Intervenção Psicopedagógica no TDAH: Um Estudo de Caso

TDAH
TDAH

Educação e Pedagogia

19/09/2012

Introdução
Esta pesquisa trata do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade através de um estudo de caso. Apesar de não existirem dados epidemiológicos recentes sobre a incidência dos transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância no Norte do Brasil nem em outras regiões do país, os manuais de classificação e diagnóstico que oficialmente reconheceram e nomearam os transtornos infantis afirmam que uma população qualquer de crianças escolares apresentará sinais de transtornos de natureza emocional, social, motora ou cognitiva.

A classificação dos transtornos na infância pelos manuais estatísticos e diagnósticos é normalmente relacionada aos domínios do comportamento humano, havendo controvérsias sobre a especificidade destes transtornos. Entretanto, alguns déficits de aprendizagem têm sintomatologia especifica que definem o transtorno e orientam a classificação. Este é o caso do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade.

A ocorrência do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade em crianças escolares traz graves implicações não só para o seu processo de desenvolvimento, mas, também, para a rotina do profissional (particularmente da área de educação) envolvido no atendimento desta criança num contexto social complexo como é a sala de aula. A presença de uma criança que demanda atenção diferenciada pelas dificuldades que apresenta requer uma intervenção profissional que possa suprir as suas necessidades de atenção e cuidado ao mesmo tempo em que promova a sua independência em superar ou lidar com as suas limitações.

O especialista em Psicopedagogia, cujo papel está centrado nos processos de aprendizagem humana e nas dificuldades encontradas na evolução atípica destes processos, tem como uma de suas funções organizar os fatores inerentes ao processo educacional e oferecer os subsídios para a educação inclusiva de crianças com transtornos de aprendizagem, como o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.

Os objetivos deste trabalho são: levantar informações sobre o desempenho social, motor, cognitivo e emocional de uma criança com suspeita de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade no ambiente escolar e domiciliar; identificar fatores ambientais (humanos e materiais) associados ao contexto de aprendizagem escolar; estabelecer e executar plano de Intervenção Psicopedagógica com a participação da família.

Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: O Que É? Como Intervir?
O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade constitui um problema de saúde mental que tem três características básicas: a desatenção, a agitação e a impulsividade, causando grande impacto na vida da criança ou adolescente portador e das pessoas que fazem parte do seu convívio, pode gerar dificuldades emocionais e de relacionamento familiar e social, bem como dificuldade de aprendizagem e baixo rendimento escolar e, muitas vezes, é acompanhado de outros transtornos mentais.

Segundo Low (2006, p. 225), o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, associado ou não a dificuldade no aprendizado, ganhou importância significativa na pauta de discussões familiares e escolares e tem despertado pesquisas em vários campos correlatos.

Perspectiva Histórica e Prevalência
A nomenclatura do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade tem evoluído (disfunção cerebral mínima, síndrome da criança hipercinética, desordem e déficit de atenção), refletindo a dificuldade de encontrar critérios para um diagnóstico acurado (LOW, 2006, p. 225).

A prevalência geralmente mencionada é de 3 a 5% em escolares. Estudos epidemiológicos mais rigorosos observam taxas de 4 a 12% da população geral de crianças de seis a doze anos de idade (BROWN et al. apud VASCONCELOS et al., 2003, p. 68).

A prevalência de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade em crianças escolares de uma escola primária pública foi de 17,1% em Porto Alegre (VASCONCELOS, 2003, p. 67).

Segundo Manual de Diagnóstico Estatístico das Doenças Mentais, 4ª revisão, (DSM-IV), o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é muito mais frequente no sexo masculino, com razões masculino-feminino sendo de 4:1 a 9:1, dependendo do contexto (American Psychiatric Association - APA, 1994).

Fatores de Risco
Apesar do grande número de estudos realizados, as causas precisas do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade ainda não são conhecidas. Entretanto, considera-se principalmente a influência dos fatores genéticos e ambientais no seu desenvolvimento.

A Associação Brasileira do Déficit de Atenção ressalta que:
(...) portadores de TDAH têm alterações na região frontal e as suas conexões com o resto do cérebro. A região frontal orbital é uma das mais desenvolvidas no ser humano em comparação com outras espécies animais e é responsável pela inibição do comportamento (isto é, controlar ou inibir comportamentos inadequados), pela capacidade de prestar atenção, memória, autocontrole, organização e planejamento(...) (ABDA, 2006).

O que parece estar alterado nesta região cerebral é o funcionamento de um sistema de substâncias químicas chamadas neurotransmissores (principalmente dopamina e noradrenalina), que passam informação entre as células nervosas (neurônios).

Cresce a área de pesquisa que deverá trazer importantes subsídios para o entendimento do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade nos próximos anos. Quanto aos fatores genéticos, é importante ressaltar que:

(...) estudos realizados com famílias de crianças e adolescentes com TDAH, bem como com gêmeos, têm indicado significativa a participação de um componente genético na gênese do transtorno. Na prática clínica, não é incomum que os pais relatem, surpresos, que eles próprios apresentavam na sua infância ou adolescência os sintomas pesquisados de desatenção, hiperatividade ou impulsividade (...) (ROHDE; BENCZIK, 1999, p. 57/58).

