Síndrome de Marfan no consultório odontológico

Odontologia

01/01/2008

Juciani Basso

Resumo

O referido trabalho tem como finalidade fazer uma revisão de artigos e estudos sobre pacientes portadores da Síndrome de Marfan no consultório odontológico, e ressaltar a importância da necessidade de um exame bem detalhado do paciente pelo odontólogo e o conhecimento do mesmo quanto às manifestações clínicas características da síndrome, e às condutas e restrições deste paciente.

Introdução

Síndrome de Marfan, também conhecida como Aracnodactilia, é uma doença comum, que constitui uma disjunção do tecido conjuntivo, descrita por um pediatra francês, Antoine Bernard-Jean Marfan, em 1896. A Síndrome de Marfan (SM) atinge cerca de um indivíduo dentre quinze mil, não exibindo predileção por sexo, raça ou etnia. Aproximadamente dois terços dos pacientes acometidos possuem a forma hereditária da doença, ou seja, o material genético defeituoso foi passado de pai para filho, sendo portanto obrigatório encontrar um parente de primeiro grau com a síndrome, uma vez que ela é um distúrbio genético de herança dominante. Existe um risco de 50% a cada gestação de transmitir o gene defeituoso para o concepto. Um terço restante dos pacientes exibe a forma adquirida, representada por mutações novas e que aleatoriamente atingiram o mesmo sítio genético afetado na SM

Patogênese

A doença afeta o sistema cardiovascular, esquelético, pulmonar e ocular. A inteligência não é afetada. O quadro clínico mais freqüentemente encontrado consiste em alta estatura (relativamente à idade), escoliose, aracnodactilia e, ao exame oftalmológico, luxação do cristalino e miopia. Estas manifestações costumam surgir na infância ou adolescência. Em termos de achados cardiovasculares, o mais precoce geralmente é o de prolapso da válvula mitral. Os pacientes portadores geralmente apresentam graves disfunções cardiovasculares, necessitando de tratamento cirúrgico. Devido à dilatação e dissecção da aorta, é considerada uma das condições genéticas mais letais. Outras alterações incluem deformidades torácicas (a mais comum delas é o chamado "pectus carinatum" ou tórax em peito de pombo) e fragilidade ligamentar.

Têm-se descrito várias características orais e faciais. As mais importantes incluem crânio longo e estreito (dolicocefalia), retrognatismo e mandíbula hiplopásica, bossas e processos supra orbitais proeminentes e hipertelorismo. As manifestações orais incluem ainda flacidez dos ligamentos e da cápsula da articulação temporomandibular, provocando sérios problemas de disfunção da articulação, e presença de palato ogival e profundo, úvula bífida, lesões císticas e má-oclusão.

Diagnóstico

A Síndrome de Marfan apresenta grande variabilidade fenotípica inter e intra familial, o que torna o diagnóstico difícil. Até a década de 80, o diagnóstico era unicamente baseado nas características clínicas dos pacientes. São chamados de Síndrome de Marfan os pacientes que cumprem os critérios diagnósticos:

1) diagnóstico do primeiro afetado da família são:

- se a história familial/genética não contribui: critério maior em pelo menos dois diferentes órgãos/sistemas e o envolvimento de um terceiro;

- se uma mutação conhecida como causadora da Síndrome de Marfan for detectada: um critério maior em um órgão/sistema e o envolvimento de um segundo.

2) um parente de um caso índice: presença de um critério maior na história familial e um critério maior em um órgão/sistema e o envolvimento de um segundo.

Hoje se sabe que o diagnóstico de Síndrome de Marfan deve ser considerado mesmo se o paciente não cumpra os critérios diagnósticos, desde que seja criteriosamente investigado, pois existe um diagnóstico mais amplo chamado de fibrilinopatias. Pesquisadores, sabendo que um determinado gene seria o responsável por essas manifestações clínicas, e que um gene sempre comanda a produção de uma proteína, concentraram seus estudos para descobrir qual proteína seria comum aos olhos, ossos e coração, e descobriram a proteína fibrilina, que faz parte da sustentação dos órgãos. Mais tarde concluíram, através de pesquisas do DNA das famílias, que a fibrilina é fabricada por um gene localizado no cromossomo 15. Posteriormente, conseguiu-se obter toda a seqüência do gene, que passou a ser denominado de fibrilina-1 (FBN-1).

Paciente com SM no consultório odontológico

As anormalidades esqueléticas faciais da síndrome podem requerer um tratamento ortodôntico, e muitas vezes cirúrgico. O cirurgião dentista geralmente entra em contato com estes pacientes devido a essas necessidades, portanto o conhecimento sobre suas manifestações clínicas e componentes genéticos envolvidos na SM torna-se de crucial importância para a área da odontologia.

