Citologia Urinária - Técnicas de Coleta, Preparo e Análise.

Medicina

31/12/2014

A análise microscópica da urina sofre influência direta de acordo com a técnica utilizada para coleta, armazenamento e processamento da amostra, sendo assim, fez-se um levantamento das técnicas utilizadas em laboratórios de citopatologia e descritas na literatura. Na procura de contribuir cientificamente destacam-se os achados citológicos e sua aplicabilidade diagnóstica, além das novas técnicas empregadas para complemento do diagnóstico como os marcadores urinários e as técnicas de evidenciação das aberrações cromossômicas e moleculares das células uroteliais que são utilizadas em conjunto com a citologia urinária.

Para que se tenha uma análise citológica fidedigna se faz necessário compromisso dos profissionais durante todas as fases do exame, realizando de maneira padrão e com qualidade a fase pré-analítica que influenciam diretamente na análise do esfregaço confeccionado. A análise citológica da urina apresenta não só importância diagnóstica oncológica, como também a capacidade de detecção de achados benignos e seguimento de indivíduos em tratamento, e tem sido aprimorada com o passar do tempo de maneira que seus resultados sejam mais gratificantes para o diagnóstico e prognóstico do paciente.

A urina é produto do sistema excretor, um líquido acelular excretado que ao passar pelos túbulos renais, pelve renal, ureteres, bexiga e uretra, carreia consigo as células derivadas do epitélio de tais estruturas que descamam. Além dessas células, podemos encontrar com frequências células de origem inflamatória, histiócitos e eritrócitos. A urina em condições normais apresenta pH ácido e sua composição varia de acordo com a dieta, estado nutricional, metabolismo, realização de atividade física, função renal e endócrina do indivíduo que a excretou. Constituída basicamente por ureia e outras substâncias orgânicas e inorgânicas como ácido úrico, cálcio, cloretos, bicarbonato, creatinina, sulfato, fosfato, amônia entre outros, diluídas em água. Tais componentes derivam da filtração sanguínea realizada pelos rins, e estes, desde os tempos das cavernas, onde desenhos foram encontrados, são estudados (FUNCHAL, 2011).

Hieróglifos egípcios como o ‘Papilo Cirúrgico de Edwin Smith’ demonstravam médicos da antiguidade analisando uma amostra de urina. Observações simples como aspecto da amostra (cor, turvação, odor, volume) e até mesmo detecção da presença de açúcar em alguns espécimes por considerar a aproximação de formigas ao frasco de urina. Esses feitos no decorrer dos séculos caracterizaram o início da medicina laboratorial através da análise urinária (MASCARENHAS, 2011).

Os achados citológicos da urina são classificados de acordo com suas características morfológicas e arquiteturais. Esta análise é limitada, pela amostra ser um material líquido necessita-se de um preparo rápido de concentração celular visando ampliar a detecção das células atípicas com morfologia adequada para tal feito (CIBAS, 2008).

Por tais limitações, novas metodologias foram criadas, os marcadores de carcinomas vesicais e, estes vêm sendo utilizados em conjunto com outros meio diagnósticos do câncer de bexiga (FERREIRA, 2010).

 Atualmente, nova técnica tem sido utilizada em conjunto com a análise citológica da urina. A UroVysion é um método baseado em testes moleculares de urina, aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) para auxiliar no diagnóstico e seguimento do câncer de bexiga (Kamat et al., J Urol. 2012; 187: 862-867).

Métodos de Coleta e Identificação da Amostra Urinária

O método para coleta da amostra urinária será escolhido de acordo com as circunstâncias clínicas do paciente, levando em consideração as vantagens e desvantagens de cada. A situação em que se encontra o paciente irá predizer o tipo de coleta a ser feita para obtenção da urina, sendo este de origem ambulatorial, em condições fisiológicas relativamente normais, o método indicado é a coleta de urina espontânea, método mais utilizado e que apresenta menor interferência no padrão morfológico e arquitetural das células descamadas do sistema renal (KOSS, 2012).

O método de coleta da urina espontânea não apresenta risco ao paciente durante sua realização por não ser invasivo, dependendo apenas da micção espontânea. Aconselha-se o descarte da primeira urina matinal e coleta da próxima micção após retenção de aproximadamente 3 a 4 horas, e preferencialmente coleta no ambiente laboratorial em três dias consecutivos visando, dessa forma, ampliar a sensibilidade do método (CIBAS, 2008).