Crianças com familiares de primeiro grau com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade têm maior probabilidade de apresentarem o transtorno. No caso de um dos gêmeos univitelinos apresentar diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, a chance do outro também ser portador é de 80 a 90% (ROHDE; BENCZIK, 1999, p. 58). Segundo Rohde e Halpern (2004, p. S62) a herdabilidade estimada é superior a 70% em vários estudos, corroborando o forte componente genético que contribui para a variedade de comportamentos ligados ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade em crianças e adolescentes. Entretanto, provavelmente não é herdado como uma simples doença genética, constituído uma vulnerabilidade ou tendência para o mesmo (ROHDE; BENCZIK, 1999, p. 58).

Algumas características apresentam-se como agravantes para os sintomas e fazem parte dos fatores ambientais. Segundo Rohde e Benczik (1999, p. 61), algumas delas são: a) funcionamento familiar caótico; b) alto grau de discórdia conjugal; c) baixa instrução materna; d) famílias com nível socioeconômico mais baixo; e) famílias com apenas um dos pais ou em que o pai abandona a família.

Ao menos em alguns casos, os desentendimentos familiares e a presença de transtornos mentais nos pais parecem ter participação importante no surgimento e permanência da doença no contexto emocional da criança. No entanto, não é possível estabelecer relação de causa e efeito entre os agentes ambientais e o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.

Existem ainda outros fatores possivelmente relacionados ao Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade. A Associação Brasileira do Déficit de Atenção (2006) reflete que substâncias ingeridas na gravidez, como a nicotina e o álcool podem causar alterações em algumas partes do cérebro do bebê, incluindo a região frontal orbital; que alguns estudos mostram que gestantes que apresentaram sofrimento fetal tinham mais chance de terem filhos com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade; e que crianças pequenas que sofreram intoxicação por chumbo podem apresentar sintomas semelhantes aos do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Entretanto, muitos destes estudos somente mostram uma associação entre estes fatores, não uma relação de causa e efeito.

Diagnóstico
A partir do diagnóstico, torna-se possível a adoção de medidas que incluem um novo direcionamento da educação da criança, não apenas na escola, mas em casa e em outros ambientes, provendo atenção de acordo com as suas necessidades. É fundamental aumentar a acurácia diagnóstica (STEER, 2005, p. i23), a fim de instituir precocemente uma intervenção interdisciplinar, incluindo um trabalho educacional que seja integrado, abordando pais e professores, baseado em compreensão, perseverança e paciência.

Para fins diagnósticos, o DSM-IV (APA, 1994) exige que os sintomas de transtorno de atenção, hiperatividade e impulsividade tenham surgido antes dos sete anos, que ocorram frequentemente, que sejam mal adaptativos e inconsistentes com o nível de desenvolvimento da criança, que persistam por, no mínimo, seis meses e se manifestem em dois ou mais ambientes, por exemplo, na escola e em casa. Pelo menos seis dos nove sintomas de desatenção e/ou seis dos nove sintomas de hiperatividade/impulsividade têm que estar presentes frequentemente na vida da criança.

Faz-se necessário lembrar que:
(...) embora a maioria dos indivíduos apresente sintomas tanto de desatenção quanto de hiperatividade-impulsividade, existem alguns indivíduos nos quais há predominância de um ou outro padrão. O subtipo apropriado (para um diagnóstico atual) deve ser indicado com base no padrão predominante de sintomas nos últimos seis meses (...) (APA, 1994).

A criança com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade com predomínio dos sintomas de desatenção apresenta pouca atenção e com frequência comete erros em trabalhos escolares e provas por descuido. Geralmente, distrai-se quando o professor está falando, pensando em coisas que não dizem respeito à aula. Apresenta grande dificuldade em fazer as atividades de casa sozinha, porque se distrai a todo o instante. Ainda em casa, a criança funciona sob a pressão dos pais ou do tempo, como, por exemplo, o dia de determinada prova ou a entrega de algum trabalho escolar. Quando está fazendo algo de seu interesse, como ver televisão ou jogar videogame, é capaz de ficar tão concentrada que parece não escutar quando é chamada. O desinteresse, por outro lado, acarreta desconcentração.

Em geral, as crianças com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade são muito desorganizadas com seus pertences e na maneira como tenta fazer as coisas. Este tipo parece ser mais comum em meninos e estar associado a maiores dificuldades de aprendizagem (ROHDE; BENCZIK, 1999, p. 45).

Impõe-se uma avaliação cuidadosa nos casos suspeitos de tipo predominantemente desatento, face à necessidade de se diferenciar esses casos de quadros silenciosos de ansiedade e depressão, uma vez que essas condições também são capazes de comprometer a atenção e o esforço. A investigação criteriosa pretenderá ademais identificar a presença ou não de transtornos de aprendizado.

A criança com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade com predomínio dos sintomas de hiperatividade é muito ativa, inquieta e tem dificuldade de ficar sentada na sala de aula. Quando forçada, revira-se na cadeira o tempo todo. Geralmente, fala muito e é barulhenta a ponto de perturbar a classe e frequentemente ser advertida pelos professores. Frequentemente derruba objetos e apresenta baixa tolerância à frustração, não suportando receber respostas negativas.

A criança com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade com predomínio dos sintomas de impulsividade manifesta impaciência, dificuldade para protelar respostas, responde precipitadamente. Ela não consegue esperar a sua vez em filas ou em jogos. Interrompe as conversas das pessoas e responde sem ouvir a pergunta por inteiro, a ponto de causar dificuldades em contextos sociais e escolares. Geralmente fazem comentários inoportunos e pegam em coisas que não deveriam pegar.

