A saúde do trabalhador aos poucos vem sendo incorporada às ações do SUS
Medicina
13/11/2013
Durante muito tempo, a solução de problemas relacionados a acidentes e doenças de trabalho foi desempenhada por engenheiros de segurança, médicos do trabalho, a gerência das empresas e outros técnicos especializados, pois, até então, eram os únicos ditos “possuidores” do conhecimento para analisarem os riscos nos locais de trabalho e proporem soluções. Os trabalhadores, apesar de serem os principais interessados, eram tratados apenas como objetos passivos da investigação.
Essa visão atrasada de segurança e saúde ocupacional procurava amenizar, sanar ou remediar as consequências do trabalho somente após a ocorrência de eventos como acidentes e doenças, e no controle dos próprios trabalhadores. Desse modo, a prevenção restringia-se apenas ao seguimento de normas de segurança e ao uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), que nem sempre eram acompanhados do seu fornecimento e treinamento adequados.
A noção de que os riscos presentes no ambiente de trabalho não são apenas um problema técnico, mas também apresentam características políticas e éticas, está mais diretamente relacionada com as relações de poder na sociedade e nas empresas do que propriamente com normas técnicas. Assim, a visão técnica de especialistas e cientistas sobre os riscos decorrentes de processos produtivos e tecnologias que subvalorizam as necessidades de seres humanos e do meio ambiente passou a ser desenvolvida por organizações de trabalhadores e cidadãos em geral, o que levou à luta pela defesa da vida, da democracia e de um ambiente de trabalho digno.
O bom desempenho das atividades empresariais está diretamente relacionado à manutenção do bom estado de saúde do trabalhador, a sua peça fundamental. A avaliação dos riscos no ambiente de trabalho precisa levar em consideração a vivência, o conhecimento e a participação dos trabalhadores, uma vez que estão diretamente expostos às situações inerentes ao trabalho do dia a dia e sofrem seus efeitos e, portanto, possuem um papel fundamental na identificação, eliminação e controle dos riscos. Além disso, a população em geral e o meio ambiente sofrem diretamente os efeitos dos processos produtivos, por meio da poluição ou dos acidentes ambientais.
Mais recentemente, em países da Europa e na América do Norte, houve uma mudança substancial no enfoque dos profissionais que trabalham com os riscos nos locais de trabalho. Nesse novo ponto de vista, prioriza-se a prevenção, ou seja, atua-se principalmente no controle e eliminação dos riscos na fonte, e não após a ocorrência de acidentes e doenças. Também a organização do trabalho e as práticas gerenciais passaram a ser reconhecidas como importante foco de análise, seja como causadoras de acidentes, doenças e sofrimento, ou como integrantes fundamentais das políticas de segurança e saúde nas empresas.
Alguns registros da antiguidade demonstram a existência, desde os seus primórdios, de doenças originadas em virtude do trabalho, por exemplo:
1) Hipócrates, em seus escritos que datam de quatro séculos antes de Cristo, fez menção à existência de moléstias entre mineiros e metalúrgicos;
2) Plínio, O Velho, que viveu antes do advento da era Cristã, descreveu diversas moléstias do pulmão entre mineiros e envenenamento advindo do manuseio de compostos de enxofre e zinco;
3) Galeno, que viveu no século II, fez várias referências a moléstias profissionais entre trabalhadores das ilhas do mediterrâneo;
4) Georgius Agrícola publicou, em 1556, o livro "De Re Metallica", onde foram estudados diversos problemas relacionados à extração de minerais argentíferos e auríferos, e à fundição da prata e do ouro. A obra apontava os acidentes do trabalho e as doenças mais comuns entre os mineiros, dando destaque à chamada "asma dos mineiros".
Em 1697, foi escrita a primeira monografia demonstrando as relações entre trabalho e doença, de autoria de Paracelso, "Von Der Birgsucht Und Anderen Heitene”, trazendo relatos de métodos de trabalho e substâncias manuseadas relacionados com doenças. Pela primeira vez, eram descritos os sintomas relacionados à intoxicação por mercúrio.
Em 1700, foi publicada a obra "De Morbis Artificum Diatriba", por Bernardino Ramazzini. Em sua obra são descritas cerca de cem profissões diversas e riscos específicos relacionados a cada uma. Devido à importância dos seus relatos, Bernardino Ramazzini é conhecido como o "Pai da Medicina do Trabalho".
A Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra entre 1760 e 1830, marcou o início da industrialização moderna, a qual teve a sua origem com o aparecimento da primeira máquina de fiar. Até o surgimento das primeiras máquinas de tecelagem, o artesão era o único dono dos seus meios de produção. O custo elevado das máquinas veio na contramão dos trabalhos manuais dos artesãos. O avanço do capitalismo nessa época possibilitou um grande aumento nos níveis de produção, e, para atender a essa demanda, as indústrias passaram a empregar pessoas para fazer as máquinas funcionarem. Esses eventos marcaram o surgimento das primeiras fábricas e estreitaram a relação entre capital e trabalho.
Outro marco importante nessa época foi o desenvolvimento da máquina a vapor, que mudou drasticamente o panorama industrial. A indústria migrou para as grandes cidades, onde era abundante a mão de obra. Os trabalhadores eram submetidos a condições desumanas de calor, ventilação e umidade, pois as "modernas" fábricas nada mais eram que galpões improvisados. As máquinas primitivas ofereciam riscos em demasia aos trabalhadores e as consequências tornaram-se inevitáveis até chegar ao ponto de uma comoção geral passar a exigir um mínimo de condições humanas para o trabalho.
A exploração pelas fábricas da mão de obra constituída não só de homens, mas também de mulheres e crianças – sem quaisquer restrições quanto ao estado de saúde e desenvolvimento físico –, passou a ser uma constante. E, apesar de, no final do século XVIII, o setor industrial da Inglaterra ter passado por diversas transformações que trouxeram melhoria salarial para os trabalhadores, também causaram problemas ocupacionais bastante sérios.
A sofisticação das máquinas, com o objetivo de gerar um produto final mais perfeito e em maior quantidade, ocasionou o crescimento das taxas de acidentes e, também, da gravidade desses acidentes. O trabalho desprotegido em máquinas; o trabalho executado em ambientes fechados onde a ventilação era precária e o ruído atingia limites altíssimos e a inexistência de limites de horas de trabalho culminaram em elevados índices de acidentes e de doenças profissionais. Esses fatos logo foram refletidos nos elevados índices de mortalidade entre os trabalhadores e, principalmente, entre as crianças.
Lentamente, a legislação foi sendo modificada no sentido de amparar os trabalhadores até chegar à teoria do risco social: “O acidente do trabalho é um risco inerente à atividade profissional exercida em benefício de toda a comunidade, devendo esta, por conseguinte, amparar a vítima do acidente.”
No Brasil, a saúde do trabalhador aos poucos vem sendo incorporada às ações do Sistema Único de Saúde (SUS). Principalmente após a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 1990, o SUS passou a assumir a responsabilidade de coordenar essas ações relacionadas à saúde do trabalhador. As ações de saúde do trabalhador estão ainda integradas com as de saúde ambiental, uma vez que os riscos gerados nos processos de trabalho podem afetar, também, o meio ambiente e a população em geral.
Os fatores determinantes da saúde do trabalhador compreendem condicionantes vinculados às questões sociais, políticas, econômicas e tecnológicas, além dos fatores inerentes aos processos e ambientes de trabalho, como os fatores de riscos ocupacionais (físicos, químicos, biológicos, mecânicos, ergonômicos) e aqueles decorrentes da organização laboral. Desse modo, o foco das ações de saúde do trabalhador envolve mudanças nos procedimentos de trabalho que contemplem as relações saúde-trabalho-doença em toda sua complexidade, por meio de uma visão e atuação interdisciplinar, intersetorial e multiprofissional.
A Portaria GM/MS nº 1.823, de 23 de agosto de 2012, instituiu a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, como uma tentativa de aprimorar e consolidar o trabalho em desenvolvimento pelo SUS. Essa política visa à promoção e à proteção da saúde dos trabalhadores e à redução da morbidade e mortalidade decorrente dos processos produtivos, mediante o desenvolvimento de ações de promoção, vigilância, diagnóstico, tratamento, recuperação e reabilitação da saúde.
Para alcançar esses objetivos, foram inclusas estratégias que buscam: o fortalecimento da vigilância em saúde do trabalhador e a integração com vigilância em saúde e atenção primária em saúde; a promoção da saúde e de ambientes e processos de trabalho saudáveis; a garantia da integralidade na atenção à saúde do trabalhador; a análise do perfil produtivo e da situação de saúde dos trabalhadores; o fortalecimento e a ampliação da articulação intersetorial; o estímulo à participação da comunidade, dos trabalhadores e do controle social; o desenvolvimento e a capacitação de recursos humanos; e o apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas.
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por Colunista Portal - Saúde
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