travessia, e seus passos, mesmo se limitados [...] foram compreendidos pelos escritores que se empenharam na [...] literatura que correspondesse ao estatuto de país libertado.”

A obra em análise é um importante material que ajuda a fortalecer a pesquisa na vertente pós-colonial. Ao longo de sua exposição, a autora demonstra domínio de suas assertivas, as quais estão embasadas em importante material bibliográfico consultado pela mesma. A disposição das ideias é feita de maneira clara, porém, longe de ser rasa, já que suas reflexões são profundas e abastadas.

Verifica-se no corpo de sua pesquisa, que a autora se preocupou em trazer à luz algumas ideias de autores africanos, as quais, muitas vezes, foram expostas nas próprias palavras dos mesmos, facilitando ao leitor, a compreensão dos ideais trazidos por cada um. A estudiosa foge do pensamento comum, dando a toda sua pesquisa farto embasamento teórico, o que torna sua obra um relevante suporte bibliográfico.

Ante o estudo aprofundado ao qual está amparada, bem como a excelência dos projetos acadêmicos nos quais os artigos constantes nesse capítulo foram apresentados, a presente obra é indicada a todos os estudiosos e amantes da Literatura Africana de Língua Portuguesa. Devido a sua vertente pós-colonial, a obra em análise será bastante apreciada por pesquisadores dessa linha.

Acadêmicos de Letras também serão grandemente beneficiados pelo trabalho de Chaves, uma vez que sua obra, conjugada com as demais disciplinas do curso trazem uma noção bastante clara acerca do nascimento da literatura de resistência contra os mandos da metrópole.



REFERÊNCIAS




CHAVES, Rita. Angola e Moçambique: Experiência Colonial e Territórios Literários.Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005 (Estudos Literários, 20). Parte III. Literaturas em Língua Portuguesa: A Utopia em Trânsito sob os Ventos do Império, 243-302. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=Fpe4L4zKu9MC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false. Acesso em 15 de junho de 2015.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Priscila Figueiredo da Mata Medeiros

por Priscila Figueiredo da Mata Medeiros

Especialista em Educação a Distância -- UCDB e Portal Educação. Bacharel em Ciências Jurídicas - UCDB. Acadêmica de Letras - UEMS. Inglês Básico; Curso de Latim - NEL/UEMS; Curso de Espanhol - NEL/UEMS; Curso de Língua Brasileira de Sinais - (Nível I); Curso de Extensão em Biodireito; Curso "Como Produzir um Curso a Distância".

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