Comorbidades
Inúmeras comorbidades podem ser detectadas em associação ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, como: problemas de conduta (transtorno desafiador de oposição), implicações emocionais (baixa autoestima ou depressão), problemas de socialização, problemas familiares (dificuldades no desempenho acadêmico), habilidades cognitivas e linguísticas (dificuldades na realização de problemas complexos ou problemas de fala e linguagem) e dificuldades com a saúde (ANASTOPOULOS apud SÁNCHEZ, 2004, p. 41); possibilidade de haver uma maior prevalência de Transtornos do Humor, Transtornos de Ansiedade, Transtornos da Aprendizagem e Transtornos da Comunicação (APA, 1994); e Retardo Mental e dificuldades de leitura e escrita (HARPIN, 2005, p. i5). A insuficiente dedicação às tarefas que exigem esforço constante frequentemente é interpretada pelos outros como sinal de preguiça ou fraco senso de responsabilidade.

Evolução:
De acordo co Rohde e Halpern (2004, S67) e Harpin (2005, p. i3), a evolução clássica de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade apresenta-se da seguinte forma:

Lactente: “bebê difícil”, insaciável, irritado, de difícil consolo, com maior prevalência de cólicas e dificuldades de alimentação e sono.

Pré-escolar: Atividade aumentada ao usual, dificuldades de ajustamento, teimoso, irritado, extremamente difícil de satisfazer e baixa autoestima.

Escolar: Incapacidade de colocar foco, distraído, impulsivo, desempenho inconsistente, presença ou não de hiperatividade, comportamento dissociativo, dificuldades de aprendizagem e reduzidas habilidades sociais.

Adolescência e vida adulta: Inquieto, desempenho inconsistente, sem conseguir colocar foco, dificuldades de memória na escola, abuso de substância e acidentes, comportamento desafiador e/ou criminoso, Transtorno Desafiador Opositivo, Transtorno de conduta, exclusão escolar, falta de motivação e complexas dificuldades de aprendizagem.

As crianças, geralmente, têm os sintomas apresentados também na adolescência e vida adulta. Ao longo do desenvolvimento, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade associa-se a um aumentado risco de baixo desempenho escolar, repetência, expulsões e suspensões escolares, relações difíceis com familiares e colegas, desenvolvimento de ansiedade e delinquência, experimentação e abuso de drogas precoces, acidentes de carro e multas por excesso de velocidade, assim como dificuldades de relacionamento no casamento e no trabalho.

Tratamento
Na idade escolar, a desatenção é uma das grandes queixas dos professores. Não há uma solução fácil para administrar Transtorno de Déficit Atenção/Hiperatividade na sala de aula ou em casa. A eficácia de qualquer tratamento deste problema na escola depende do conhecimento e da persistência da equipe educacional e de sua intensa comunicação com a família. Tudo isso contribui para que as pessoas nessas condições tenham autoestima baixa e passem a exigir atenção especial de pais e educadores.

Considera-se importante a avaliação de três momentos que fazem parte do tratamento do Transtorno de Déficit Atenção/Hiperatividade. Primeiramente, a Intervenção Psicoterápica, considerando que seja preciso conscientizar o paciente a respeito da dificuldade, com o objetivo de aliviá-lo do estigma criado em função dos sintomas, ajudando-o a valorizar o seu potencial. Além disso, muitas vezes o transtorno é acompanhado de sintomas de ansiedade, depressão e baixa autoestima. Com tais sintomas, a pessoa não se sentirá capaz de vencer os obstáculos e criará cada vez mais um sentimento de incapacidade. Um segundo momento, seria a Intervenção Psicopedagógica, sabendo que a maioria das pessoas com transtorno, em idade escolar, são diagnosticadas tardiamente. Por isso, existem lacunas de aprendizagem que precisam ser abordadas através de um trabalho de reconstrução das habilidades e conteúdos.

O esclarecimento sobre o transtorno para a família e para a escola se faz necessário como um tipo de intervenção, pois eles estão no dia-a-dia com a criança ou o adolescente e dessa forma também precisam aprender a lidar com os sintomas da criança, estimulando-a a participar do tratamento e para que não ocorram rótulos.

Por fim, o uso de medicamentos pode-se fazer necessário, lembrando que, embora nem todos precisem da medicação, ela é eficiente nos casos em que os sintomas impedem ou atrapalham a intervenção psicoterápica e psicopedagógica, pois ela exerce controle dos principais sintomas e dos prejuízos provocados pela doença. É importante ressaltar que quando a intervenção é feita precocemente, pode-se minimizar o impacto negativo causado pela dificuldade.

Intervenção Psicopedagógica em Casos de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
A Psicopedagogia apresenta-se como área de atuação integrativa, abarcando conhecimentos diferentes de modo a desenvolver um corpo teórico próprio sobre os problemas na aprendizagem humana. A aprendizagem é uma ação integradora, uma vez que acontece segundo a adequação das diferentes características que constituem o sujeito, somadas ao ambiente em que está inserido.

Segundo Gasparian (1997, p. 56/57), pensar a escola à luz da Psicopedagogia significa:

(...) analisar um processo que inclui questões metodológicas, relacionais e socioculturais, englobando o ponto de vista de quem aprende, abrangendo a participação da família e da sociedade. A Psicopedagogia institucional, portanto, busca a melhoria das relações com a aprendizagem, não só do ponto de vista didático-metodológico, como também a melhoria da qualidade doa profissionais da educação, e a melhoria da qualidade na construção da aprendizagem do aluno(...).

Uma intervenção para ser eficiente deve buscar o que leva ao surgimento do sintoma, quais condições favorecem seu surgimento. Da mesma forma, dar excessiva ênfase às influências externas de modo a direcionar o tratamento a ela pode levar ao erro de se esquecer que o sujeito apresenta dificuldades por uma tendência própria a desenvolvê-las.

