Segundo Novaretti e Rodowsky (2003) e Schwartzman (2003) a Síndrome de Rett, também chamada de Síndrome Cerebroatrófica e de Hiperamonemia, é uma patologia caracterizada por desaceleração do desenvolvimento neuromotor. Tem caráter progressivo e genético e acomete predominantemente crianças do sexo feminino (Castro et al., 2004). Até 1997, era considerada uma doença exclusiva do sexo feminino, por acreditar que estava relacionada ao cromossomo X dominante. A partir desse ano, alguns casos de Síndrome de Rett em crianças do sexo masculino foram descritos, porém mostrando que havia uma associação dessa síndrome com outras encefalopatias crônicas ou Síndrome de Klinefelter (Almeida, 2010). A incidência é de 1:10.000 a 1:15.000 meninas, sendo a segunda causa mais frequente de deficiência mental em crianças deste sexo. Normalmente, os casos de Síndrome de Rett são isolados na família, exceto em irmãs gêmeas (Schwartzman, 2003). A sobrevida geralmente é longa, podendo em alguns casos ocorrer morte inesperada, sem causa aparente ou pode ser limitada por problemas respiratórios crônicos decorrentes da escoliose, comprometendo a expansão pulmonar (Bruck et al.,2001), (Schwartzman, 2003). A criança é previamente normal até os 6 a 24 primeiros meses de vida e a regressão do desenvolvimento neuropsicomotor tem início após esse período, com a rápida perda das capacidades cognitivas e motoras, que foram previamente adquiridas. Posteriormente, tem início uma fase que se mantém estável por muitos anos (Bruck et al.,2001).
Quadro clínico:
A criança apresenta desenvolvimento neuropsicomotor normal até seis a 24 meses de vida, podendo apresentar um discreto atraso no desenvolvimento motor, com dificuldade para engatinhar (Schwartzman, 2003). Após esse período, tem início os primeiros sinais da doença, que envolvem perda rápida das capacidades cognitivas e motoras já adquiridas, desaceleração do crescimento craniano e diminuição da interação social (Bruck et al.,2001) (Novaretti e Rodowsky, 2003) (Castro et al., 2004). Com a progressão da doença, a criança passa a apresentar irregularidades respiratórias, hipotonia, lentificação do movimento motor e dificuldade de marcha. Posteriormente, começam a surgir movimentos estereotipados das mãos, muito frequentemente bate as palmas diante da face ou as leva juntas à boca. Cada vez torna-se mais incapaz de realizar simples movimentos e apresenta hiperventilação, escoliose e distúrbios do sono. Ocasionalmente, podem ser encontradas crises epiléticas (Novaretti e Rodowsky, 2003).
A doença evolui progressivamente, até uma fase estacionária, apresentando então diferentes estágios, que foram nomeados por Hagberg e Witt-Engerström em 1996. O estágio I ou período de estagnação precoce caracteriza-se por atraso do desenvolvimento motor ou não aquisição de novas etapas. Pode haver também diminuição ou perda do interesse por brinquedos, pouca interação social, desaceleração do crescimento craniano e alteração de personalidade. Ocorre entre 5 a 24 meses de vida, podendo durar meses. O estágio II ou período rapidamente destrutivo caracteriza-se por manifestações autísticas, choro imotivado, períodos de extrema irritabilidade, estereotipias das mãos, apraxia/ataxia, respiração irregular e crises convulsivas (Novaretti e Rodowsky, 2003). Tem início entre um a três anos, podendo durar semanas ou até os 5 anos. O estágio III ou período pseudo-estacionário dura anos, inicia-se entre 2 a 10 anos e pode ou não evoluir para o estágio seguinte. É caracterizado por melhora de alguns sintomas, inclusive da interação social e expressão emocional e progressão lenta dos sinais e sintomas. O paciente pode também apresentar ataxia de tronco, crises epiléticas, convulsões, hiperventilação, retardo mental, espasticidade, escoliose, perda de peso e bruxismo. O estágio IV ou deterioração motora tardia inicia após os 10 anos, quando geralmente a criança já tem perda da deambulação e dura décadas. Durante esse período ocorre uma lenta progressão dos déficits motores, para ou tetraparesia, escoliose, severa deficiência mental, alteração trófica dos pés, diminuição das crises epiléticas, coreoatetose e distonia. (Veiga e Torales, 2002), (Almeida, 2010), (Novaretti e Rodowsky, 2003), (Schwartzman, 2003). Diagnóstico:
O diagnóstico da Síndrome de Rett é praticamente clínico, baseado nos critérios propostos por Hanberg e cols., sendo eles: períodos pré e perinatais aparentemente normais, desenvolvimento psicomotor aparentemente normal até os 6 meses, perímetro cefálico normal ao nascer, com desaceleração do crescimento entre 6 meses a 4 anos; regressão precoce do comportamento social e psicomotor, disfunção da comunicação, sinais de demência, estereotipias manuais e apraxia/ataxia da marcha (Veiga e Torales, 2002) (Novaretti e Rodowsky, 2003).
