A Contemporaneidade como fase de receptividade de Novos Paradigmas

A educação formal como transmissora oficial dos paradigmas científicos
A educação formal como transmissora oficial dos paradigmas científicos

Educação e Pedagogia

11/05/2014

O mundo contemporâneo tem sido caracterizado por dinâmicas sociais. Dinamicidade cuja força estimula novas formas de se perceber a realidade, de interagir e de se promover novas relações de poder. Novas demandas desencadeadas nas lutas de sobrevivência atribuem novos significados nas relações, tornando-as cada vez mais complexas. Dessa forma, as crises, a tensão e o conflito não são mais vistos como ‘disfunções’, mas como oportunidades de crescimento e transformações. A crescente complexidade das relações nos processos sociais caracterizados pelas ‘mudanças’ constantes nos tempos atuais - por estarem imbuídas no complexo processo de relações humanas - sinergeticamente articulados, tomam força de uma ‘virada cultural’ de dimensão histórica. O que surgiria e tornaria característico na era moderna, atinge seu apogeu na Contemporaneidade, como fase de revoluções, de incursão de novos paradigmas e transformação social. ‘Mudanças’ desencadeadas pelos indivíduos em épocas de ‘revolução’, próprias de fins de eras civilizadas, quando depreendiam-se também do amadurecimento científico e dos movimentos gerados a partir de ‘correntes filosóficas’ propostas por ‘pensadores’ geradores de reflexão subsidiárias de tais transformações. Esses movimentos trouxeram à tona dúvidas relativas à liberdade humana, aos direitos individuais e às questões que envolvem a moral e à ética e que, introjectados pelos indivíduos como práticas sociais, assumem formas de cultura.

Traçando, de modo breve, algumas prerrogativas a cerca das mudanças de paradigmas, podemos dizer que os processos sociais cujas culturas sustentam os ‘modelos’ – temporariamente concebidos como “verdade” – passam a ser questionados e postos à prova devido ao advento de outras “verdades” aceitas pela geração em ebulição. Essas “reivindicações” ocorrem devido à mudanças de ‘visão de mundo’, cristalizadas pelas gerações que se sucedem às demais. Mudanças de visão de mundo desencadeadas pelos indivíduos sociais cujas tradições são mutáveis e que, a partir do momento em que passam a ser entendidas como “ultrapassadas” por motivo de ‘erros’, ‘ilusões’ ou ‘limitações de entendimento’ constituem “novas visões” sobre a realidade.

Assim ocorrem as mudanças de ‘paradigmas’ que geralmente são concebidas de acordo com determinada matriz epistemológica como proposição maior e que de certo modo, impunha-se, por meio das tradições, como delineadora de caminhos científicos e metodológicos de se apreender e processar os conhecimentos humanos. Os modelos de educação formal institucionalizada, tecidos decerto, tangenciados por uma construção de inúmeros argumentos ideológicos, são também “ditados” pelos paradigmas. Assim, “a busca da verdade está doravante ligada à investigação sobre a possibilidade da verdade” (MORIN, 2005), pois o conhecimento, enquanto necessidade humana de auto-percepção e rompimento de limites, é absolutamente um campo inesgotável de possibilidades ideológicas e arranjos sociais intrínsecos. Por isso, o conhecimento não se dissocia completamente dos valores culturais de quem o constrói, pois, na verdade, sabe-se que existe sempre uma influência subjetiva na relação que surge entre o objeto estudado e o investigador que o estuda: qualquer cientista olha o mundo através das lunetas do seu espírito e não pode vê-lo com outros olhos que não os seus (BURGUETE, 2004). Assim, ser agente dos processos de produção do conhecimento formal ou informal, é de certa forma, participar das possibilidades incondicionais do conhecimento humano, assim como criar, recriar e, inevitavelmente, apagar memórias.