O psicopedagogo com uma postura integrativa levará em conta não só o sintoma fruto de um distúrbio orgânico, mas também o afetivo e o emocional que o acompanham. A importância do afetivo e emocional está em que não só podem fazer parte do surgimento ou do agravamento do sintoma como também são importantes no processo de minimização da dificuldade.

Faz-se mister também a colaboração do psicopedagogo nos níveis pedagógico-metodológico, administrativo, familiar e discente. Seu papel fundamental é orientar os professores quanto à sua relação com os alunos, com o saber e consigo mesmos, na busca pela provocação de transformações. Quanto ao nível administrativo, a orientação a todos os profissionais ligados à instituição, visando a melhoria profissional e relacional neste ambiente. No nível familiar, o papel de investigar a clientela em geral e a família em particular, observando a relação desta com o saber. Por fim, o nível discente trata da observação do grupo de alunos ou de um aluno específico, para identificar dificuldades sociais e de aprendizagem (GASPARIAN, 1997, p. 76/77).

O psicopedagogo entra na instituição com o objetivo primeiro de colaborar com ela na resolução dos problemas voltados para o ensino e a aprendizagem. Esta colaboração é importante ressaltar, diz respeito não só à sala de aula, mas a todo o ambiente institucional, por seu envolvimento ligado às relações entre profissionais, crianças e seus respectivos familiares.

As consequências mais comuns da falta de uma efetiva intervenção e posterior tratamento são a permanência das dificuldades de aprendizagem e a repetência escolar nas crianças. Quando a intervenção é feita precocemente, pode-se minimizar o impacto negativo causado pela dificuldade.

Finalmente, a conquista do equilíbrio está em possibilitar-lhe uma ação integradora das suas potencialidades e do que ela já conquistou para que possa construir ou resgatar o que lhe falta, não na ênfase em suprir o que falta à criança com dificuldades.

Metodologia
Tipo de Pesquisa

Essa pesquisa seguiu uma metodologia de natureza qualitativa cuja essência é a realização de um estudo de caso. Isto se deu pelo fato do referido trabalho ter se originado em um contexto escolar voltado para compreender os processos psicológicos e emocionais que regem o comportamento da criança com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e seu desempenho acadêmico.

Foi também realizada a Intervenção Psicopedagógica, tomando por base as informações recebidas através das entrevistas, aspectos acerca do ambiente familiar, as observações realizadas na Escola, mais especificamente, na sala de aula e as informações relevantes obtidas durante as atividades realizadas com a criança.

Para ser diagnosticado, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, precisam ser observados alguns critérios em mais de dois ambientes, sendo necessário, portanto, ser realizado estudo também do ambiente familiar.

Contexto da Pesquisa
A pesquisa foi realizada tendo como base três contextos distintos: a Escola, a sala de aula e o domicílio da criança. Foi realizado um inventário da Escola e do ambiente domiciliar a fim de mapear os contextos em que a criança está inserida. Para preservar o sigilo e o anonimato não será informado o nome da Escola na pesquisa. Ao se referir à instituição escolar será utilizado apenas o termo Escola.

Quanto à estrutura administrativa trata-se de uma escola pública estadual da zona sul da cidade de Manaus, estado do Amazonas. A estrutura física da instituição é de médio porte, com seis salas de aula, sendo seis turmas do Ensino Fundamental de quinta à oitava série pela manhã, seis turmas do Ensino Fundamental de quinta à oitava série à tarde e Ensino Médio e Supletivo à noite. O tempo de aula é dividido em cinco tempos de cinquenta minutos e um intervalo de quinze minutos para banheiro, merenda e deslocamento da sala. A Escola possui também Biblioteca, Videoteca e refeitório.

Todos os professores têm nível superior (licenciatura), mas a Escola está sem pedagogo desde 2004 e não tem suporte psicopedagógico, sendo o único apoio pedagógico subsidiado pela diretora. No campo pedagógico, os professores não têm recursos didáticos apropriados, sendo utilizados rotineiramente o quadro branco e o livro didático. Frequentemente, são aplicados “trabalhos” para a obtenção de notas e a chamada é realizada diariamente e a cada novo tempo de aula. Os professores explicam o conteúdo e tiram as dúvidas dos alunos sempre que necessário. Também é comum a solicitação da presença dos pais sempre que é preciso conversar sobre o desempenho escolar de um ou outro aluno.

Participante da Pesquisa
Para preservar o sigilo e o anonimato do participante da pesquisa, não será informada a sua identidade. Ao se referir à ao participante, será utilizado o codinome Rafael.

O participante da pesquisa tem doze anos de idade, sexo masculino, frequentando a 6ª série do ensino fundamental e apresenta sinais de Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade, tipo predominantemente desatento.

Foram também participantes da pesquisa, a mãe da criança e a sua professora de Matemática. Esta professora foi escolhida por já ter solicitado a presença dos pais na escola para dar retorno do desempenho escolar da criança e fazer menção da dificuldade apresentada.

Procedimentos para Coleta de Dados
Foi desenvolvido um Diagnóstico Psicopedagógico Institucional com a intenção de identificar os fenômenos contribuintes para a presença do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, conforme a exposição de sinais e sintomas apresentados pela criança, implicando dificuldade para a realização das atividades escolares e seu baixo rendimento acadêmico.

