Paciente portador da mutação do fator V de Leiden e o risco de trombose

A formação de trombos pode obstruir pequenos e grandes vasos trazendo complicaçõ
A formação de trombos pode obstruir pequenos e grandes vasos trazendo complicaçõ

Medicina

12/03/2015

Doenças tromboembólicas, devido ao seu caráter cosmopolita, figuram dentre as causas mais comuns de morbidade, incapacitação e mortalidade, com estimativas de afetar 1% da população adulta em todo o mundo (HERKENHOFF et al., 2013; HERNADEZ-CUERVO et al., 2014).


A trombofilia consiste em uma tendência aumentada de o indivíduo apresentar fenômenos tromboembólicos, por razões hereditárias ou adquiridas, em veias ou artérias (SANDERS et al., 2008; HERNADEZ-CUERVO et al., 2014). O fator V de Leiden (FVL) trata-se do mais importante fator de risco genético para a trombose e a causa mais comum de trombofilia herdada geneticamente na população em geral, consistindo em uma alteração hereditária, autossômica dominante, capaz de interferir na atuação da proteína C (POORT, 1996; ARRUDA et al., 1997; LLAMAS-ÁLVAREZ et al., 2013).


Sendo assim, tal fator é responsável por uma alteração decorrente da troca da arginina 506 do fator V (fator V de Leiden) por uma glutamina (R506Q) que induz a resistência da proteína C ativada. Desta forma, a clivagem e inativação do fator Va é feita de forma insatisfatória, levando ao acúmulo do mesmo e, consequentemente, aumentando o risco de trombose.


Esta enzima, na sua forma ativada, é um dos fatores reguladores do sistema de coagulação e que atua na inativação proteolítica do fator Va e do fator VIIIa (PINJALA et al., 2012; LLAMAS-ÁLVAREZ et al., 2013).


As artérias e as veias são os sítios mais frequentemente afetados com a formação de trombos, contudo, estes também podem afetar capilares e o coração, ainda que com menor frequência. As complicações geradas pela trombose consistem na diminuição do fluxo sanguíneo devido a obstrução do vaso e ao posterior desprendimento do trombo e formação de êmbolos, além de haver o consumo de elementos hemostáticos (UNDAS, BRUMMEL-ZIEDINS e MANN, 2005). Cabe considerar que, além de atingir os vasos comumente afetados nos demais eventos trombóticos, portadores de FVL podem ter comprometidos locais incomuns do sistema arterial e venoso, causando restrição de crescimento intra-uterino e, até mesmo, aborto (HAYWOOD et al., 2005; KRABBENDAM et al., 2005; BARROS et al., 2014).


Indivíduos homozigotos para a mutação têm risco até cem vezes maior para o desenvolvimento de eventos trombóticos em relação a indivíduos normais, dentre eles trombose venosa profunda, embolia pulmonar e acidente cerebrovascular do tipo tromboembólico (MUÑOZ-GARCIA et al., 2011; HERKENHOFF et al., 2013; HERNANDEZ-CUERVO et al., 2014). No entanto, antecedentes hereditários e exposição a fatores de risco (traumas, cirurgia, uso de contraceptivos orais e gravidez) podem aumentar ainda mais o risco maior de evento trombótico (POORT, 1996; ARRUDA et al., 1997; MANDEGAR, SAIDI e ROSHANALI, 2010).


O diagnóstico do fator V de Leiden pode ser realizado de forma indireta por ensaios funcionais da resistência da proteína C ativada ou de forma direta analisando-se o DNA, porém é importante que se determine a forma homozigota ou heterozigota; para tanto, a análise do DNA é obrigatória (GODOY, 2005). Para Herkenhoff et al (2013), a identificação deste genótipo é aconselhável para pacientes com suspeita ou confirmação de trombofilia, uma vez que resultados de diferentes estudos substanciam uma frequência considerável deste tipo de mutação na população (RAMOS et al., 2006; OLIVEIRA FILHO et al., 2009; PALOMO et al., 2009).


Estes pacientes precisam receber, além do tratamento, a avaliação profissional para prevenção de complicações, sendo necessária, inclusive, a investigação do histórico familiar dos portadores sobre a presença ou não da trombofilia quando expostos a fatores de riscos (GODOY, 2005). Ademais, para Erkalp e colaboradores (2011), o manejo para procedimentos cirúrgicos, incluindo a anestesia, do paciente com desordens de coagulação pode ser visto como um desafio técnico e para a segurança do indivíduo.