Alguns autores indicam hidratação através da ingestão de água a cada 30 minutos durante o período de retenção da urina e realização de 15 minutos de exercícios físicos antes da coleta da urina visando promover maior mobilização desta no interior da bexiga e facilitar a descamação celular. Os exercícios podem ser, por exemplo, uma corrida breve ou pulos, antes da coleta urinária (Ministério da Saúde, 2012).

Recomenda-se também, higienização da genitália com água e sabão antes da coleta de urina. A micção deverá ser feita diretamente no frasco coletor seco, limpo e devidamente identificado, colhendo cerca de 5 a 100 ml de urina fresca (QUEIROZ, 2000).

Métodos invasivos como a cateterização, lavado ou escovado, podem ser indicados para pacientes que apresentam retenção urinária, dificuldades de locomoção ou que façam uso de sonda uretral, leva-se em consideração suas particularidades e os sítios do sistema renal que se tem interesse em analisar (KOSS, 2012).

A urina cateterizada apresenta desvantagens para o paciente, por ser um método de coleta invasivo o risco de infecção do trato urinário (ITU) após o procedimento é alto, e também gera interferências quanto à arquitetura celular que mimetiza células maligna, uma grande desvantagem para o citopatologista responsável pelo diagnóstico citológico. Fragmentos celulares benignos podem ser retirados pela ponta do cateter, que, por vezes, aparenta lesões papilíferas de baixo grau, exigindo maior atenção e conhecimento de tais alterações por conta do método utilizado para coleta do espécime. As células uroteliais também podem estar com morfologia pouco preservada e alterações nucleares devido à degeneração do material (CIBAS, 2008).

O lavado vesical consiste também em um método invasivo para obter a amostra desejada para análise citológica, onde por meio da introdução de um cateter irriga-se a bexiga com cerca de 50 mL de solução salina (soro fisiológico estéril) produzindo assim uma suspensão das células uroteliais recém-esfoliadas. Esse método dever ser realizado antes de qualquer procedimento de biópsia e apresenta vantagens em relação a urina cateterizada por colher material com maior celularidade e preservação, além de diminuir as chances de contaminação por detritos urinários, já que a urina retida na bexiga é retirada e então faz-se a lavagem e coleta dessa suspensão. Sua desvantagem é em relação ao paciente, que está exposto ao risco de ITU (CIBAS, 2008).

Pode-se colher material para análise citológica da porção superior do trato urinário, isto se dá através da utilização de métodos como o próprio lavado ou a escovação. Tais métodos são indicados quando há suspeita de neoplasia do trato urinário superior (pélvis renal), colhendo-se então material de ureteres (KOSS, 2012).

A escovação pode ser feita com visualização direta através da introdução de um endoscópio e por meio desse colhe-se o material. Tanto o método de escovação quanto de lavagem do trato urinário superior permite a localização do tumor. Com a visualização de células uroteliais malignas pode-se identificar se o tumor encontra-se na porção superior esquerda ou direita do trato urinário, pois a coleta é realizada separadamente e o material deve ser identificado de maneira correta indicando tal localização (CIBAS, 2008). Outro tipo de amostra analisada durante a rotina laboratorial é a urina ileal ou urina do conduto ileal. Pacientes com câncer de bexiga, geralmente, são submetidos à cistectomia (retirada cirúrgica da bexiga) e urostomia, processo cirúrgico onde uma porção do íleo é isolada e reanastomosadas ao ureter proporcionando assim um novo canal para a excreção da urina. O conduto ileal é, então, criado a partir da excisão de um segmento do intestino delgado perto da entrada do intestino grosso, onde os ureteres são retirados da bexiga e implantados no seguimento ileal. A bexiga é retirada, o fim distal do segmento ileal é trazido através da parede abdominal, e um estoma é formado no abdome. O fim proximal do segmento ileal é fechado por meio de uma sutura. A excreção da urina, a partir dessa cirurgia permanente, não é mais controlada fazendo-se necessário o uso de uma bolsa coletora ligada ao abdome interruptamente (Guia do Estomizado, 2010).

As amostras de urina obtidas a partir desses condutos apresentam grande número de detritos e observamos grande número de células intestinais degeneradas. Tais amostras devem ser analisadas com atenção redobrada, tratando-se não só do estado do espécime, mas da história clínica do paciente levando-se em consideração o alto risco de recorrência de neoplasia urotelial (CIBAS, 2008).