O século 20 se desenrolou com a humanidade testemunha de duas transições “pesadas” e que afetaram a sociedade contemporânea. Trata-se do advento da sociedade do conhecimento, tratado por muitos como revolução tecnológica; e a era de globalização. Esses dois elementos de ‘revolução’ elevam o pensamento dos habitantes deste sistema planetário a pensar de maneira diferente em relação ao seu ‘estar no mundo’. Assim, a ideia de local passa a ter uma dimensão de global, planetário, quebrando definitivamente com sistemas de conhecimentos oriundos de uma matriz epistemológica anterior, a Newtoniana-Cartesiana. Essa versão do conhecimento se organiza dialeticamente para se pautar em um paradigma emergente que se apoia sobre o ‘conceito de sustentabilidade’ em que o indivíduo, deixa de ser apenas “um indivíduo’ e passa a ser ‘cidadão do mundo’. O que não deixa de ser, por conseguinte, muito “aproveitado” pela indústria de consumo e da tecnologia, quando vende a ideologia de ser humano feliz enquanto consumista planetário. No entanto, é um abutre embutir essa ideologia em toda uma população, já que o homem comum vive “bem e melhor”, logo credor de uma felicidade, além de suas expectativas “reais” e “limitadas” enquanto humano mortal e que, sui generis, constitui sua existência em função de suas necessidades primárias a cerca do que lhe possa ser útil. Em comum acordo com Espinosa (1632-1677) a felicidade é a real compreensão lógica do mundo e da vida; e a imaginação (pensar uma coisa que não existe, ou viver em função de “mentiras’ ou de “ilusões perdidas” do mundo imaginário) é fonte de toda a superstição e infelicidade no mundo.

A consciência individual - diferente da anterior, ideologicamente criada e forjada por uma consciência coletiva de natureza neoliberal - de que ser cidadão é estar conectado com o mundo, tem seu real motivo no consumo material, necessário à sobrevivência da macroestrutura econômica cuja meta de consumo é atingir todas as partes do mundo.

“E meio a uma crise global, de tão graves proporções, muito se fala ultimamente em diferentes instâncias das sociedades modernas, em mudanças de paradigma como reconhecimento da necessidade premente de construção de um novo modelo que, para além dos limites da racionalidade científica, crie as condições propícias a uma aliança entre ciência e consciência, razão e intuição, progresso e evolução, sujeito e objeto, de tal forma que seja possível o estabelecimento de uma nova ordem planetária.” (RÉGNIER, 1995, p. 3).

O poder do paradigma emergente se torna contundente e irreversível, pois a humanidade, há tempo, sentia-se imune de uma “boa” dose de “esperança” e acabara de sair de algumas turbulências: somos reféns de duas guerras que sacudiram o mundo, da ameaça de divisão do mundo em dois blocos, de revoluções que ameaçam substituir o homem pela máquina, e a mais recente, da possibilidade do ‘fim do mundo’. Em meio a tudo isso, está a transição de uma sociedade industrial, voltada para a produção de bens materiais, para a sociedade do conhecimento pautada na produção com uso intensivo de tecnologias. Em outras palavras, a ideologia veiculada pela sociedade do conhecimento dos meios de informação apresenta a esperança do que faltava para um futuro incerto. A crise e superação da matriz epistemológica newtoniana-cartesiana se dá em diversos aspectos.

Por uma questão didática e argumentativa, já que tudo que devíamos falar ao final falamos ao início, vamos explicitar alguns pontos desta visão para entendermos melhor as colocações iniciais.

A tradicional visão newtoniana-cartesiana acompanhou todas as áreas do conhecimento do século XIX e grande parte do século XX. Essa visão partia do princípio de uma proposição mecanicista e reducionista que levou à fragmentação e divisão, levando em consideração às partes em detrimento ao todo. Dessa forma, o conhecimento era visto como partes. O conhecimento era um grande compartimento composto de gavetas e em cada gaveta havia um conhecimento humano. O conhecimento era fragmentado, demandando descargas e “insights” de conhecimento aceitos como científicos advindos da racionalidade, objetividade, separativa e estimulado pela decomposição do todo em partes, impulsionadores da constituição do conhecimento reducionista. Pois, o todo está em cada uma das partes, e, ao mesmo tempo, o todo é qualitativamente diferente do que a soma das partes (CARDOSO, 1995, p. 49).

Essa concepção é filha de duas irmãs gêmeas: a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico e a física clássica de Isaac Newton, discípulo e precursor da ciência moderna de Galileu Galilei. Na contemporaneidade a física quântica assume este papel, inclusive colocando abaixo muitos até então tidos como “inabaláveis”.

