Papel ético do médico em casos de gravidez na adolescência

Adolescência compreende a faixa etária entre 10 e 19 anos
Adolescência compreende a faixa etária entre 10 e 19 anos

Medicina

19/12/2014

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), adolescência compreende a faixa etária entre 10 e 19 anos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069 de 13/07/90), é considerado adolescente o indivíduo entre 12 e 18 anos de idade. Essa diferença é pouco relevante frente a todas as modificações biológicas, psicológicas e sociais que caracterizam esse período da vida. Aos agravos, determinada pelo processo de crescimento e desenvolvimento, coloca-o na condição de presa fácil das mais diferentes situações de risco, como gravidez precoce, muitas vezes indesejada, DST/Aids, acidentes, diversos tipos de violência, maus tratos, uso de drogas, evasão escolar, etc. Quando somados esses fatores à importância demográfica que esse grupo representa, encontra-se plenamente justificada a necessidade de atenção integral à sua saúde, levando em consideração as peculiaridades específicas dessa faixa etária.


Em cumprimento à Constituição brasileira, promulgada em 05/10/88, o Ministério da Saúde oficializou o Programa de Saúde do Adolescente (Prosad), visando proporcionar aos jovens atenção integral à sua saúde. Os Departamentos de Bioética e Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da Sociedade Brasileira de Pediatria apresentam as seguintes recomendações:

1. O médico deve reconhecer o adolescente como indivíduo progressivamente capaz e atendê-lo de forma diferenciada.


2. O médico deve respeitar a individualidade de cada adolescente, mantendo uma postura de acolhimento, centrada em valores de saúde e bem-estar do jovem.


3. O adolescente, desde que identificado como capaz de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, tem o direito de ser atendido sem a presença dos pais ou responsáveis no ambiente da consulta, garantindo-se a confidencialidade e a execução dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos necessários. Dessa forma, o jovem tem o direito de fazer opções sobre procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou profiláticos, assumindo integralmente seu tratamento. Os pais ou responsáveis somente serão informados sobre o conteúdo das consultas, como por exemplo, nas questões relacionadas à sexualidade e prescrição de métodos contraceptivos, com o expresso consentimento do adolescente.


4. A participação da família no processo de atendimento do adolescente é altamente desejável. Os limites desse envolvimento devem ficar claros para a família e para o jovem. O adolescente deve ser incentivado a envolver a família no acompanhamento dos seus problemas.


5. A ausência dos pais ou responsáveis não deve impedir o atendimento médico do jovem, seja em consulta de matrícula ou nos retornos.


6. Em situações consideradas de risco (por exemplo: gravidez, abuso de drogas, não adesão a tratamentos recomendados, doenças graves, risco à vida ou à saúde de terceiros) e frente à realização de procedimentos de maior complexidade (por exemplo, biópsias e intervenções cirúrgicas), torna-se necessária a participação e o consentimento dos pais ou responsáveis.


7. Em todas as situações em que se caracterizar a necessidade da quebra do sigilo médico, o adolescente deve ser informado, justificando-se os motivos para essa atitude. Quando um adolescente procura um serviço de saúde, a motivação pode ser dele, do seu responsável ou de ambos. Para lhe oferecermos a oportunidade de falar de si, confidencialmente, é necessário que o atendimento sempre ocorra em dois momentos, o primeiro acompanhado de seu responsável e o segundo, só com o adolescente, pois ele pode não querer revelar algumas informações na presença de seus pais.


Com o parecer do Departamento de Bioética e Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (DBA/SBP) de São Paulo, a diferença da relação médico-paciente da faixa etária adolescente em comparação à da criança é que a primeira deixa de ser uma relação profissional-responsável e passa a ser profissional-adolescente, pois este último já tem maturidade suficiente para lhe permitir mais autonomia. É importante que, no primeiro encontro entre profissional de saúde, família e adolescente, expliquem-se o que é confidencialidade e a necessidade dela.


Os princípios éticos no atendimento a adolescentes nos serviços de saúde se referem especialmente à privacidade, caracterizada pela não permissão de outrem no espaço da consulta; confidencialidade, definida como acordo entre profissional da saúde e cliente de que as informações discutidas durante e após a consulta não podem ser passadas aos responsáveis sem a permissão do adolescente; sigilo, regulamentado pelo artigo 103 do Código de Ética Médica; e autonomia, contida no Capítulo II, art. 17, do ECA†. Estudo realizado nos EUA mostra que, quando o sigilo e a confidencialidade não são garantidos, a maioria dos adolescentes não revela certas informações.


Existem, entretanto, situações em que o profissional percebe que o adolescente não tem condições de arcar sozinho com sua saúde ou se conduz de forma a causar danos a si ou a outras pessoas. Nessas, a quebra do sigilo é justificada. Entre tais situações destacamos gravidez, AIDS, percepção da ideia de suicídio ou homicídio, drogadição e recusa ao tratamento. Nas situações em que se caracterizar a necessidade da quebra do sigilo médico, o paciente deve ser informado, justificando-se os motivos para essa atitude. Cada situação de conflito entre interesses do adolescente e os de seus responsáveis deve ser individualmente estudada, construindo-se conjuntamente uma “verdade para aquele momento”. Os indivíduos evoluem da heteronomia para a autonomia, e cada um tem ritmo e época/idade particulares em que isso acontece. A análise de cada caso deve ser prima facie, ou seja, não pode haver regras sem exceção. No dever prima facie a melhor conduta é decidida no momento do conflito e deve ser priorizada de acordo com as circunstâncias.

• Referências Bibliográficas:

BEZERRA, V. L. V. A.; Campos, D.; Salomon, J. B. R. Crescimento e desenvolvimento no adolescente. Arch. Latinoam. Nutr. 1973; 23 (4): 465-83.


AMAZARRAY, M. R.; MACHADO, P. S.; OLIVEIRA, V.I.; GOMES, W. B. A experiência de assumir a gestação na adolescência: um estudo tecnológico. Psicol. Reflex. Crit. v. 11. n. 3, 1998.


CARVALHO, G.M.; BARROS, S.M.O Fatores psicossociais relacionados à gravidez na adolescência. Acta Paul. Enferm, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 9-17, 2000.


GOLDENBERG, Paulete; FIGUEIREDO, Maria do Carmo Tolentino; SILVA, Rebeca de Souza. Adolescent pregnancy, prenatal care, and perinatal outcomes in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, v. 21, n. 4, p. 1077-1086, 2005.


CHALEM, Elisa et al. Gravidez na adolescência: perfil sócio-demográfico e comportamental de uma população da periferia de São Paulo, Brasil Teenage pregnancy: behavioral and socio-demographic profile of an urban.Cad. saúde pública, v. 23, n. 1, p. 177-186, 2007.


LIMA, Luzia Soares; TOCCI, Heloísa Antonia. Gravidez na adolescência: intercorrências e prematuridade.


ENCARNAÇÃO, Anabela; GOMES, Eugénia; RAMOS, Maria Auxiliadora. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA. 2013.


MOREIRA, Thereza Maria Magalhães et al. Conflitos vivenciados pelas adolescentes com a descoberta da gravidez. Rev Esc Enferm USP, v. 42, n. 2, p. 312-20, 2008.


MARTINS, MARíLIA DA GLóRIA; SOUSA, MáRCIA DA SILVA. Gravidez na adolescência e fatores associados com baixo peso ao nascer. Rev Bras Ginecol Obstet, v. 30, n. 5, p. 224-31, 2008.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Rodrigo de Paiva Souza

por Rodrigo de Paiva Souza

.Acadêmico de Medicina da UFJF

Portal Educação

UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93