A escolha do método para coleta da urina apresenta, então, diversas vantagens e desvantagens, não só para o paciente acometido por tal procedimento, mas também para o profissional citologista responsável pela análise do espécime (CIBAS, 2008).

Urina Espontânea

Vantagens:  Método de coleta não invasivo
Desvantagens: Baixa celularidade; Contaminação vaginal; Baixa preservação celular.

Urina Cateterizada

Vantagens: Alta Celularidade
Desvantagens: Método de coleta invasivo; Faz-se necessário uso de instrumentos artificiais para obtenção da amostra;  Baixa preservação celular.

Lavado Vesical

Vantagens: Alta Celularidade; Boa preservação celular.
Desvantagens: Método de coleta invasivo; Faz-se necessário uso de instrumentos artificiais para obtenção da amostra.

Lavado de Pélvis Renal

Vantagens:Alta celularidade; Boa preservação;  Seleção das amostras (D/E).
Desvantagens: Método de coleta invasivo;  Faz-se necessário uso de instrumentos artificiais para obtenção da amostra.

Escovado de Pélvis Renal

Vantagens: Seleção das amostras (D/E).
Desvantagens: Método de coleta invasivo;  Pode formar vacúolos nas células colhidas.

Urina Ileal

Vantagens: Permite o seguimento de pacientes cistectomizados.
Desvantagens: Baixa celularidade;  Baixa preservação celular.

 

Processamento da Amostra Urinária

Após a coleta da urina, independente do método utilizado, seguirá para o laboratório que fará a triagem do material atentando-se primeiramente a requisição médica, nesta os dados pessoais do paciente, a indicação clínica e a identificação da amostra – espécime obtido de urina espontânea, cateterizada, ileal, lavado vesical ou lavado ou escovado da porção superior do trato urinário – visando cadastro correto do material e do paciente fonte.

A anamnese deve ser feita no momento do recebimento da amostra, perguntando diretamente ao paciente ou ao seu portador, se este paciente é tabagista, se faz uso de algum medicamento, se está exposto a anilinas ou aminas aromáticas, se já fez tratamento para lesões uroteliais, entre outras informações criteriosas e importantes para manter registro e posteriormente serem relacionadas com exame citológico.

O tempo em que a amostra foi colhida até ser entregue ao laboratório deverá ser informado, levando em consideração se há necessidade dessa amostra já estar em meio a ambiente favorável para sua preservação, como refrigeração ou fixação. Pesquisas descrevem que amostras colhidas dentro de 11 à 12h até sua análise a amostra poderá ser processada à fresco, de 12 à 24h a amostra necessita refrigeração para manter preservada a morfologia celular e que a partir de 24h após a sua coleta deve-se acrescentar álcool a 50 ou 70% e Carbowax a 2% visando diminuir o risco de alta degeneração celular das células a serem observadas (CIBAS, 2008).

Aconselha-se uma análise macroscópica da urina, registrando número de amostras e volume total recebido, aspecto da amostra quanto a sua cor e se há turvação ou hematúria evidente (QUEIROZ, 2000).

As técnicas utilizadas para o preparo da amostra deverão atender as necessidades da análise, levando em consideração o volume total da amostra e os materiais disponíveis para realização do método mais indicado, além das vantagens e desvantagens de cada técnica como podemos verificar na tabela 02 (KOSS, 2012).

O material poderá ser preparado através de centrifugação direta, sendo feito um estendido do sedimento obtido, ou então, após essa centrifugação total ou de uma alíquota da amostra, descartar parte do sobrenadante, suspender o sedimento e citocentrifugar esse material através do Cytospin

obtendo assim um material celular bem concentrado nas lâminas que auxilia na leitura (QUEIROZ, 2000).

De acordo com a instrução de serviço da Divisão de Patologia (DIPAT) do INCA, transfere-se a amostra em tubos ‘Falcon’, visando uma concentração do material total, ou em tubos de ensaio, nos casos de concentração das alíquotas feitas. Programa-se 2000 rpm (rotação por minuto), por 10 minutos. O sobrenadante é descartado e cerca de 250 µm do sedimento obtido é pipetado e transferido para os funis de citocentrifugação que estão acoplados ao suporte da lâmina junto ao papel filtro (IS CITO/DIPAT 001, INCA).