O sacerdote e astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), escreveu o livro ‘Da revolução das esferas terrestres’ em que combatia a teoria geocêntrica de – a terra como centro do universo – Giordano Bruno que se apoiava na ideia do astrônomo grego Ptolomeu e a física de Aristóteles. Sua teoria demonstrava que a Terra girava em torno do Sol e que este era o centro do universo. A formulação de Copérnico de que o Sol e não a Terra era o centro do universo, trouxe para o conhecimento daquela época um novo paradigma, baseado na observação direta da realidade e a representação matemática. Este paradigma serviu de base para o desenvolvimento do pensamento científico, com implicações evidentes no campo filosófico e que consequentemente orientou importantes questões no que diz respeito à essência humana, à moral e ao campo político, por séculos. Nesta perspectiva, apresentam-se dois filósofos de importante definição na contribuição do desenvolvimento deste pensamento científico: Montaigne e Maquiavel.

Michel de Montaigne (1523-1592) desenvolveu seu pensamento a partir do epicurismo e do estoicismo (doutrinas filosóficas cuja base é a ideia de que a verdadeira felicidade está na virtude de se fazer o bem e cultivar dons espirituais) o que na educação refletiu a exigência de um método submetido à reflexão. A abordagem gerou um certo incômodo, pois colocava a razão como objeto da opinião e a dúvida como parte do processo dialético “ pois só os loucos tem certeza absoluta em sua opinião.”. (MONTAIGNES, p. 78).

Nicolau Maquiavel (1469-1527) descreveu o poder político exercido pelo estado como necessário.

Para ele,

“A propensão para o bem, para a construção da boa sociedade, não está inscrita na natureza humana. Esta, ao contrário, é má, fazendo-se necessária a existência do Estado para coibir os maus instintos do homem. Isto, para Maquiavel, deve ser levado em conta por todo aquele que está no exercício do poder”. (GOMES, p.80).

Na contemporaneidade o debate ‘estado mínimo’, proposto por ideários neolieberais acarreta a ideia de que o Estado deve interferir cada vez menos na vida das pessoas.

A Terra era o centro do universo e o homem habitante deste planeta sentia-se seguro e ordenado, pois fora batizado como ser de imagem e semelhança de Deus, e que no céu habitava a futura morada. A Terra era o centro do universo. As novas concepções da ciência nascente, juntamente com a desvinculação da Terra como centro do universo, desarticulou o homem, deixando-o inseguro e confuso.

“ O homem perdeu seu lugar no mundo, ou, mais exatamente, perdeu o próprio mundo que formava o quadro de sua existência e o objeto de seu saber, e precisou transformar e substituir não somente suas concepções fundamentais, mas as próprias estruturas de seu pensamento”, (KOYRÉ, 1961).

Na perspectiva de se perder de vista o centro, dito até então, com base na tese aristotélica de espaço hierarquizado, - ou seja, de acordo a tese de que um lugar possui propriedade diferente de outro - fazia-se necessária a busca de um novo espaço para ser o centro. Em articulação com a perplexidade e com as profundas transformações decorrentes da crise do geocentrismo antigo e medieval, a cultura e a produção do conhecimento funcionaram como um refúgio capaz de abrigar um homem agora diminuído e perdido no mundo. Ela funcionou como um lugar simbólico – fosse por seus atributos de simples lugar, fosse pelo fato de ser um lugar exclusivamente humano, como uma morada - capaz de conferir ao humano um sentido de pertença e uma identidade única que ele pensava ter perdido. Seu lugar não é mais a Terra, como também não fora o Sol.

Agora mais do que nunca o mundo é mais que o universo, ele é pequeno para o que reserva as inúmeras galáxias. Assim, é em si mesmo que o homem encontra o seu “eu” como o centro. Na contemporaneidade, o homem, ser humano, aborda o mundo com base na ideia de que a realidade é representada pela mente. O mundo passa a ser interpretado como realidade representada. Estamos em risco de sermos atingido por um objeto planetário que pode estar em direção à Terra. A morte nos proporciona a incerteza e a desilusão ... A produção material, não nos basta. Nossa vida, só, não basta. Agora é o homem e sua razão que será o centro do mundo. Ocorre-se o que parecia impossível. Une-se a fé e a razão? Agora, a ‘fé’ e a razão parecem parceiras, e o “acreditar” podem estar de novo atuantes. Devemos estar unidos com quem nos ‘compartilha’. Eis aí o poder das “relações”, das redes sociais...