O eletroencefalograma geralmente é anormal. Na ressonância, as alterações não são características, podendo encontrar diminuição do tálamo e dos núcleos caudado e lentiforme. Redução do peso e volume cerebrais, diminuição do tamanho individual dos neurônios e anormalidades da pigmentação na substância negra, podem ser encontrados em estudos anatomopatológicos (Novaretti e Rodowsky, 2003). Dependendo do estágio em que se encontra a doença, algumas outras patologias podem ser envolvidas como diagnósticos diferenciais, principalmente paralisia cerebral, autismo infantil, síndrome de Angelman e síndrome de West (Veiga e Torales, 2002), (Novaretti e Rodowsky, 2003), (Schwartzman, 2003).
Tratamento:
Atualmente não há nenhum tratamento específico ou intervenção para a Síndrome de Rett. O tratamento é paliativo, visando aliviar os sintomas mais incômodos para a criança afetada. O acompanhamento da fisioterapia pode ser benéfico para a reabilitação dos distúrbios motores e ortopédicos, prevenindo escoliose e deformidades dos pés. O tratamento deve ser adaptado conforme a progressão da doença nos diferentes estágios, visando principalmente o controle das crises epiléticas, do estado nutricional e das deformidades esqueléticas (Novaretti e Rodowsky, 2003).
RELATO DE CASO
ASQ, sexo feminino, 4 anos e 10 meses, foi atendida pela primeira vez aos 3 anos e 4 meses, tendo sido encaminhada para avaliação neuropediátrica devido à queixa de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Segundo informações da mãe, a criança apresentou desenvolvimento normal até aproximadamente 1 ano e 6 meses de idade, período em que já havia sentado sem apoio, engatinhado e começado a andar e falar. Também já tinha interesse por brinquedos e conseguia apanhá-los sozinha, assim como era capaz de pegar alimentos e levá-los à boca. A mãe começou a preocupar com a criança após esta idade de 1 ano e 6 meses, quando começou a regredir na linguagem, no comportamento, reduzir o interesse por brinquedos e ter menores tentativas de interação e resposta à estimulação. Além disso, começou a apresentar movimentos estereotipados de membros inferiores e diminuição do equilíbrio. A criança é a primeira gestação, tendo nascido a termo e de parto normal, sendo aparentemente normal após o parto, e sem nenhuma intercorrência durante a gestação. O peso ao nascer era de 2.850 g e apresentava índices de Apgar de 8 no primeiro minuto e de 9 no quinto minuto. O perímetro cefálico ao nascimento era de 33 cm. Os pais não são consanguíneos e na família não há casos de doenças neuropsiquiátricas.