A citocentrifugação faz com que as células em suspensão sejam depositadas de maneira direta à lâmina, que deve estar previamente albuminizada visando uma maior aderência dessas células à lâmina. Com a rotação da citocentrífuga, o depósito de células formado na lâmina é chamado de pellet e este possui um diâmetro, geralmente, de 5 mm e a porção líquida contida ainda na amostra citocentrifugada é absorvida pelo cartão filtro (papel absorvente) (FIOCRUZ, 2010).

Após o procedimento de citocentrifugação, o citofunil é desacoplado do citoclipe, retira-se com cuidado o papel filtrante de maneira que não estenda o pellet formado na lâmina. A lâmina é então colocada em meio ao álcool a 96%, que tem ação fixadora, por no mínimo trinta minutos para que esta lâmina siga na bateria de coloração de Papanicolaou (IS CITO/DIPAT 001, INCA).

Um método utilizado que apresenta bom aproveitamento da amostra total de urina é através da filtração por membrana.  Transfere-se a amostra total de urina colhida para um cálice e deste transfere-se para um filtro contendo uma membrana filtrante acoplado a um kitassato, uma vidraria destinada a filtração forçada em que é acoplado a uma boba de vácuo que realizará sucção necessária para que a urina presente no filtro passe pela membrana, retendo as células de interesse analítico e deixando o restante da porção líquida da urina passar para o fundo do kitassato (CARVALHO, 1997).

Este método de filtração foi sugerido por S. H. Seal, em 1956 sendo também utilizado no preparo de amostras de líquido cefalorraquidiano (LCR). As membranas filtrantes eram comercializadas para o uso na microbiologia e sua introdução nas técnicas de preparo da urina para análise citológica apresentaram grandes resultados quanto à filtração do material (MANGA, 2003).

O filtro Millipore é um tipo dessa membrana filtrante, sendo este feito de celulose tendo 140µm de espessura e cor branco-opaco. Outro filtro pode também ser utilizado, o Nucleopore, sendo esse feito de policarbonato tendo 10µm de espessura, poros com diâmetro de cerca de 5µm e formato retangular ou redondo, incolor (IS CITO/DIPAT 001, INCA).

Nos laboratórios de citologia do Instituto Nacional de Câncer José Gomes de Alencar, utiliza-se mais frequentemente os filtros de Millipore. Para realização da técnica, esse filtro é previamente umedecido com solução salina por aproximadamente 10 a 15 segundos, além de umedecer também a grade-filtro fixa.

Após a filtração, essa membrana é retirada do aparelho de filtragem e colocada com a face onde estão presentes as células sobre duas lâminas próximas e com o auxílio de um papel mata-borrão e uma pinça faz-se uma pressão de forma que um imprint (decalque) das células seja feito. Após tal procedimento, as lâminas confeccionadas seguem para fixação em álcool a 96% (mínimo por 30 minutos) e para bateria de coloração de Papanicolaou (IS CITO/DIPAT 001, INCA).

Outros métodos podem ser utilizados para o preparo do material citológico da urina, bem como utilização de meio líquido, estas podem ser utilizadas com o intuito de reduzir os detritos e aglomerados de células e também reduzir o tempo durante o rastreio já que tais empecilhos são reduzidos e a área com o concentrado celular é menor que as confeccionadas em outros métodos mais usuais (KOSS, 2012; CIBAS, 2008).

Elementos Normais

O tecido epitelial urotelial recobre a porção desde a pélvis renal à extremidade da uretra proximal e apresenta três tipos celulares basicamente, na parte interior, junto à membrana basal, apresenta as células basais que são recobertas por células intermediárias e, estas, por células superficiais (HORTA; COELHO, 2013). A análise citológica da urina sofrerá influências de acordo com o método utilizado para sua coleta e preparo. O encontro dessas células e as características apresentadas irão depender do método utilizado para coleta e conservação do material (KOOS, 2012).

Na análise de urina espontânea espera-se encontrar, dispersas, as células uroteliais intermediárias, apresentando citoplasma finamente vacuolizado ou granular, núcleo redondo com nucléolo discreto e podem ser observadas com formato colunar ou fusiforme; e as células uroteliais superficiais, com citoplasma abundante e núcleos aumentados de tamanho podendo ser bi ou multinucleadas, mantém uma relação núcleo/citoplasma baixa por conta do tamanho ampliado do citoplasma (CIBAS, 2008).