Anteriormente, a realidade passava ser explicada pelas formulações racionais. Galileu Galilei (1564-1642) explicava o mundo concreto, sensível por meio de relações matemáticas e geométricas. Defensor da cosmologia que se desenvolveu a partir da teoria heliocêntrica de Copérnico, defendia a experimentação para comprovar suas teses. Antes de Galileu, o método utilizado era de Aristóteles, quem utilizava o entendimento do funcionamento de uma coisa – mesmo por meio de convenções para provar a eficácia da afirmação sobre o que se dizia sobre ela - como único e exclusivo método para chegar o conhecimento sobre o objeto. Com Galileu, o conhecimento era formulado, não por meio da convenção que pode se transformar em ‘achismo’, mas com experimentação observável e conjugada por vias matemáticas. Sua investigação científica tinha como base metodológica a observação paciente e minuciosa dos fenômenos naturais; a realização de experimentação para comprovar uma tese; e a valorização da matemática como instrumento capaz de enunciar as regularidades observadas nos fenômenos. Isaac Newton (1642-1727), seguindo os métodos de Galileu, através de seus experimentos cria a física clássica, que serviria de base para a investigação sobre o conhecimento da filosofia no século XVII. Neste contexto de concepção de conhecimento a partir da razão objetiva como método de busca da verdade, surge, René Descartes (1596-1650), filósofo que vai se estabelecer seu ‘modelo’ de investigação como paradigma de todo método científico. Para ele, a dúvida é o princípio de toda racionalidade.

A aplicação do método da dúvida metódica levou-o a chegar a conclusão de que a única certeza da existência do ‘ser’ estava em ter certeza de seu pensamento. Da dúvida metódica chega-se ao dualismo cuja tese defendida era que no mundo haveria apenas duas substâncias, essencialmente, no mundo físico, distintas e separadas, que era a pensante – o pensamento; e a extensa – que é o mundo material. O mundo material é o que vejo, sinto e pego. Além do mundo metafísico que seria o infinito, onde residia Deus. O dualismo cartesiano que se apoiava na concepção de mundo que separa radicalmente matéria e espírito, ou corpo e mente e a física clássica que acreditava piamente que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço constituem uma concepção mecanicista e determinista. Paradigmas que reforçaram com Charles Darwim o paradigma do ‘Evolucionismo social ou ‘Darwinismo Social’ influentes substanciais nas formas de relações mantidas entre indivíduos, aceitas socialmente e recomendadas como ‘norma’ por séculos no mundo ocidental.

Segundo Ribeiro (2003), tanto o evolucionismo social quanto o darwinismo social, de maneira geral, compartilhavam a ideia de as sociedades mudariam e evoluiriam em um mesmo sentido e que tais transformações representariam a transposição de um nível menos elevado para um estágio superior. Para ela, dessa ideia surgiram vários paradigmas perigosos para uma ‘democracia planetária’, já que este ideário garantia a existência de uma ‘alta’ e uma ‘baixa’ cultura, além da ideias de que se existia raça pura, mais aperfeiçoada nos processos civilizatórios, ou não, etc. De maneira análoga ao desenvolvimento do homem, também as sociedades, dessa forma, estariam sujeitas à lei da seleção natural. Dentro de um determinado contexto, prevaleceriam as sociedades mais aptas e capazes, sendo as outras extintas, quer pela luta com as mais “desenvolvidas”, quer pela dificuldade de superar obstáculos naturais.

Esse paradigma partia do princípio de que seria o melhor e mais competitivo os representantes de um estágio de evolução superior. Essa matriz epistemológica gerou paradigmas aceitos até então como a ideia de ‘raça pura’. Paradigma que acompanhou séculos como verdadeiro refletiu definitivamente na ideia de ‘super raça’, e que trouxe em si uma ideia de ‘disputa’ muito grande. Por isso, a educação escolar primava pelo mais “preparado” e mais “inteligente” e sucumbia os “fracos” e abnegados. A educação formal como transmissora oficial dos paradigmas científicos funcionou de maneira muito eficiente quando estimulava a competitividade, tornando poucos ‘destacados’, aptos e mais desenvolvido. Por meio de seleção, colocava sempre o “melhor” ao ‘centro’, em destaque e em frente aos outros, proliferando uma postura do ser individualista e competitivo.

