Procura pela estética bucal esconde riscos para a saúde

Odontologia

01/01/2008

A busca pela perfeição corporal muitas vezes implica em excessos cometidos tanto por quem almeja a beleza-padrão como pelos profissionais responsáveis por tornar a uniformização estética uma realidade. E já que o sorriso é o cartão de visita, não é à toa que uma das primeiras missões propagadas naqueles programas de transformação de beleza é impostar dentes impecáveis ao rosto -mesmo que isso implique, por exemplo, na retirada desnecessária de dentes para colocar implantes socialmente mais belos e até mesmo mascarar imperfeições dentais, sem que para isso a saúde bucal seja relativizada.

 

Dentes brancos, proporcionais uns aos outros e impecavelmente alinhados. Estabelecido o padrão estético bucal, iniciam-se as intervenções para alcançá-lo --e preferencialmente o mais rápido possível.

 

Segundo o dentista José Luiz Lage-Marques, um dos grandes focos da odontologia hoje é "tapar o buraco" da necessidade social de ter dentes bonitos, e não mais simplesmente proporcionar funcionalidade e saúde a eles. E tecnologia disponível para isso não falta. "Mas há quem extrapole a realidade", diz Lage-Marques, que é membro da diretoria da International Association for Dental Research (Associação Internacional de Pesquisas Odontológicas).

 

É incorreto dizer que, quanto mais brancos, mais saudáveis serão os dentes. Dente não tem cor. Quem confere a tonalidade a ele é a dentina, segundo definição, o marfim dos dentes, que circunda a polpa dentária e está recoberto por esmalte, uma espécie de cristal transparente.

 

Porém são poucos os que têm consciência disso, afinal, as mais belas celebridades hoje possuem uma dentição digna de ter sido conseguida não com pastas de dente, mas com sabão em pó, de tão branca. Pensando assim, clareá-los é tentador, mas pode ser uma tarefa desastrosa, que deve ser feita no consultório, e não com técnicas caseiras.

 

"Dente de estrela é tão branco que chega a ser opaco, não tem brilho. O normal é ser translúcido", afirma Cury, dizendo que as conseqüências do clareamento repetidas vezes ainda estão sendo estudadas. "O que se sabe cientificamente é que, a curto prazo, pode amolecer o dente." O clareamento somente embranquece os dentes, e não a restauração, que devem ser trocadas.

 

Para a estudante de rádio e TV Fernanda Rolim, 22, a aparência, em sua profissão, é fundamental. Mesmo já tendo por natureza dentes claros, ela, uma perfeccionista confessa, clareou-os mais "por vaidade mesmo". "O povo quer ver gente bonita na TV, que transmita saúde e beleza", afirma Fernanda, cujos cuidados bucais vão além da estética: "Vou ao dentista regularmente, pois a manutenção é essencial".

 

Caso à parte na higienização bucal, os colutórios, conhecidos como enxagüantes ou anti-sépticos bucais, também devem ser consumidos com cautela, principalmente os à base de clorexidina, substância que mata 98% das bactérias da boca --incluindo aí as benéficas. Durante seu uso, segundo Lemos, é comum a pessoa perder o paladar e ainda ter os dentes escurecidos. "É um produto indicado somente em casos de doença periodontal, e ainda por um tempo determinado, mas esses produtos são vendidos livremente."

 

Outro mandamento da estética bucal em vigor, depois de já se ter garantido a cor dos dentes e o hálito puro, é o alinhamento desses dentes. Para isso, a técnica é a faceta laminada.

 

Os dentes visíveis, ou seja, aqueles que aparecem ao sorrir, são desgastados. A faceta é um subterfúgio que se assemelha a uma unha postiça. "É um procedimento que rapidamente corrige angulação, cor e posicionamento", explica Egberto França, especialista em implante e estética dental, também conhecido por ser, no Rio de Janeiro, o dentista dos famosos.

 

Um espaço entre os dentes incisivos, segundo a ditadura da estética, é um defeito que precisa ser corrigido. Em vez do bom e velho aparelho, a faceta laminada também é empregada nesses casos, "fechando o espaço", de acordo com Jaime Aparecido Cury, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O problema "é que desgasta o esmalte dos dentes, pois são usados ácidos que os descalcificam", explica Lage-Marques, dizendo que esse procedimento, no entanto, não altera a funcionalidade dos dentes.