A avaliação do cenário vivido pela criança contou com recursos como: anamnese da criança; entrevista com a mãe; critérios diagnósticos respondidos pela mãe da criança; observações em sala de aula; entrevista com um dos professores; entrevista com a criança e as atividades realizadas com a criança.

Resultados
A apresentação dos dados estará baseada nas etapas realizadas no trabalho.

Anamnese da Criança
A anamnese foi realizada com a mãe da criança em nove de junho de do corrente ano das dezesseis às dezoito horas. A mãe apresentou-se calma e segura durante as perguntas e não hesitou diante de qualquer questionamento.

Com relação ao ambiente domiciliar, falou que a residência é próxima a um igarapé, possui água encanada, esgoto ligado à rede, fossa, luz elétrica e saneamento básico. Possui boas as condições de habitação. A casa é de alvenaria e possui seis cômodos, incluindo cozinha, banheiro, sala, três quartos, quintal em cerâmica e piscina pequena.

Quanto à gestação, a mãe informou que teve a criança em parto cesárea com vinte e seis anos de idade, que foi a mais tranquila gravidez das quatro que foi submetida (os três primeiros partos foram normais, a razão da cesárea foi a ligação das trompas). A mãe fez pré-natal e não apresentou nenhuma doença durante a gestação. A mãe teve a criança na maternidade.

As informações relativas à história patológica atestam que a criança não se submeteu a cirurgias, não sofreu acidentes, não faz uso de medicamentos ou tratamentos, tem alergia à Cataflan, já teve catapora, tem três graus de miopia e não apresenta problemas de audição.

O desenvolvimento da criança foi bem observado. A criança andou antes do primeiro ano, não teve problemas relacionados ao sono, dorme às vezes durante o dia e não tem medo de escuro. Antes dos quatro anos controlou os esfíncteres e não apresentou mais enurese noturna. A mãe falou que a criança é passiva, mas tem raiva ou chora quando irritado.

A rotina da criança baseia-se em escola pela manhã, TV e estudos à tarde e noite, dormindo às vinte e duas horas. A família não tem rotina de horários para as refeições, sono, tarefas escolares, tarefas domésticas, atividades físicas dentre outras.

Quanto à história escolar a mãe relatou que a criança começou a estudar com cinco anos de idade, quando aprendeu a ler e escrever e sempre apresentou problemas com relação à realização de atividades escolares. A criança gosta de estudar, mas não gosta de realizar atividades longas. Tem facilidade em aprender coisas novas, e reconhecida habilidade matemática principalmente no cálculo mental. Apresenta bom relacionamento com professores e colegas, gosta da escola e já estuda lá há três anos, nos quais cursou a quinta, ano passado repetiu e hoje está na sexta série do ensino fundamental.

Os pais não têm queixa sobre a escola e dizem que sempre que se faz necessário são chamados pelos professores para conversar sobre as dificuldades da criança. A maior queixa dos professores é a falta de atenção pela criança e que geralmente não realiza os trabalhos solicitados (esquece ou deixa para última hora).

O desempenho atual está razoável e as notas do primeiro bimestre reforçam que a criança está com algumas no limite da aprovação. Entrevista com a Mãe da Criança
A entrevista com a mãe da criança foi realizada no dia nove de junho das catorze às dezesseis horas. A mãe pareceu à vontade durante a entrevista.

Quanto aos aspectos afetivos, a mãe declarou que a criança se relaciona bem com os pais e irmãos. Revelou que não há regras ou rotina na família e que a criança tem atividades escolares e domésticas para fazer e pode realizá-las em qualquer momento do dia, importando apenas que sejam feitas. Comentou que os desentendimentos conjugais estão diminuindo, e que não há muitos conflitos entre os pais e os filhos ou entre eles mesmos.

Quando questionada acerca dos aspectos motores a mãe falou que a criança prefere brincadeiras de pouco movimento (computador, desenhos) e que gosta de nadar, apesar de não realizar no momento nenhuma atividade física regularmente.

Em relação aos aspectos cognitivos, a mãe lembrou que a criança não gosta de realizar atividades escolares em casa e que não pede ajuda dos pais para realizá-las. Comentou que a criança gosta de atividades lógico-matemáticas, mas não tolera atividades de escrita ou atividades que demandem tempo ou grande empenho.

Os pais acham que a criança não vai tão bem na escola e que a mesma apresenta alguma dificuldade, mas não sabem qual ou como ajudar. A mãe lembrou que alguns professores já conversaram com ela sobre o desempenho da criança e que a maior queixa deles é a falta de atenção ou a negligência na entrega de trabalhos escolares.

Critérios Diagnósticos Respondidos pela Mãe da Criança
Foram avaliados os Critérios Diagnósticos do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade segundo o DSM-IV. As dúvidas foram esclarecidas no momento da aplicação das mesmas. A mãe não apresentou grandes dificuldades durante a marcação dos critérios e muitas vezes comentou que o Rafael era exatamente como estava na escala (referindo-se à desatenção). Seguem em anexo as tabelas que avaliam os critérios apresentados pela criança.

Observações em Sala de Aula
As observações em sala de aula foram realizadas em quatro dias, durante um total de 16 horas-aula, quando foram identificados aspectos do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade no comportamento de Rafael e limitações no ambiente escolar.

Entrevista com a Professora
A professora pareceu interessada em passar as informações solicitadas durante a entrevista. Ao ser questionada sobre o ambiente da sexta série turma um, ela comentou que acredita ser uma questão de carência afetiva. Falou que os alunos são muito agitados, que passam necessidades em casa e que têm muita carência de atenção e afeto. Continuou dizendo que a turma não tem educação familiar, chegando à escola com costumes da rua e desabafou sobre quão difícil é lidar com eles.