Em urinas coletadas por meio de métodos invasivos, as células uroteliais apresentam-se em maior número e, geralmente, agrupadas. Observamos a presença das células basais que são menores com citoplasma e núcleo oval ou redondo, podendo apresentar uma cromatina finamente granular, mas homogênea; além das células superficiais e intermediárias (ROSENTHAL, 2005).

Alguns segmentos do sistema urinário por onde a urina percorre, apresentam células epiteliais de aspecto cilíndrico. Segmentos estes, como os ninhos de VonBrunn e em uma porção da uretra constituída por epitélio estratificado colunar. Essas células colunares mantém o padrão de citoplasma cilíndrico com núcleos basais, geralmente sem a presença barra terminal nem cílios no polo citoplasmático. Os ninhos de VonBrunn são formados através da penetração do urotélio para lâmina própria em uma porção da bexiga e, esses ninhos, podem se transformar em cistos desenvolvendo uma diferenciação glandular mucinosa no epitélio que o recobre. Essa transformação cística pode gerar um quadro de cistite glandular (HORTA; COELHO, 2013).

Em pacientes do sexo masculino, após massagem prostática, também podemos observar células colunares, mas seu aparecimento é menos frequentes nesses casos. Raramente, observamos também as células epiteliais da vesícula seminal, estas apresentam núcleos hipercromáticos que podem mimetizar uma atipia celular diferenciando-se apenas pela presença de numerosos pigmentos citoplasmáticos amarelados (HORTA; COELHO, 2013; CIBAS, 2008).

Em urinas colhidas do conduto ileal, podemos visualizar células intestinais dispersas com marcantes alterações degenerativas como, por exemplo, a intensa eosionofilia causada pela mudança do pH, já que estas células permanecem em pH básico na porção intestinal e entram em contato com a urina que, geralmente, apresenta pH ácido (ROSENTHAL, 2005).

Podemos encontrar também as células tubulares renais. Essas células são pequenas, de formato oval, cilíndrico ou até mesmo cuboide; apresentam núcleos redondos com tendência a picnose, seu citoplasma por vezes é granular. De encontro raro, em análise de urina espontânea, relaciona-se com possível exteriorização, por lesão, do parênquima renal, realização de pielografia ou em casos de rejeição ao transplante renal. O uso da citologia urinária no seguimento de indivíduos submetidos a transplante renal é frequente, graças ao encontro de células e estruturas do sistema urinário que sinalizam possíveis rejeições ao transplante. Além do encontro de células tubulares renais, podemos utilizar também como sinalizador para esse problema o encontro dessas células junto a numerosos linfócitos caracterizando assim uma linfocitúria, relacionada também com cistites (especialmente folicular) ou até mesmo casos de linfoma (HORTA; COELHO, 2013).

Durante a análise do concentrado urinário, podemos observar elementos normais não celulares, por exemplo, os cristais. Esses cristais não apresentam significado clínico relevante aos objetivos do exame citológico da urina, tendo como origens as desordens metabólicas e seu crescimento pode ser influenciado pelo pH, densidade e temperatura vigentes, além do tempo entre a coleta e o preparo da amostra urinária que pode gerar um aumento ou até mesmo uma diminuição dessas estruturas (FUNCHAL; MASCARENHAS; GUEDES, 2011).

Outro elemento não celular também observado, porém com significado clínico e relação com algumas fisiopatologias, são os cilindros. Esses cilindros são estruturas proteicas gerados nos rins em túbulos contornados distais ou coletores e que, em indivíduos normais, podemos encontrar pequena quantidade do tipo hialino (sem anexos celulares). Em casos de patologias do trato renal, os cilindros se apresentam em grande quantidade e contem anexos que refletem a fisiopatologia glomerular e/ou tubular relacionada, anexos esses que podem ser as células oriundas de seu local de formação (HORTA; COELHO, 2013).

Através da análise desses anexos, os cilindros são divididos em: cilindros hemáticos (associado à doença renal intrínseca); cilindros leucocitários (relacionado com pielonefrites); cilindros de células epiteliais (relacionado a lesões tubulares renais); cilindros granulosos (associado à doença renal tubular ou glomerular, rejeição a transplante renal, submissão à urografia ou disfunção fisiológica do sistema renal); cilindros céreos (relacionado à insuficiência renal, rejeição a transplante renal, doenças agudas do trato urinário ou estease do fluxo urinário); cilindros gordurosos (associado à síndrome nefrótica, casos de diabetes, degeneração renal e intoxicações por mercúrio ou etilenoglicol) (FUNCHAL; MASCARENHAS; GUEDES, 2011).