Ao primeiro exame neurológico, a criança apresentava retardo mental evidente, movimentos estereotipados das mãos, mantendo-as juntas e quase sempre na boca. Não havia quase nenhum movimento espontâneo, não manipulava qualquer objeto, e apresentava compreensão verbal prejudicada. Apresentava também bruxismo. Quando colocada em pé, era evidente a presença de apraxia e ataxia de membros inferiores. Apresentava ainda crises de apneia durante a vigília e cianose perilabial. Foi solicitado estudo genético, que foi compatível com Síndrome de Rett, sendo prescrito Lamotrigina 25 mg, duas vezes ao dia.
Na ultima avaliação realizada, a mãe relatou que não houve muita alteração do quadro clínico. Durante o exame neurológico, foi identificado uma interação da criança com alguns familiares, principalmente com a mãe e resposta à alguns comandos. Apresenta alguns movimentos espontâneos, discreto contato visual e persistem evidentemente os movimentos estereotipados das mãos e o bruxismo. Deambula sem apoio, apresentando em alguns momentos ataxia de membros inferiores. Durante o período de avaliação apresentou uma curta crise de apneia e, segundo a mãe, as crises são menos frequentes.
DISCUSSÃO
O relato de caso refere-se a uma criança do sexo feminino, sem antecedentes gestacionais nem evidências de patologias perinatais, que após desenvolvimento neuropsicomotor aparentemente normal até 1 ano e 6 meses de idade, começou a apresentar sinais sugestivos de regressão e estagnação do desenvolvimento. Atualmente apresenta um evidente atraso no desenvolvimento, com movimentos estereotipados das mãos, que se movimentam constantemente, sendo levadas juntas à boca; ataxia e apraxia da marcha, bruxismo e apneia em vigília. A síndrome de Rett observada nesta criança compreende os critérios utilizados para o diagnóstico de tal, propostos por Hanberg e cols. e já citados anteriormente. A criança apresenta períodos pré e perinatais aparentemente normais, desenvolvimento psicomotor aparentemente normal até 1 ano e 6 meses, regressão precoce do comportamento social e psicomotor, disfunção da comunicação, sinais de demência, estereotipias manuais e apraxia/ataxia da marcha, o que permite confirmar o diagnóstico da síndrome.
Portanto, a criança apresenta vários dos sinais e sintomas necessários para o diagnóstico de síndrome de Rett e, a partir das investigações realizadas, não foi evidenciada qualquer outra condição compatível com o quadro clínico presente. Porém, o diagnóstico não foi confirmado, visto que é necessário o acompanhamento de alguns anos para então concluí-lo (Schwartzman, 1998).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Bruck, I., et al. Síndrome de Rett: estudo retrospectivo e prospectivo de 28 pacientes. Arquivos de Neuro-Psiquiatria. 2001, vol.59, n.2B, pp. 407-410.
Castro, T.M; Leite, J.M.R.S; Vitorino, D.F; Pradro, G.F. Síndrome de Rett e Hidroterapia: Estudo de Caso. Revista Neurociências, Abril/Junho 2004, vol.12, n. 2.
Novaretti, T. M. S.; Radowsky, V. Síndrome de Rett: Conhecer para diagnosticar. Diagnóstico e Tratamento, Edição 3, Volume8, Jul/Ago/Set 2003.
Schwartzman, J. S.. Síndrome de Rett. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2003, vol.25, n.2, PP.110-113.
Schwartzman, J. S.; Souza, A. M. C.; Faiwichow, G.; Hercowitz, L. H.. Fenótipo Rett em paciente com cariótipo XXY: relato de caso. Arquivos de Neuro-psiquiatria. 1998, vol. 56, n.4, pp. 824-828.
Veiga, M. F.; Toralles, M. B. P.. A expressão neurológica e o diagnóstico genético nas síndromes de Angelman, de Rett e do X- Frágil. Jornal de Pediatria (Rio de Janeiro). 2002, vol. 78, suppl.1, pp. S55-S62.
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