REFERÊNCIAS

HERKENHOFF, M. E.et al. Analysis of factor V Leiden and prothrombin mutations in patients with suspected thrombophilia in São Paulo state-Brazil. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 49, no. 3, p. 169-173, Jun. 2013.


HERNÁNDEZ-CUERVO, H.; USME, S.; YUNIS, J. J. Genotipos frecuentemente asociados a trombofilias. Biomédica, Bogotá, v. 34, no.1, p. 132-142, 2014.


ARRUDA, V. R. et al. The mutation Ala677®Val in the methylene tetrahydrofolate reductase gene: a risk factor for arterial disease and venous thrombosis. Thrombosis and haemostasis, Stuttgart, v. 77, no. 5, p. 812-821, may. 1997.


LLAMAS-ÁLVAREZ, A. et al. Trombosis recurrente de acceso vascular para hemodiálisis en paciente con factor V Leiden. Nefrología, (Madr.), Madrid, v. 33, no. 4, p. 601-622, 2013 .


POORT, S. R. et. A common genetic variation in the 3'-untranslated region of the prothrombin gene is associated with elevated plasma prothrombin levels and an increase in venous thrombosis. Blood, New York, v. 88, no.10, p. 3698-3703, Nov. 1996.


SANDERS, L. L. O. et al. Fator V de Leiden na doença de Legg-Calvé-Perthes. Acta ortopedica brasileira, São Paulo, v. 17, no. 2, p. 40-42, 2008.


PINJALA, R. K. et al. Thrombophilia – How Far and How Much to Investigate? The Indian journal of surgery. New Delhi, v. 74, no. 2, p. 157-162, Mar-Apr. 2012.


UNDAS, A., BRUMMEL-ZIEDINS, K. E., MANN, K. G. Statins and blood coagulation. Arteriosclerosis, thrombosis, and vascular biology, Dallas, TX, v. 25, no. 2, p. 287-294, Feb. 2005.


BARROS, V. I. P. V. L. et al. Resultados gestacionais e trombofilias em mulheres com história de óbito fetal de repetição. Revista brasileira de ginecologia e obstetrícia, São Paulo, v. 36, no. 2, p. 50-55, 2014.


HAYWOOD, S. et al. Thrombophilia and first arterial ischaemic stroke: a systematic review. Archives of disease in childhood, London, v. 90, no. 4, p. 402-405, Apr. 2005.


MUÑOZ-GARCÍA, A. et al. Splenic arterial dissection and factor V Leiden mutation causing massive spleen infarction. Revista española de enfermedades digestivas, Madrid, v. 103, no. 8, p. 438-439, 2011.


MANDEGAR, M. H.; SAIDI, B.; ROSHANALI, F. Extensive arterial thrombosis in a patient with factor V Leiden mutation. Interactive CardioVascular and Thoracic Surgery. Oxford, v. 11, no. 1, p. 127-129, 2010.


GODOY, J. M. P. Fator V de Leiden. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. Rio de Janeiro, v. 27, no. 2, p. 79-82, 2005.


RAMOS, C. P. S. et al. Freqüência do fator V Leiden em indivíduos sob investigação de trombofilia, Recife, Pernambuco, Brasil. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. Rio de Janeiro, v. 28, no. 2, p. 131-134, Apr./June. 2006.


OLIVEIRA FILHO, A. B. et al. Discriminação alélica do fator V da coagulação por PCR em tempo real: diagnóstico simples e preciso. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. Rio de Janeiro, v. 31, no. 1, p. 25-28, Mar. 2009.


ERKALP, K. et al. Regional block anesthesia in a patient with factor V Leiden mutation and axillary artery occlusion. Local and regional anesthesia, Auckland, N.Z, v.4, p. 7-10, fev. 2011.


PALOMO, I. et al. Low prevalence of Factor V Leiden and the prothrombin G20210A mutation in a healthy population from central-south region of Chile. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. Rio de Janeiro,v. 31, no. 3, p. 143-146, June. 2009.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Danielle Cristina Zimmermann Franco

por Danielle Cristina Zimmermann Franco

Farmacêutica com residência em Farmácia Hospitalar pela UFJF, especialista em Farmacologia pela UFLA, mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFJF e professora de Farmacologia nesta mesma instituição.

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