Achados Benignos

Algumas alterações celulares de origem traumática ou infecciosa podem ser observadas e devem ser analisadas com atenção. Casos de litíase, presença de cálculos renais, podem gerar também certas alterações celulares que dificultam a análise, tornando duvidoso alguns critérios observados. Podemos então observar, graças a essas interferências ao trato urinário, perda do padrão arquitetural celular, alta celularidade descamada em grupamentos compactos e coesos, geralmente planos, mas com possíveis áreas de sobreposição das células, mantendo formatos arredondados ou até mesmo papilíferos. Deve-se atentar aos caracteres que se mantêm típicos, como os núcleos dessas células afetadas. Por vezes, pode-se encontrar núcleos aumentados e/ou hipercromáticos mimetizando um padrão nuclear alterado (HORTA; COELHO, 2013).

Após a submissão do indivíduo a exames por meio de sondas, cateteres, cistoscópio e ações como cateterização retrógrada, lavagem ou escovação do trato urinário, o padrão citológico da amostra é alterado criando uma dubiedade diagnóstica com lesões uroteliais, causa de muitos falso-positivos (CIBAS, 2008; HORTA; COELHO, 2013).

Alterações de origem infecciosa podem ser causadas por agentes bacterianos, onde observamos em meio ao esfregaço purulento e, por vezes hemorrágico, flora exacerbada e sinais de degeneração celular como a tendência a picnose, cariorrexe, citoplasma mal delimitado e necrose; e agentes virais, fúngicos ou até mesmo infecções causadas por protozoários (Trichomonas vaginalis). Infecções por Schistosoma haematobium, um parasita do trato urinário, pode gerar uma alta descamação de células escamosas queratinizadas, nucleadas e anucleadas (HORTA; COELHO, 2013); seu grau de infecção mostra uma relação de causa e/ou evolução de carcinomas uroteliais (SANTOS; CHAVES; VIDEIRA, et al., 2012).

Outro achado de origem bacteriana é a malacoplaquia, presença de macrófagos com inclusões eosinofílicas, uma incomum inflamação histiocítica que resulta de uma infecção bacteriana, considerada um distúrbio digestivo da célula de defesa (CIBAS, 2008).

Efeitos citopáticos virais podem ser observados nas células uroteliais, entre esses efeitos, encontram-se as inclusões nucleares centrais circundadas por um halo claro, muita das vezes binucleada e cariomegalica, o que caracteriza o dito “olho de coruja”, uma alteração típica do citomegalovírus (CMV). Encontra-se também células com um leve aumento de tamanho, núcleo volumoso e hipercromático, cromatina densa, homogênea e levemente fosca com um discreto ponto central mais claro no núcleo das células alteradas, típico do Poliomavírus Humano, pertencente ao grupo papovavirus. Essas células com alterações causadas pelo poliomavírus, as decoy cell, por muitos citologistas foram ditas como malignas, considerando o aumento significante da relação núcleo /citoplasma e hipercromatismo marcante, outra causa de muitos diagnósticos falso-positivos de carcinoma urotelial (HORTA; COELHO, 2013).

Outros agentes virais, como o herpes e papilomavírus humano (HPV), também ocasionam alterações celulares típicas, bem como visualizadas durante a análise citológica de qualquer outro material biológico. Nos casos diagnosticados com infecção pelo HPV, ditos como quadro de condiloma urotelial ou até mesmo uma possível contaminação celular por passagem da urina em área vaginal e vulvar, sugere-se acompanhamento também do companheiro. Em caso do companheiro ser do sexo masculino, indica-se o exame citológico urinário por meio do escovado a modo que complemente o exame de peniscopia e realize um diagnóstico precoce de lesões uroteliais e penianas para o indivíduo (HORTA; COELHO, 2013).