A professora, bem como outros profissionais da escola, sentem falta da ajuda especializada de um pedagogo e declara que essa angústia vem desde 2004, quando a última pedagoga não se adaptou e foi embora. Falou que desde aquele tempo os professores estão procurando os pais e responsáveis a fim de sanar as dificuldades no desempenho de alguns alunos. Ressaltou que há muito tempo não ocorre algum tipo de capacitação para os professores, e que eles próprios têm que buscar sua capacitação, se tiverem interesse. Outro ponto importante que a professora destacou foi o fato de os alunos não realizarem Educação Física desde abril, em virtude de um problema de coluna no professor da disciplina. Ela disse que os alunos estão muito agitados e que o espaço físico da Escola é inadequado. A Escola, no turno matutino, apresenta seis turmas e o espaço para esses alunos é inviável. Durante o intervalo eles ficam num pátio apertado e não têm o que fazer, gastando, assim, toda a energia em sala de aula. A professora falou que está montando com a diretora um projeto de jogos de mesa para ocupar os alunos no intervalo. Dentre eles foram citados o dominó, as cartas e o xadrez.

Perguntada acerca do desempenho escolar dos alunos, ela falou que os professores sempre trocam ideias e comentam entre si sobre algum aluno ou aluna. Ela disse que tem muitos alunos com problemas e que o fator que mais contribui para isso é a ausência dos pais na educação e acompanhamento da vida escolar dos filhos.

Durante as reuniões dos conselhos escolares, os professores comentam sobre o comportamento dos alunos e comparam o rendimento dos mesmos. Como não há pedagogo na escola, os próprios professores chamam os pais para dar retorno do desempenho escolar dos alunos com e sem dificuldades. Os professores dizem que os pais que estão nas reuniões são aqueles responsáveis por alunos sem problema, enquanto os pais dos faltosos e desinteressados nem aparecem, na grande maioria das vezes.

A professora falou que o nível de repetência foi muito alto no ano passado e que há alguns alunos à tarde incluídos no sistema de Dependência. Disse ainda que os alunos estão indo bem na matéria dela (Matemática) e que não pretende cobrar o que eles não podem oferecer. Ela avalia constantemente os alunos e conversa individualmente incentivando-os a melhorar e estudar. Também estimula os pais a ajudarem os seus filhos nas atividades escolares feitas em casa e nos trabalhos que valem nota. Alguns pais demonstram preocupação, outros não. Apesar desse quadro, ela fala que tem tido bons avanços com os alunos e alunas e que eles têm se esforçado para realizarem os trabalhos pedidos com empenho e dedicação.

Falou ainda da dificuldade de trabalhar com um número de quarenta e seis alunos por turma e que é muito complicado acompanhá-los como deveria. Ressaltou o fato de a turma ser agitada, mas obediente a ela em sala. Falou que trata os alunos com educação e que sempre se dispõe a ajudá-los, fazendo com que a turma a respeite e goste dela.

Quando questionada acerca das principais dificuldades de aprendizagem da turma, ela ressaltou a agitação e a desatenção. Citou alguns nomes dentre os quais Rafael foi incluído. Ela falou que as meninas são mais desatentas juntamente com outros meninos que “vivem no mundo da lua” ou “viajam” a aula inteira. Lembrou alguns nomes de alunos esforçados, citou o nome dos destaques e voltou aos que apresentam sinais de dificuldades propriamente ditas.

Ela mostrou o livro de acompanhamento e mostrou as notas de Rafael, comentando que ele estava indo bem, mas caiu e não sabia dizer o que estava acontecendo com ele. Mostrou as notas do primeiro bimestre e lembrou que dos dois trabalhos que ela passou já do segundo bimestre, ele não entregou o primeiro e tirou apenas meio no segundo, não realizando com eficácia as equações para resolver em casa. Ela lembrou que ele está sempre disperso e que o desenrolar das aulas não o ajuda muito, por causa do barulho.

Entrevista com a Criança
A entrevista com a criança foi realizada no dia sete de junho das quinze às dezessete horas, com o objetivo de contemplar os aspectos afetivo, socioculturais, motores e cognitivos da criança em sua família, na escola e na comunidade. A fala da criança abrange os quatro aspectos, como veremos a seguir.

No cotidiano familiar a criança declarou ter, em geral, um bom relacionamento com os pais e os irmãos. Comentou que na casa dele não há rotina e não seguem horários para nada (refeições, sono, lazer, serviços domésticos).

Sobre os desentendimentos familiares, comentou que os pais entram em algumas discussões, mas sem agressão física e esporadicamente ocorrerem brigas entre os irmãos. Comentou também que a mãe geralmente briga com um ou outro filho ao fazerem coisas erradas.

Em casa ele falou que se diverte jogando no computador e que não gosta de realizar atividades escolares no ambiente familiar. Comentou que não pede a ajuda dos pais ou irmãos mais velhos para realizar as atividades, trabalhos escolares e que prefere fazer sozinho. Questionado sobre atividades de leitura, falou que não gosta muito e que não tem muitas fontes de leitura, senão o livro didático. Quanto às atividades lógico-matemáticas, comentou que gosta, mas que tem um “mal de família” de saber calcular tudo “de cabeça”, mas quando lhe entregam uma folha para calcular, não sai nada.