 

Mas, assim como ocorre nas cirurgias plásticas, o fim --o padrão estético pasteurizado- justifica os meios. Pelo menos a quem o procura. "Quando vêem o "antes" e "depois" de revistas de famosos, as pessoas não pensam no processo como um todo. Muito menos se dão conta que a manutenção desses procedimentos deve ser para toda a vida", argumenta Lemos.

 

Apesar de os implantes serem a vedete odontológica de hoje e do futuro, segundo Lemos, há de se ter cautela em sua prescrição. Assim como existem cirurgiões plásticos que topam tudo, há também os dentistas que extraem desnecessariamente os dentes para dar lugar a essas próteses.

 

A primeira etapa do implante é cirúrgica: o dente natural é extraído. Após a cicatrização, é colocada uma espécie de "bucha" dentro do osso. Depois de o parafuso se adaptar ao osso, é "rosqueado" o dente, também chamado de coroa, que pode ser de acrílico ou porcelana. "Se tudo correr bem, a "bucha" vai ficar posicionada para o resto da vida. O que pode acontecer é a coroa se quebrar com o tempo", explica Lage-Marques.

 

E se não correr tudo bem? Dentro da mandíbula passa um nervo, que pode ser lesionado na cirurgia, ocasionando perda da sensibilidade no lábio inferior. Isso pode perdurar por seis meses e até ser irreversível, de acordo com o dentista José Tadeu Tesseroli Siqueira, responsável pelo Ambulatório da Dor Orofacial da Divisão de Odontologia e do Centro Interdisciplinar de Dor do Hospital das Clínicas. "Vai da consciência do profissional indicar essa técnica, mas esses excessos existem porque há uma grande expectativa em relação ao resultado final", diz Lemos.

 

A controversa se dá entre os especialistas quanto ao que deve ser reconhecido como excesso. Para Siqueira, os riscos do implante são aceitáveis, assim como os de qualquer cirurgia. Contudo "não se pode retirar todos os dentes para colocar implantes, o que é muito feito por aí, afinal, implante é uma prótese. Ela funciona, mas não é a mesma coisa, é uma tentativa de reprodução de um sistema natural", afirma Lage-Marques.

 

De estético a funcional

 

Há alguns anos, cirurgias de correção de mandíbulas demasiadamente para frente --prognatas-- ou para trás --retrognatas-- só eram feitas esteticamente. Hoje, as associações odontológicas conseguiram provar que o procedimento não só melhora a aparência mas também a mastigação da pessoa. "O aumento do número de cirurgias ocorreu por conta de os planos de saúde hoje cobrirem a técnica, que evoluiu e está menos invasiva", diz o bucomaxilofacial Paulo Sérgio dos Santos Pereira, da Universidade de Brasília (UnB).

 

Antigamente, para ambas as correções, eram necessários 45 dias de recuperação com a boca fechada. Hoje, o paciente sai praticamente falando, segundo o bucomaxilofacial. As contra-indicações são as mesmas de qualquer cirurgia por exigir anestesia geral. "Se a pessoa tem problemas psicológicos, não fazemos a cirurgia, pois a mudança estética é muito grande; muitas vezes a pessoa não se reconhece", diz o especialista.

 

Pereira conta que tinha uma paciente cujo problema maior não era ser prognata, que pode até ser o charme de uma pessoa, mas ter a irmã mais bonita que ela. "Não opero esse tipo de paciente, peço para ir procurar um psicólogo porque provavelmente ela não ficaria satisfeita com o resultado", diz, completando que a cirurgia é apenas facial --"e não cerebral". "Depositar muita expectativa na cirurgia é comum. Existem pessoas tímidas que acham que sendo operadas terão uma outra personalidade."

 

Isso é possível? Sim, dizem os especialistas, apesar de não existir certeza de sucesso, afinal, se fosse ruim, ninguém se submeteria a cirurgias à lá "extreme makeover", um reality show norte-americano em que o participante passa por uma série de cirurgias plásticas para ficar "mais bonito". "Muitas vezes, após um tratamento, vejo um paciente ter sua auto-estima de volta. Isso é ótimo", finaliza França.

 

De qualquer maneira, é bom ser cauteloso, pois mesmo os padrões de beleza mudam. Ter os dentes alinhados, por exemplo, poderá estar fora de moda daqui a alguns anos. "Como os dentes estão em evolução, a tendência são os laterais diminuírem", prevê o bucomaxilofacial Pereira.

 

 

Fonte: Folha de São Paulo

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