Alterações geradas por disfunção homeostática do trato urinário também podem ser observadas, nos casos de rejeição ao transplante renal visualiza-se um aumento da celularidade descamada junto a presença de células tubulares e linfocitúria superior a 20%, degeneração nuclear, hematúria, cilíndros epiteliais, necrose e leucócitos agrupados a células epiteliais. O encontro de cinco desses achados descritos acima na amostra urinária pode-se fechar um diagnóstico de positividade para rejeição de transplante renal (HORTA; COELHO, 2013; FUNCHAL; MASCARENHAS; GUEDES, 2011). De maneira geral, durante os exames citológicos, nos deparamos com critérios que nos sugestionam a alterações benignas, e que em muitos casos fazem diagnóstico diferencial com alterações celulares malignas (CIBAS, 2008).

Classificação e Detecção das Lesões Uroteliais

As lesões uroteliais podem ser divididas, de acordo com a caracterização arquitetural dos grupamentos celulares observados, em planas ou papilares (CIBAS, 2008). Essa classificação foi desenvolvida através de um trabalho de consenso entre a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a International Society of Urological Pathology (ISUP), em 1998, que integrou as duas linhas de opinião defendidas por tais entidades, gerando assim a nomenclatura OMS/ISUP, padronizando os laudos histológicos e citológicos (HORTA; COELHO, 2013).

Lesões Papilares:

* Neoplasias benignas papilíferas (papiloma e papiloma invertido);
* Neoplasia urotelial maligna não invasiva (neoplasia papilífera de baixo potencial de malignidade e carcinomas papilíferos não invasivos de baixo grau e de alto grau);
* Neoplasia urotelial maligna invasiva (carcinoma urotelial invasivo de baixo grau e de alto grau).

Lesões Plana:

* Displasia;
* Carcinoma in situ;

A partir dessa divisão e nomenclatura padronizada, se verificarmos grupamentos celulares atípicos, cuja arquitetura celular evidencia formação de papilas, essas são classificadas como lesões papilares ou papilíferas, por exemplo, o papiloma urotelial. Histologicamente, o papiloma urotelial apresenta-se de tamanho pequeno e com alta coesão influenciando dessa forma na descamação de suas células que, geralmente, quando observadas, apresentam-se dentro da normalidade em grupamentos frouxos e de citoplasma alongado. A neoplasia urotelial papilífera de baixo potencial de malignidade apresenta-se também dentro de um padrão normal de células uroteliais ou com atipia discretas, geralmente agrupadas em meio a fundo limpo, mas com hematúria; o núcleo dessas células pode estar levemente aumentado, tendo a citologia urinária uma sensibilidade baixa, cerca de 30%, para sua detecção (HORTA; COELHO, 2013).

O carcinoma urotelial papilífero de baixo grau, dita também como lesão urotelial de baixo grau apresenta-se na citologia através de um aumento na celularidade, com células uroteliais normais em meio a células atípicas isoladas ou em pequenos grupamentos hipercelulares formando papilas com ou sem eixo fibrovascular, com cariomegalia, hipercromasia nuclear, contorno nuclear irregular e cromatina grosseira; citoplasma homogêneo, além da relação núcleo/citoplasma aumentada em algumas células (HORTA; COELHO, 2013; CIBAS, 2008).

O carcinoma urotelial papilífero de alto grau (lesão urotelial de alto grau) apresenta numerosa celularidade atípica, isoladas ou em grupamentos irregulares com marcante relação núcleo/citoplasma muito aumentada, hipercromatismo intenso com cromatina grosseiramente granular, membrana nuclear irregular e nucléolo, geralmente, proeminente (CIBAS, 2008). A detecção através da citologia urinária da lesão urotelial de alto grau apresenta sensibilidade entre 75 e 85% (HORTA; COELHO, 2013).

Nas lesões uroteliais classificadas como planas, ou seja, que não formam papilas inclui-se a displasia, onde observamos células atípicas em meio ao estendido (por ser considerada uma lesão controvérsia e que muita das vezes coexiste com lesão de alto grau, seu diagnóstico é fechado através de exames histológicos complementares), caracterizada como pré-maligna já que as células atípicas são identificadas nos esfregaços em pequena quantidade, acompanhadas de um fundo limpo e sem alterações inflamatórias. Essas células, ditas como displásicas, mostram-se geralmente isoladas, com citoplasma pouco denso e núcleo moderadamente ou acentuadamente hipercromático e uma leve irregularidade, mantendo sua cromatina grosseira (CIBAS, 2008; HORTA; COELHO, 2013).

