O que deve ser levado em conta na educação corporal?
Educação e Pedagogia
21/06/2012
A educação social lida com indivíduos que estão situados em ambientes normalmente vinculados a conflitos, a divergências de interesses, a pressões externas que podem vir a provocar desequilíbrio no seu processo natural de desenvolvimento. Crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica, residentes em áreas com muitas privações, tornam-se público prioritário de atenção da socioeducação.
Quando tais pessoas estão vinculadas a projetos sociais, compreende-se que passam a ser alvo de ações pedagógicas que irão auxiliar o seu desenvolvimento, em um processo que vai ocorrer em meio a uma rede de relações sociais, que irão se dar dentro de um contexto sociocultural específico. As crianças e adolescentes vão ser apresentadas a um mundo diferenciado, com novos valores e referenciais.
A condução socioeducativa irá propiciar a internalização de hábitos mais saudáveis, uma discussão sobre costumes, a aquisição de diferentes formas de linguagem, a construção de vínculos afetivos, a estimulação da sociabilidade e a ajuda na estruturação da identidade. Segundo Del Prette & Del Prette (2004), "grande parte do ambiente é sociocultural, entendendo-se o cultural como produto historicamente acumulado das relações dos homens entre si e com a natureza". No lidar com os mistérios das relações interpessoais, os educadores sociais, responsáveis pela intermediação dos educandos com os vários tipos de conhecimentos disponíveis nas diversas oficinas socioeducativas, são também atribuídos de transmitirem ensinamentos sobre o lidar com o corpo.
No corpo "estão inscritos todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contato primário do indivíduo com o ambiente que o cerca" (DAOLIO, 1995). O uso do corpo, segundo Marcel Mauss, "é uma educação de técnicas, que são construídas como resultado das relações entre o homem e a sociedade" (RODRIGUES, 2000).
Tais afirmativas demonstram o tamanho da grande responsabilidade atribuída ao educador social ao lidarem educativamente (e tecnicamente) com os corpos de várias crianças e adolescentes, meninos e meninas desta pós-modernidade, que estão buscando conhecer limites e possibilidades de sua manifestação corporal no mundo. A educação social deve procurar, através de seus ramos socioeducativos, seja nas aulas de circo, dança, capoeira, recreação, esportes e outros, conduzidos pelos educadores sociais, discutir o papel da educação dos corpos nas relações estabelecidas na sociedade.
Para Mauss, "cada sociedade tem hábitos que lhe são próprios e os fatos sociais permitidos e não permitidos em relação às manifestações corporais são inseridas profundamente nos indivíduos" (Ibid, 2000). A sociedade liga vários sistemas - social, biológico, psicológico, econômico - determinando como as pessoas podem ou não podem fazer usos técnicos de seus corpos. Mauss chama este fenômeno de interdição "a sangue-frio", onde o "que vai ser educado nada mais é do que o uso controlado do corpo na vida social" (Ibid, 2000).
Para Silva (1999), "o poder da sociedade sempre investiu interesse nos corpos dos indivíduos ao longo do tempo, criando formas específicas de consciência de si, ao mesmo tempo em que fez explorações econômicas e ideológicas". No estabelecimento de interações com potencial educativo junto aos seus educandos, o educador social precisa debater sobre a imagem corporal e o papel do corpo na sociedade atual.
A contemporaneidade mostra índices alarmantes de ocorrência de gravidez na adolescência, de crianças envolvidas com assaltos e com o tráfico de drogas, de atitudes violentas cada vez mais banalizadas, o que demanda grande investimento educativo por parte da educação social, a fim de construir mentes infanto-juvenis com poder de criticidade e reflexão, inconformadas com a pressão materialista neoliberal.
De acordo com Silva (1999), "a imagem e o uso do corpo sempre estiveram estreitamente subordinados às necessidades socioeconômicas, dependentes das relações de domínio e estiveram presentes organizando a pedagogia das escolas". A socioeducação está aí para romper as barreiras e as amordaças dos ditames econômicos que buscam alienar mentes e escravizar corpos. A expectativa de corpo nas oficinas socioeducativas é aquele integral, sem dualismos, que represente um indivíduo possuidor de consciência, desejo e liberdade responsável.
A ação recíproca - interação - entre o indivíduo e seu ambiente sociocultural "está na base da construção de relações sociais, continuamente afetando e sendo afetadas por suas cognições, emoções e ações" (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2004).
O educador social também vai educar o corpo de seus educandos, e para tal, deve se apropriar de conhecimentos como os descritos por Daolio (1995), quando diz que "o homem, por meio de seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais, num processo de incorporação". O conjunto de posturas e movimentos corporais representa valores e princípios culturais.
Atuar socioeducativamento no corpo implica atuar sobre a sociedade na qual esse corpo está inserido. Todas as práticas "devem ser pensadas nesse contexto, a fim de que não se conceba sua realização de forma reducionista, mas se considere o homem como sujeito da vida social" (DAOLIO, 1995).
Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo sociocultural, que se instala no seu corpo, no conjunto de suas expressões. Em outros termos, educar o corpo é entender que o homem aprende a cultura por meio de seu corpo.
Referências bibliográficas:
1. DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995.
2. DEL PRETTE, Z. A. P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes, 2004.
3. SILVA, A. M. Elementos para compreender a modernidade do corpo numa sociedade racional. Cadernos Cedes, ano XIX, n. 48, agosto/1999. p. 7-29.
4. RODRIGUES, R. Sociedade, corpo e interdições: contribuições do estudo de Marcel Mauss sobre as técnicas do corpo. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. v. 21. n. 2/3. jan/mai 2000. p. 65-70.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Leanudro Barros Ribeiro
Graduado em Educação Física e Desportos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1995). Especializações: Atividades motoras para promoção da saúde e qualidade de vida (2001); Psicomotricidade (2012). Pós-graduando em Psicologia do Esporte e em Treinamento Esportivo. Colaborador externo do Laboratório de Estudos do Corpo da FAEFID/UFJF (LABESC). Área de concentração: Movimento Humano e Cultura.
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