PARTE 1. A ARTE É O ESPELHO DA DENÚNCIA

Imagem: mariantonia.prceu.usp
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Iniciação Profissional

28/12/2015

   A arte sempre esteve em proximidade com a denúncia e a contemporaneidade possibilitou novas formas do uso da tecnologia nos processos artísticos. Reunir denúncia e Arte, duas possibilidades em uma, fornece provocações oportunas para a atualidade histórica brasileira e desvelar as faces ocultas dos crimes cometidos aos desfavorecidos.

   Levados por este pensamento, surgiram questionamentos em como a Arte deixou o seu papel de contemplação e religiosidade para vir a ser denúncia em sua prática artística. Ao rompimento com as academias e tantos movimentos artístico que sucederam ao outro, qual seria o sentido da Arte se não nos provocassem interrogações e reflexões, levando-nos a discussões sobre, os acontecimentos no mundo?

   Urge lembrar que a Arte sempre esteve presente na humanidade, desde as pinturas Rupestres, a religiosidade da mitologia grega e das pinturas medievais e do Renascimento. Neste caso, há a conscientização de que a Arte autentica o progresso da humanização e da cultura humana.

   O mundo é dividido em duas dimensões, conforme Oliveira (2011, p. 247) ao descrever as sociedades capitalistas modernas, primeiramente na “civilização, predominam a necessidade, o trabalho, a produção material e o útil, em suma, esse é o domínio da não liberdade, da mais-repressão”, enquanto a segunda, são as:

                                     [...] sociedades burguesas é justamente a da cultura, para a qual reservamos a beleza, a verdade, a moral, a filosofia e os valores da "alma", quer dizer, essa é esfera em que devemos realizar, em alguma medida, nossos desejos de felicidade e liberdade, desenvolvendo ao máximo as capacidades propriamente humanas (OLIVEIRA, 2011, p. 247).

   O mesmo autor afirma que “a verdadeira arte Moderna protesta contra a lei do valor, revelando que, na ordem do capital, a felicidade, a liberdade e a paz aparecerão sempre como realizações idealizadas e abstratas” (2011, p. 248), o que nos leva a pensar na realidade do mundo em que vivemos, entre a tecnologia que sustenta a massa com entretenimento e a que sustenta a arte como articulação de diferentes papéis, contrárias ao que a massificação deseja, ou melhor, a arte instiga questionamentos e investigações históricas para compreender os conceitos artístico de uma obra.

   Ao refletir sobre denúncia não há como pensar sobre vida coletiva e esta para ser próspera e harmoniosa requer um conjunto de condições para igualizar os direitos de um viver junto e um viver individual. Surgem, então, as leis.

   Conforme Amora (2009, p. 422) a lei é um “preceito, que emana do poder legislativo ou de autoridade legítima. [...] norma, regra; obrigação imposta”. O Índice Fundamental do Direito (DJI) descreve como incerto a etimologia da palavra lei, mas origina-se da expressão latim lex derivado do verbo legare ou deligere, o que sugere “a ideia de estabelecer, tornar estável, permanente” e ainda aprofunda a palavra lei como o que liga, une e obriga, porque a lei une a vontade a uma diretriz, “obrigando-a a tomar determinada direção”, sendo a lei um conjunto de normas humanas ou espirituais.

   A época em que vivemos é definida por leis governamentais e pelo sistema jurídico. Com a formação da sociedade são as leis que possibilitam a agradável sobrevivência coletiva. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aponta as leis como responsáveis para evitar conflitos e com isso ter-se-ia uma administração eficaz do bem comum, cuja organização de regras define o certo e o errado, ou seja, controla, modifica atitudes e comportamentos, pois quem não as cumpre, pode ser penalizados pela transgressão. Nessa condição, houve a necessidade da criação dos direitos e dos deveres dos cidadãos, para que pudessem considerar o direito do outro e assegurar o seu.

   Não apenas para reger nosso comportamento, mas também para garantir que políticas sociais se efetivem e forneçam proteção à saúde, resolução das questões trabalhistas, prestações de serviços, entre outros, descreve CNMP e ainda garante, que a lei impede aos cidadãos privilegiados financeiramente ou intelectualmente explorem cidadãos menos favorecidos.

   No entanto, algumas leis são ineficientes e qualquer cidadão que se sentir ultrajado pelo direito violado, pode “manifestar-se publicamente”, se a sociedade for democrática, e por meios legais vir a conseguir a alteração.

   Pela descrição do CNMP, o órgão que tem a função de fiscalizar o cumprimento da lei no nosso país é o Ministério Público, investigando crimes, instaurando inquéritos policiais e punição aos culpados, entre outras formas de atuação.

   O caminho que leva a resolução do descumprimento da lei é a denúncia. Denunciar é “delatar; acusar em segredo; comunicar, revelar, dar a conhecer; revelar-se a justiça; dar-se a conhecer (Amora, 2009, p. 199)”.

   Para construir uma aproximação à denúncia e à arte descreveremos alguns aspectos fundamentais da prática do artista no universo das artes.