A crise do homem moderno se relaciona a esta busca de espaço em um mundo que se tornou infinito, sem centro. O homem moderno consciente de que não é mais o centro da natureza, não mais ocupa o centro do mundo natural, torna-se órfão em uma crescente crise de maioridade. Ele é por si só. Somente ele pode transformar o mundo natural. O que para ele parece ser uma tarefa infinita, já que sente-se aniquilado numa possibilidade ciberespacial. O conhecimento é mutável, nós somos mutáveis à viver da sorte de não se haver uma colisão de um asteróide que ‘despenca’ na galáxia’ e pode causar o ‘fim do mundo’.

Em contrapartida, seduz-nos a certeza de saber que se somente o homem pode produzir o conhecimento sobre as coisas, as coisas só existirão, a partir do momento em que o homem disser que elas existam; somente ele, por meio da razão (ou fé?) pode-se gerar explicações para o mundo que passa a ser representado. A representação do mundo via conversão lhe emana ‘criador’, gerando antagonismo e sensação de poder. As impressões antagônicas deste ‘admirável mundo novo’ apresenta-nos um novo perigo: a sensação de acharmos que neste ‘mundo’ resta-nos ser perigoso e desencadeador da ‘destruição’ para sentirmos que somos detentores de ‘poder’.

Descartes concluiu, porém, que o pensamento (ou consciência) é algo mais certo que qualquer corpo, pois ele considerava a matéria ‘algo apenas conhecível, se é o que o é, por dedução do que se sabe da mente. ( RUSSEL, p. 88). A concepção idealista de Descartes desencandeia outras teorias sobre o real e o imaginário. Como por exemplo, sabermos que o racionalismo demonstrava que sempre deveríamos descofiar de nossos sentidos, e que, o verdadeiro método para se chegar a uma verdade, não eram os sentidos, que sempre devem ser desconfiáveis, mas sim a dedução lógica. Nesse sentido, considerava-se que, no passado, dentre todos os indivíduos que buscavam a verdade, somente os “ matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, isto é, algumas razões certas e evidentes”. (DESCARTES, p. 39).

Por isso, para ele, o método da busca do conhecimento devia ser baseado nas regras da evidência, uso das ideias inatas encontradas na própria atividade mental do indivíduo; as regras de análise, cuja apropriação devia-se ser em decomposição em partes para melhor análise; as regras de síntese, dos problemas mais simples aos mais complexos; e a regra de enumeração em busca de omissões ou lacunas. Essa concepção dualista do ser humano foi sentida em diversos campos de produção do conhecimento. Seu método contribuiu gradativamente para uma visão reducionista da realidade.

“ Por fim, as filosofias de Espinosa, Leibniz, de Malebranche, atestam a importância da revolução cartesiana: elas constroem-se na meditação dos problemas postos por Descartes, e seguindo estruturas do seu pensamento.” (ALQUIÉ, p. 141).

Com esse método, Descartes celebrizou-se mais pelas questões que levantou do que propriamente pelas que as resolveu. Assim, se no paradigma anterior era-se “praxe” levantar questões, agora é respondê-las. Resolver problemas, para a vida tornar-se mais “soft”.