Em relação à maneira como os pais veem o desempenho escolar da criança, ela falou que a mãe quer ver boas notas no boletim, enquanto o pai só quer saber se ele passou. Perguntado se os pais já comentaram sobre a possibilidade e ele ter uma dificuldade de aprendizagem, falou que sim, mas que eles não sabem o que é que ele tem, nem como ajudá-lo. Outras vezes trataram apenas como preguiça e que por um tempo ele concordou com a hipótese levantada.

As tarefas domésticas são cumpridas a qualquer hora do dia, importando apenas que sejam realizadas. A criança gosta de realizar atividade física, embora não esteja praticando regularmente no momento. Falou que gosta de correr e de nadar, mas quanto à diversão prefere as brincadeiras de pouco movimento, dando como exemplo desenhar no computador. Gosta de criar, fazer desenhos e jogar sozinho.

No ambiente escolar a criança falou que segue as regras e horários estabelecidos, mas que também não tem nada fixo. Tanto faz merendar, como não; comprar lanche ou nem comer. Tanto faz sair direto para o banheiro, como ficar na sala. As regras seguidas são as colocadas pelos professores, que pedem silêncio, exercícios, leituras, trabalhos e ele vai conhecendo cada um. Ainda com relação ao âmbito escolar, a criança comentou que não faz nada durante o intervalo, que não estão tendo aula de Educação Física desde o início do ano letivo e que gosta de jogar bola, apesar de não ser habilidoso com a bola.

A criança considerou bom o relacionamento com os colegas, professores e funcionários. Comentou de algumas brigas entre alunos, mas que não são frequentes, e que não se importa com as brincadeiras dos colegas, que nem dá atenção, joga e pronto. A criança falou que na escola gosta de realizar as atividades escolares e que não acha ruim, pois sabe que este é o objetivo de estar lá. Acerca do seu desempenho, eventualmente um professor chama a sua mãe para conversar e que geralmente isso acontece nas reuniões e pais.

Falou ainda que percebe ter alguma dificuldade de atenção e que não gosta de fazer o que não é de seu interesse. A criança percebe também que outras crianças da sua sala apresentam a mesma dificuldade, mas que o barulho e o grande número de alunos por turma impedem que eles aprendam melhor.

Atividades Realizadas com a Criança
Os encontros com a criança foram de grande importância para avaliar dados que não poderiam ser observados em sala de aula ou no domicílio. A desatenção durante a realização de operações matemáticas e os ricos detalhes dados durante a realização das demais atividades foram alguns destes dados.

As atividades consistiram de: leitura e interpretação do livro O Cavalo e a Raposa; montagem de um quebra-cabeça com 48 peças; resolução de problemas matemáticos; jogo da Memória com 72 peças; desenho livre; escrever um pequeno texto referente à imagem; joguinhos de atenção no site da Revista Recreio.

Discussão
A análise dos dados das entrevistas coletadas pela criança, pela mãe e pela professora foi feita com base na checagem de confrontos e proximidades entre as falas dos mesmos.

A análise dos dados da criança foi realizada mediante interpretação das observações em sala de aula, das observações comportamentais durante as sessões de aplicação das atividades no ambiente domiciliar e dos dados da anamnese obtidos por resposta da mãe da criança.

A categoria Desempenho Escolar aponta particularidades no funcionamento cognitivo da criança, inter-relacionando a atenção, o pensamento e a memória. A letra é irregular, sem padrão e a leitura é muito boa, apresenta boa dicção e compreensão do que é lido. Problemas no processo de organização e execução das atividades foram descritos. Surge o primeiro ponto de observação dentro do Transtorno: dificuldades de organização e falta de interesse em realizar as atividades escolares. Deduzimos que esse desinteresse (considerado como "preguiça" pelos pais) seja resultado do esquecimento e falta de vontade em realizar certas atividades consideradas enfadonhas e desinteressantes por parte da criança.

Essa dificuldade na organização e realização de atividades escolares impede a criança de acompanhar o ritmo e a demanda escolar. Passa, então, a agir com desinteresse nos estudos com condutas de fuga cujo intuito é desviar o contato com o sentimento de incompetência cognitiva gerador de ansiedade, por não dar conta de responder as exigências escolares.

Os professores e os pais falam que a criança presta atenção em tudo e em todos, mas parece não escutar ou "estar voando" quando o assunto é de natureza escolar ou quando não é de seu interesse. Surge o segundo ponto de observação: Atenção x Desatenção.

A criança orienta e sustenta a atenção quando algo é de seu interesse, fazendo uso das funções da atenção de selecionar, focar, manter e dividir. Há um fenômeno motivacional ocorrendo subjacente ao fenômeno cognitivo da atenção, a qual flutua para situações que tem valência positiva fugindo daquelas com carga negativa, logo existe uma "atenção seletiva" e uma "desatenção seletiva". A criança, portanto, desvia a atenção de tudo aquilo, por exemplo, que fere sua autoestima e senso de competência.

O esquecimento considerado uma manifestação da Desatenção é visto como uma falha de memória pelos pais. A criança possui boa memória para certas coisas e até para conteúdos disciplinares, no entanto, esquece logo o que lhe foi ensinado ou de dar recados. Se a criança tem dificuldades no processamento de informações e na organização do pensamento, ela terá problemas na memória de associação (ou sequencial) e na retenção de informações complexas. A memória "boa", portanto, é a memória relacionada ao armazenamento de dados simples, a coisas que não exigem esforço mental de elaboração.

