Estudo Retrospectivo da Terapêutica de Redução de Luxação Gleno Umeral
Gráfico com o percentual das técnicas de redução
Medicina
22/02/2013
Introdução
A articulação gleno-umeral possui elevado grau de mobilidade, o que a torna mais susceptível a inúmeros traumatismos que culminam em perda de continuidade entre as superfícies articulares que a compõem.(1)
Consiste em lesão freqüente na prática de urgência em traumatologia, sendo a mais comum entre as luxações dos vários sítios articulares. Possui incidência anual de 17 casos por 100.000 habitantes,(2,3) atingindo a prevalência de 2% da população.(4)
A particularidade articular de grande amplitude de movimento, por razões biomecânicas, torna essa articulação mais instável (5) e por conseqüência mais susceptível de luxar em movimentos que não envolvam necessariamente alta energia. As luxações podem ser classificadas como: anterior, posterior, inferior e superior. São anteriores as que compreendem aproximadamente 85% dos casos como as subcoracóides, subglenoidal, subclavicular e intratorácicas.
As posteriores possuem menor incidência e são geralmente ocasionadas por choque elétrico ou crise epiléptica. A luxação inferior também conhecida como "luxatio ereta" é produzida por força violenta com o braço quando em abdução máxima. A cabeça do úmero se aloja na axila em posição extra-articular. A superior é mais rara por implicar em concomitância de fratura do acrômio e provável lesão do manguito rotador. O efeito gravitacional do peso do braço determina a redução da luxação.(6)
A maioria das luxações é decorrente de trumatismos (7-8) sendo comum em esportistas. Consiste em um quadro de dor de forte intensidade, impotência funcional(9) absoluta do membro, podendo em alguns casos levar a sofrimento vásculo nervoso o que a caracteriza como uma situação de urgência. A redução da luxação deve ser minimamente traumática para evitar complicações. (10)
Objetivo
Efetuar estudo retrospectivo baseado na revisão de registros do serviço de urgência de um hospital escola com ênfase nos índices de sucesso e na técnica utilizada.
Métodos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Itajubá com o protocolo de nº 045/2010. Efetuou-se a revisão dos registros referente ao atendimento de luxação gleno-umeral dos últimos sete anos de um Pronto-Socorro de Hospital Escola. Foram avaliadas as seguintes variáveis relacionadas à luxação:
1. Análise quantitativa absoluta.
2. Hemisfério corpóreo acometido.
3. Fator causal do trauma.
4. Sucesso na redução.
5. Técnica utilizada para redução. Métodos Estatísticos
A análise estatística de todas as informações coletadas nesta pesquisa foi inicialmente feita de forma descritiva. Para a variável de natureza quantitativa (numérica) utilizou-se representação absoluta tabelada. As variáveis de natureza qualitativa (categorizada) foram analisadas através do cálculo de frequências absolutas e relativas (porcentagens), além da construção de gráficos de barras e setor circular (pizza).
Resultados
Constatou-se 127 casos, em números absolutos, de luxação gleno-umeral na retrospectiva de sete anos, com incidência anual distribuída de 2004 até 2011. Sendo respectivamente: em 2004, 23 casos. Em 2005, 20 casos. Em 2006, 19 casos. Em 2007, 08 casos. Em 2008, 13 casos. Em 2009, 15 casos. Em 2010, 28 casos. E, em 2011: 01 caso. Quanto ao acometimento hemisférico, contatou-se 62 casos em hemisfério direito, 64 em esquerdo e 01 sem descrição do hemisfério acometido nos registros.
O fator causal é descrito como trauma em 75% dos casos e especificado o agente causal do traumatismo em apenas 25% dos casos. O agente causal foi especificado nos registros do seguinte modo. 1%: Enquanto dormia, queda da escada, recidiva, jogando vôlei, andando a cavalo. 3%: Andando de bicicleta e motocicleta. 5%: Queda da própria altura. 9%: Demais quedas. 75%: Traumatismos.