A matriz epistemológica do conhecimento em ascensão propõe o desmoronamento da tradicional. O novo paradigma em imersão traz o conhecimento para o campo da ética. São as relações construídas com o outro, assim como seu poder de ‘persuasão’ na resolução de problemas que se define o nível de conhecimento do sujeito. O conhecimento a ser construído com o outro que passa a ser o conhecimento verdadeiro, digno de uma verdade. Essa nova demanda de conhecimento batizado num clima de revolução científica, cultural e tecnológica coloca em choque ideários advindos do evolucionismo e do cartesiano. O novo paradigma de ciência sustentado pelo advento da física quântica, a teoria da relatividade, o princípio da incerteza, a lei de entropia e as teorias do caos e das supercordas, tornou-se fato marcante no século XX, influindo, decisivamente, nas proposições formuladas pelas áreas do conhecimento do século corrente, pretendente ao estabelecimento de um paradigma emergente. É o todo em detrimento às partes. O paradigma emergente emerge da consciência coletiva em que o indivíduo passa a ser cidadão de comunidade interligadas e multi-colaborativas. Busca-se formar cidadãos mais humanos, conscientes de seu ‘estar’ no mundo, responsáveis por interesses comuns, sensíveis, e que venham buscar o sentido da vida ‘tal e qual ela é’. No novo paradigma, sabe-se que o “melhor” não é aquele que supera o outro, numa perspectiva competitiva e competidora, mas aquele que vence a si mesmo para a convivência com o ‘outro’. Num processo sinergético de superação, o novo paradigma convida a todos vencer seus medos e obstáculos, sempre em prontidão para ser uma ‘nova pessoa’, que se adapte a situações novas e que seja capaz de, por meio de sua atuação no mundo, transformar. O novo paradigma relança um novo olhar sobre o destino humano em que as forças de trabalho se unem com base na alteridade, embasadas na força das culturas num projeto laico de se viver uma utopia de uma sociedade mais justa e igualitária. Desta asserção deprende-se o conceito de ‘razão’ contemporânea, quando a indisciplina social, a cada dia, desmantela o ‘quadro vivo social’ dos processos impostos de “aceitação” e sugere a ‘inovação’ de modo definitivo das estruturas da sociedade do consumo em que pessoas são tranformadas em produto de mercado num jogo contraditório de poder.

Ressachando isso pode-se perguntar ao “homem comum”: quem tem a razão?

E ele não mais vai ter embaraço e,

“ (...) Ao ser pressionado para dar uma resposta, o homem médio dirá que as coisas racionais são as que se mostram obviamente úteis, e se presume que todo homem racional é capaz de decidir o que é útil pra ele. (...) a fim de provar que aquele que vive à luz da razão objetiva vive também uma vida feliz e bem sucedida.” ( HOCKHEIMER, p. 11-13).

Em fim, o paradigma emergente na contemporaneidade consiste na construção do éthos enquanto elaboração subjetiva de estilos de vida próprios de sujeitos autônomos, capazes de promover a gestão de sua própria liberdade fazendo de suas escolhas a arte de sua própria vida.


RESUMO

O artigo “A Contemporaneidade como fase de receptividade de novos paradigmas” propõe uma reflexão acerca dos novos modelos de conhecimento e de “verdades” que se estabelecem na contemporaneidade. Para isso, o autor faz um breve balanço sobre os pensamentos filosóficos que tornaram-se paradigmas e formaram a matriz epistemológica do conhecimento sistematizado ocidental e, consequentemente, nos modelos de educação, até então vigentes.

REFERÊNCIAS

ALQUIÉ, Ferdinand. A filosofia de Descartes. São Paulo: Presença.1974, p. 14.

BURGUETE, Maria da Conceição. História e Filosofia das Ciências. Lisboa: Instituto Piaget, 2004, p. 10.

CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. A canção da inteireza. Uma visão holística da educação. São Paulo: Summus, 1995 p. 49.

DESCARTES, Renée. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural. 1987, p. 39.

HOCKEIMER, Max. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor do Brasil. 1976, p. 11-13.

KOYRÉ, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito. Lisboa:Gradiva, 1961. p.14

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.16.

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. São Paulo:Abril cultural. Coleção Os pensadores, p. 78

RÉGNIER, Erna Martha. “Educação/formação profissional: para além dos novos paradigmas”. Boletim técnico SENAC no.21(1). Rio de Janeiro. Jan-fev., 1995, p. 3.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. Introdução da História da Educação Brasileira - A organização escolar. 18ª ed. São Paulo: Autores Associados, 2003.

RUSSEL, Bertrand. História da filosofia ocidental. 4. Edição. Brasília:UnB; São Paulo: Nacional v. 2, p. 88.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Paulo Sergio Barbosa Campos

por Paulo Sergio Barbosa Campos

Paulo Sérgio Barbosa Campos É formado em letras. Pós-graduação em Linguística e Semiótica-USP. Mestrando em educação, Arte e História da Cultura-Universidade Mackenzie-SP.

Portal Educação

UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93