Compreendemos que essa criança apresenta um déficit de atenção, possuindo, por sua vez, grande capacidade de atentar para os estímulos de seu interesse. Quando perguntado se os pais já comentaram sobre a possibilidade de a criança ter uma dificuldade de aprendizagem, a criança comentou na entrevista “que sim, mas que eles não sabem o que é que ele tem, nem como ajudá-lo”. Outras vezes os pais trataram apenas como preguiça e a criança por um tempo concordou com a hipótese levantada. A criança reconhece o seu problema comportamental e sente o déficit de atenção como uma dificuldade em controlar o pensamento. A Afetividade revela uma intensa sensibilidade e reatividade emocional e um modo generoso de ser com o outro, sendo de grande valia sua análise na criança desatenta. Na compreensão dos pais e professores, são crianças com uma alta demanda de afeto que possuem uma carência afetiva por sua baixa autoestima. Surge o terceiro ponto de observação: Afetividade e autoestima.

Na Anamnese, a mãe comentou que a criança “por ser o caçula apresenta-se às vezes isolado e gosta de fazer as coisas sozinho (especialmente desenhos e uso de computador)”. A mãe falou ainda que “o irmão mais velho rejeita a criança e que o pai elogia o mais novo na frente do mais velho” e que “o que a criança mais almeja na vida é a amizade do irmão mais velho”. A mãe concluiu dizendo que a criança se relaciona bem com os familiares e com outras pessoas.

Com relação às questões que dizem respeito à dinâmica institucional, percebe-se que as salas são mal iluminadas e insuficientemente climatizadas. Consideramos, portanto, que tais dificuldades podem ser discutidas e reavaliadas pela escola. No que se refere especificamente à turma, percebe-se o alto número de alunos por turma, a indisciplina e conversas constantes que impedem a criança de concentrar-se nas tarefas escolares e, consequentemente, compromete o sucesso da aprendizagem.

Face às reflexões apresentadas e uma vez que a desatenção não é acompanhada de sinais de hiperatividade nem de impulsividade, o quadro de sintomas observados sugere o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade do tipo predominantemente desatento.

Identificou-se que o comportamento da criança está relacionado a um déficit de atenção durante a realização das atividades escolares em sala e em casa e que a forma de condução do trabalho em sala de aula não auxilia a minimização de tal dificuldade.

Faz-se necessária a conscientização da criança, da família e da Escola quanto ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, a fim de aliviar a criança do estigma criado em função dos sintomas e ajudá-la a valorizar o seu potencial. Além disso, muitas vezes o transtorno é acompanhado de sintomas de ansiedade, depressão e baixa autoestima, o que dificultaria a autodeterminação de vencer os obstáculos e criaria cada vez mais um sentimento de incapacidade.

Com o objetivo de superar os fatores responsáveis pelo aumento dos sintomas na criança, faz-se necessária uma intervenção psicopedagógica em curto prazo em cinco níveis: Envolvimento dos professores e sejam esclarecidas as dificuldades da criança na aprendizagem dos conteúdos propostos. Este item deve ser realizado a curto e médio prazo. Uma maior atenção à dinâmica da criança em sala de aula, seu lugar na organização da sala e a ênfase com a mesma durante a realização dos exercícios escolares; Estímulo em casa a realização das atividades escolares separando diariamente um momento de estudo, lazer, atividades domésticas e atividades físicas. A rotina é essencial nos casos de desatenção; Organização do ambiente como fator de suma importância para o desenvolvimento global da criança; Diminuição dos desentendimentos entre os familiares; Encaminhamento da criança a um profissional da área clínica para obtenção de diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e avaliação da necessidade de tratamento (farmacológico) para a dificuldade em questão.

Considerações Finais
No presente caso, avaliou-se o cenário escolar e familiar, constatando dificuldades escolares, bem como sinais e sintomas sugestivos de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade em um escolar na rede pública estadual de nível fundamental.

No Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, há presença de sinais e sintomas característicos e de uma gama de comorbidades que ensejam os maiores esforços para um acurado e precoce diagnóstico, bem como tratamento interdisciplinar, com o intuito de minimizar o risco de desajustamento psicossocial e escolar, reduzindo as consequências deletérias a curto e longo prazo.

As dificuldades acadêmicas e comportamentais da criança em estudo foram avaliadas tendo como informantes a criança, sua mãe e uma de suas professoras, a partir do que se propôs uma intervenção para a criança, sua família e sua escola. Ressalte-se que, ainda que os problemas de atenção e manifestações afetivas pareçam sensíveis à intervenção eficaz, estudos de seguimento se fazem necessários para verificar a manutenção dos efeitos desejados em longo prazo a partir da intervenção.

Finalmente, uma política pública de saúde e educacional que priorize e dê apoio à abordagem e seguimento interdisciplinar ao portador de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é tão importante no manejo de tais cidadãos quanto a adequada formação de psicopedagogos que irão compor as equipes de assistência em todas as faixas etárias, quer esta prática se dê no âmbito clínico quanto institucional.

Referências
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*Michelle Mirttes Albuquerque Feitosa
Monografia -
Intervenção Psicopedagógica No Transtorno De Déficit De Atenção/Hiperatividade: Um Estudo De Caso

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Michelle Mirttes Albuquerque Feitosa

por Michelle Mirttes Albuquerque Feitosa

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE/2003), Psicopedagoga (UFAM/2006) e Especialista em Ética (UFAM/2010). Membro da Associação Brasileira de Psicopegadogia/Seção o Pernambuco (ABPp/PE). Membro da Diretoria (Assessora Científica) da ABPp/PE. Tem experiência na área de Educação, Elaboração de Projetos Pedagógicos e Formação de Professores. Atendimento Psicopedagógico.

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