Quanto ao sucesso na redução, considerou-se como redução bem sucedida as efetuadas de forma incruenta e sem necessidade de sedação via endovenosa ou inalatória em centro cirúrgico. Em 98% dos casos foi obtido sucesso, e, nos 2% restantes os pacientes foram submetidos a técnicas cruentas. O preenchimento da documentação é insuficiente, pois em 70% dos casos não está descrita qual técnica foi utilizada na redução, salvo algumas exceções
Discussão
O ideal para um método de redução é ser rápido, efetivo e indolor. (11) Há variação dos índices de sucesso de redução conforme a técnica utilizada. (12) A escolha do método depende de fatores associados, como preferência do profissional, presença de auxiliares, medicação analgésica.(13)
Existem oito manobras incruentas descritas para redução de luxação gleno-umeral, sendo elas:
'Técnica de Hipócrates'- Conhecida e empregada durante toda a história da medicina, atualmente abandonada. Consiste na aplicação da técnica de alavanca. O cirurgião faz tração no punho e contratação na axila do paciente, utilizando o pé.(1)
'Técnica tração e contração'- Quando duas forças são aplicadas na mesma linha de posição do braço. Empregando-se, geralmente, lençol e manobras de rotação interna e externa suave.(1)
'Técnica tração e contração lateral'- Idêntica à manobra anterior, indicada nos casos em que a luxação anterior tem muitos dias de evolução ou quando o relaxamento muscular é inadequado.(1)
'Técnica de Stimson'- Colocando-se o paciente em decúbito ventral sobre uma mesa com o membro acometido tracionado por 2 a 3 Kg de peso. Podendo demorar 15 a 20 minutos.(14)
'Técnica de Milch'- Utilizando as forças de abdução, rotação externa e pressão do polegar, conduzindo a cabeça do úmero para dentro da articulação.(15)
'Técnica de Kocher'- Usando igualmente o princípio da alavanca. Não sendo suave, pode causar lesão adicional à articulação. Utiliza-se tração contínua no braço, com o cotovelo em 90º. Após o relaxamento muscular, realiza-se rotação externa gradativa e faz-se, então, adução e flexão do braço sobre o outro. Por fim, a rotação interna do braço leva-o à redução.(16)
'Técnica Spaso'- Por intermédio de tração vertical e rotação externa.(1)
'Técnica Amorelli Lopes' - Fixa o punho do paciente com a mão direita e iniciando gradualmente a tração transformando ao final em "chave" de braços por entrelaçamento mútuo dos membros superiores do executor com o membro superior a ser reduzido do paciente. Forma-se uma interface de transferência de energia axial de tração sem perda energética para manutenção da tração. Causa sensação de estabilidade e confiança ao paciente melhorando sua colaboração em relaxar a musculatura, facilitando a redução. Consiste somente em tração e contra tração, sem uso de analgesia e manipulação.(17)
Considerando-se os resultados obtidos no estudo retrospectivo, não há como afirmar qual a técnica mais utilizada e qual a mais eficaz devido a inadequações do preenchimento documental, uma vez que a nomenclatura da técnica deveria ser especificada pela nomina conforme citadas acima. Há similaridade entre hemisférios acometidos, o que sugere que a maioria dos casos de luxação é traumático relacionado a acidentes. O fator causal do traumatismo foi suprimido em 75% dos casos e descrito em 25%. A insuficiência na especificação do fator causal dificulta a realização de campanhas de prevenção com enfoques específicos. O índice de redução com sucesso pode ser considerado satisfatório (98%).
Conclusão
A incidência de luxação no serviço de urgência do Hospital Escola avaliado corresponde aos padrões percentuais mundiais. Faz-se necessário a elaboração de protocolo para luxação gleno-umeral no setor de urgência, pois apesar de ser uma situação clínica habitual não existe um protocolo de tratamento padronizado, e, as técnicas utilizadas para efetivar a redução devem ser especificadas nos registros conforme a nomenclatura descrita em literatura para que possam ser realizados estudos futuros comparando os índices de sucesso de cada técnica.