Para o tratamento rotineiro do consultório não existe nenhuma contra-indicação , porém pode haver algumas limitações devido ao freqüente problema de ATM que estes pacientes apresentam. Mas os pacientes que necessitam de tratamento cruento precisam de uma atenção maior devido ao risco de endocardite bacteriana, mesmo que não tenham demonstrado nenhuma alteração das válvulas cardíacas; nestes casos é indispensável se fazer profilaxia com antibióticos. Têm-se notado uma possibilidade de sangramento fácil em alguns pacientes afetados, portanto se o paciente apresenta uma história de fácil sangramento ou de hematomas de fácil aparição deve-se encaminhá-lo ao um hematologista para uma melhor investigação antes de se realizar qualquer tratamento cirúrgico.

Procedimentos odontológicos em que a profilaxia é recomendada:

• extrações dentais;
• procedimentos periodontais: cirurgia, raspagem e polimento radicular, sondagem, inserção subgengival de fibras e tiras contendo antimicrobianos e tratamento de manutenção;
• cirurgia de colocação de implantes dentais;
• reimplantação de dentes avulsionados;
• instrumentação endodôntica (além do ápice dental) ou cirurgia perirradicular;
• colocação de bandas ortodônticas (mas não de “brackets”);
• injeção de anestésico local pela técnica intraligamentosa;
• limpeza profilática de dentes ou de implantes quando há expectativa de sangramento.

Procedimentos odontológicos em que a profilaxia não é recomendada:

• dentística restauradora ou preparos protéticos, usando-se ou não fio de retenção gengival;
• injeção de anestésico local (exceto técnica intraligamentosa);
• tratamento endodôntico intracanal;
• reconstrução dental e preparos intra-radiculares;
• colocação de isolamento absoluto (dique de borracha);
• remoção de suturas;
• tomadas de radiografias ou de moldagens;
• aplicação tópica de flúor ou de selantes;
• simples ajustes de aparelhos ortodônticos;
• colocação de prótese/aparelhos ortodônticos removíveis;
• exfoliação de dentes decíduos.

O regime profilático padrão recomendado pela American Heart Association (AHA), consiste numa única dose de amoxicilina, por via oral. A amoxicilina é recomendada por ser melhor absorvida pelo gastro intestinal e proporcionar níveis séricos mais elevados e duradouros. O regime padrão proposto atualmente é uma dose única de 2,0 g de amoxicilina para adultos e de 50 mg/kg para crianças, para ser administrada uma hora antes dos procedimentos odontológicos. Mas é claro que existem situações específicas, e para cada uma sua recomendação.

O protocolo indicado para a prevenção bacteriana não deve incluir simplesmente a administração de antimicrobiano previamente à administração, outros cuidados também devem ser tomados, como:

• sempre que possível, procurar trocar informações com o médico do paciente;
• fazer o paciente bochechar por 1 minuto uma solução de clorexidina a 0,2% antes de cada sessão de atendimento;
• somente iniciar o atendimento após certificar-se de que o paciente tomou a medicação;
• não empregar tetraciclinas ou sulfas na profilaxia da endocardite bacteriana;
• evitar traumatismos gengivais desnecessários;
• procurar estabelecer um intervalo mínimo de 10 dias entre as sessões, para evitar a resistência bacteriana;
• instituir medidas de prevenção das doenças bucais;
• no caso em que haja dúvidas sobre a necessidade de se fazer ou não a profilaxia, faça.

Pacientes com SM indicados para ortodontistas aparecem numa proporção muitas vezes maior do que se espera em uma população. Muitos indivíduos com SM não diagnosticada são examinados ortodonticamente e tratados devido à presença marcante da mal oclusão sem o profissional ter o conhecimento da síndrome. Mas com as características crânio faciais e das manifestações no sistema estomagnático, peculiares a síndrome, o cirurgião-dentista, de qualquer especialidade, têm a obrigação de suspeitar da existência da síndrome, para desta forma realizar condutas adequadas durante o tratamento.

Conclusão

A Síndrome de Marfan é uma doença comum que apresenta algumas manifestações faciais e orais, e o paciente portador da Síndrome apresenta a necessidade de cuidados dependendo do procedimento a ser realizado, o que obriga o cirurgião-dentista a ter uma maior compreensão da evolução e características clínicas deste processo patológico, para reconhecer os sinais e sintomas que identificam estes pacientes e poder realizar um correto diagnóstico e aplicar o tratamento adequado.

Os profissionais da área da odontologia, sem restrição de especialidade, têm a obrigação de analisar o paciente como um “todo”, fazendo sempre anamnese completa, um exame clínico minucioso, não se restringindo apenas aos elementos dentários e à gengiva. E também possuir conhecimento de todas as doenças que podem acarretar em cuidados durante o tratamento odontológico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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12. American Heart Association. Disponível na internet [http://www.americanheart.org]


 

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