O carcinoma urotelial in situ também é considerado como lesão aplanada, apresentando-se nos preparados citológicos com hipercelularidade, atípica, cariomegalia marcante, hipercromasia acentuada em núcleos de contorno irregular, macronucléolo e cromatina grosseira. O fundo do material analisado é, geralmente, limpo, com ausência de necrose podendo apresentar leucócitos e hemácias em meio às células malignas (HORTA; COELHO, 2013).

Cuidados devem ser tomados em relação aos diagnósticos diferenciais existentes entre as categorias das lesões e entre lesões benignas e malignas. Alterações reacionais não específicas como núcleo aumentado, nucléolo proeminente e citoplasma granular a vacuolado, fazem diagnóstico diferencial com carcinoma in situ (lesão plana) e lesão de alto grau (lesão papilífera), assim como alterações celulares causadas por poliomavirus, atipia por litíase, células uroteliais benignas colhidas por meio de cateterização, lavados ou escovados e células reacionais a tratamento medicamentoso ou radioterapia (CIBAS, 2008).

Neoplasias Uroteliais

Além das lesões, consideradas como pré-neoplásicas, podemos nos deparar com neoplasias primárias ou metastáticas durante a análise citológica da urina. O carcinoma urotelial (carcinoma das células transicionais) constitui uma das neoplasias primárias do trato urinário e representa mais de 94% dos casos (REDMAN, 2005). Muitos casos estão relacionados à infecção pelo Schistosoma hematobium (SANTOS; CHAVES; VIDEIRA, et al., 2012). Tal neoplasia faz diagnóstico diferencial com o condiloma acuminado de bexiga, carcinoma escamoso metastático e carcinoma escamoso ginecológico em casos de pacientes do sexo feminino, isso por apresentarem características citomorfológicas e arquiteturais semelhantes como citoplasma queratinizado, presença de pérolas córneas atípicas, pontes citoplasmáticas e núcleo aumentado e hipercromático (HORTA; COELHO, 2013; CIBAS, 2008).

O adenocarcinoma, similar aos de outros sítios do organismo, mantém a citomorfologia atípica padrão. Através dessas características observadas o adenocarcinoma é dividido em bem diferenciado, quando apresenta células colunares isoladas, núcleo hipercromático e marcante metacromasia; e em pouco diferenciado quando apresenta células em anel de sinete, relação núcleo citoplasma aumentada, além da grande produção de mucina. Os adenocarcinomas são encontrados em cerca de 2% dos tumores uroteliais e fazem diagnóstico diferencial, por exemplo, com adenocarcinomas metastáticos de reto (HORTA; COELHO, 2013; CIBAS, 2008).

Outros tumores podem ser observados durante a análise citológica da urina, sendo estes mais raros de detecção por esse método. O carcinoma de células claras, também considerado como neoplasia primária do trato urinário, é extremamente raro de ser observado durante a análise citológica da urina; apresenta características citomorfológicas marcantes, como o abundante e claro citoplasma em células redondas pequenas e agrupadas com núcleo grande e irregular, cromatina vesicular e nucléolo proeminente. Este carcinoma é considerado a principal neoplasia do parênquima renal e raramente descama, a não ser em casos em que há invasão da pélvis renal (HORTA; COELHO, 2013; CIBAS, 2008).

Tumores prostáticos, os adenocarcinomas prostáticos (figura 16), podem ser detectados também por meio da citologia urinária quando se é feita massagem prostática ou em casos avançados da neoplasia que, por muitas vezes, invade a bexiga. Seu padrão citomorfológico se mantém com o mesmo padrão atípico de outros sítios (HORTA; COELHO, 2013). Diversas neoplasias podem fazer metástase para a bexiga, tendo a maior incidência o carcinoma renal e os adenocarcinomas de próstata e cólon (CIBAS, 2008).

 

 

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Louise Helena Schiatti Gonzaga

por Louise Helena Schiatti Gonzaga

Diretora Técnica do Grupo Bio-Trabalho. 1ª Secretária Adjunta da Associação Nacional de Citotecnologia (ANACITO). Formação de Nível Médio em Citopatologia pelo INCA e EPSJV/Fiocruz. Formação de Nível Médio em Análises Clínicas pela ETEJK/Faetec. Graduando Ciências Biológicas pela UNIGRANRIO. Atuação Profissional como Citotecnologista no Laboratório Sergio Franco (DASA).

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