Referências
1- Wajnsztejn A, Tamaoki MJS, Archetti NN, Belotti JC, Matsumoto MH, Faloppa F. Estudo transversal sobre os diferentes métodos de tratamento das luxações traumáticas glenoumerais: a cross-sectional study. Rev. bras. ortop. 2009; 44(5): 391-396.
2- Matsen FA 3rd, Titeliman RM, Lippitt SB, Rockwood CA Jr, Whirth MA. Glenoumeral instability. In: Rockwood CA Jr, Matsen FA 3rd, Wirth MA, Lippitt SB. The Shoulder. 3rd ed. Philadelphia: Saunders; 1998. p.655-90.
3- Blake R, Hoffman J. Emergency department evaluation and treatment of the shoulder and humerus. Emerg Med Clin North Am. 1999;17(4):859-76.
4- Baykal B, Sener S, Turkan H. Scapular manipulation technique for reduction of traumatic anterior shoulder dislocations: experiences of an academic emergency department. Emerg Med J. 2005;22(5):336-8.
5- Gartsman G, Roddey TS, Hammerman S. Arthroscopic treatment of anterior-inferior glenohumeral instability: two to five-year follow-up. J Bone Joint Surg. 2000;82(7):991-1003.
6- Robinson CM, Dobson RJ. Anterior instability of the shoulder fter trauma. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(4):469-79.
7- Hill JA. Epidemiologic perspective on shoulder injuries. Clin Sports Med. 1983;2(2):241-7.
8- Westin CD, Gill EA, Noyes ME, Hubbard M. Anterior shoulder dislocation: a simple and rapid method for reduction. Am J Sports Med. 1995;23(3):369-72.
9- Robinson CM, Howes J, Murdoch H, Will E, Graham C. Functional outcome and risk of recurrent instability after primary traumatic anterior shoulder dislocation in young patients. J Bone Joint Surg. 2006;88(11):2326-36.
10- te Slaa RL, Wijffels MP, Brand R, Marti RK. The prognosis following acute primary glenohumeral dislocation. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(1):58-64.
11- Kroner K, Lind T, Jensen J. The epidemiology of shoulder dislocations. Arch Orthop Trauma Surg. 1989;108(5):288-90.
12- Thakur AJ, Narayan R. Painless reduction of shoulder dislocation by Kocher's method. J Bone Joint Surg Br. 1990;72(3):524.
13- Fernández-Valencia JA, Cuñe J, Casulleres JM, Carreño A, Prat S. The Spaso technique: a prospective study of 34 dislocations. Am J Emerg Med. 2009;27(4):466-9.
14- Stimson LA. An easy method of reducing dislocations of the shoulder and hip. Med Record. 1900;57:356-7.
15- Milch H. The treatment of recent dislocations and fracturedislocations of the shoulder. J Bone Joint Surg Am. 1949;31(1):173-80.
16- Kocher T. Eine neue Reductionsmethode fur Schultetrverrenkung. Berliner Klin Wehnschr. 1870;7:101-5.
17- Vieira FA; Reis MLA. Técnica para redução de luxação gleno-umeral aplicável por profissionais com força muscular de menor significância. In: VIII Congresso Médico Acadêmico - COMA, 2011, Itajubá. Itajubá: Editora FMIt; p.10.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Mayra Lopes de Almeida Reis
Estudiosa de distúrbios do sono com formação em hipniatria. Instrutora de primeiros socorros. Pesquisadora cemiterial. Ex-presidente do "Projeto Humanizarte" e da "Liga de Genética Médica e Malformações Congênitas". Fundadora e ex-presidente da Liga de Medicina Baseada em Evidências. Com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva buscando atuar pautada em princípios éticos, nos processos de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, objetivando promover a saúde integral do ser humano.
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