   O universo da arte é construído por história e essa construção só é possível pela memória. É irrefutavelmente por ela que encontramos significados e afirmação do passado, bem como aprendizagens: “Recordar é amealhar instrumentos para as próximas ações, é analisar as possibilidades à luz das experiências vividas, é reviver o prazer das sensações boas e precaver-se contra a reincidência das más (WERNERCK, 2011, p. 47)”. O legado cultural, conforme a mesma autora vem por meio da memória coletiva, assim como “a orientação de conduta”, transmitida e ressignificada por instituições governamentais ou religiosas, se modificando com a passagem do tempo.

   O mundo, constantemente, passa por diversas mudanças e os artistas em condição de invenção, estão sensíveis e atentos a estas influências, “há os que decidiram nutrir-se em fontes distintas, apresentando poéticas profundamente conectadas à memória e a características específicas de um contexto local (WERNERCK, 2011, p. 11)”. A indicação do autor, de que a arte converte-se em propulsora de discussões políticas, culturais, de hábitos e comportamentos, se conectando com a História, origina-se do pensamento moderno do artista francês Marcel Duchamp (1887-1968), cujo conceito sobrepuja a forma.

   De certo, modo a arte desvenda as implicações decorrentes no mundo através de obras e projetos que contextualizam e questionam o sociocultural, a desigualdade, a opressão, a exploração e a humilhação das classes menos favorecidas. Volz (2008, p. 21) afirma que os questionamentos exaustivos são fundamentais “para toda prática artística, ao passo que as respostas são dadas apenas na medida em que estimulam mais perguntas. Discutir a arte [...] baseia-se, portanto, em interrogações”.

   Investigar e criar vértices evolutivos para uma obra de arte é a indicação, conforme Basbaum (2008, p. 58), do “desenvolvimento de uma modalidade de artista”, deslocando-se e articulando-se em diferentes mediações e construção de acontecimentos conceituais e críticos.

                                                [...] a especificidade do campo contemporâneo das artes visuais não mais residiria na busca da pureza da visualidade, mas na riqueza de seu tecido contaminado das mais diversas operações que trabalham a articulação entre discurso e visualidade [...] das relações entre um fio discursivo particular e diversas manobras que atendem às ações próprias do sensorial sobre o mundo que se torna possível a modalidade de problematização característica da arte (BASBAUM, 2008, p. 70).

   Muitos artistas reinventam a arte ao assumirem o importante papel de agentes da mudança, designando o seu projeto artístico, às classes menos favorecidas, à reflexão e ao estímulo de pleitear por condições mais dignas, a arte dialogando com as pessoas “[...] para denunciar a ideologia das mensagens dos meios de comunicação de massa (MATUCK, 2010, p. 95)”.

   Nesse contexto, o artista que conduz sua obra à reflexão social e política, se apropria da denúncia aos princípios e aplicações jurídicas, legislativas e executivas, expõe Arthur Matuck (2010), motivo pelo qual o artista deve usar do seu poder, a obra como discurso à transformação das relações de poderes e da propriedade intelectual, “busca denunciar, enquanto o transgride”.

   Que todos tenham o direito à informação, afirma Matuck (2010), o conhecimento não pode ser restritivo, por este motivo o artista, não esquecendo sua passagem profissional, revelará a ”paisagem cultural de seu tempo” e as proposições que afetam a vida humana.

BIBLIOGRAFIA

AMORA, A. S. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BASBAUM, R. Deslocamentos rítmicos: O artista como agenciador, como curador e como crítico. Bienal de São Paulo: seminários/curadoria geral Lisette Lagnado; co-curadores Adriano Pedrosa... [et al.] – Rio de Janeiro: Cobogó, 2008.

CNMP. Conselho Nacional do Ministério Público/Funções do Ministério Público. Disponível em: www.cnmp.mp.br/portal/content/article/.../130-funcoes-do-mp  Acesso em 13/11/14.

DJI – Índice Fundamental do Direito. Lei (s). Disponível em: www.dji.com.br/constitucionais/leis. Acesso em 13/11/14.

MATUCK, A. Uma arte de apropriação reclama um direito ao conhecimento. Arte novos meios: multimeios: Brasil `70:80/[coordenação Daisy Valle Machado Peccinini de Alvarado. 2 ed. São Paulo: FAAP, 2010.

OLIVEIRA, M. M. S. Marcuse e Jameson: da cultura afirmativa ao Pós-modernismo. Estud. pesqui. psicol.,  Rio de Janeiro ,  v. 11, n. 1, abr.  2011 Acesso: 06/11/13 e disponível e em:

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812

VOLZ, J. M, 30: Introdução. Bienal de São Paulo: seminários/curadoria geral Lisette Lagnado; co-curadores Adriano Pedrosa... [et al.] – Rio de Janeiro: Cobogó, 2008.

WERNECK, S. De dentro para fora: a memória do local no mundo global/Edição bilíngue (português – inglês). Porto Alegre, RS: Zouk, 2011.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Ilca Caetana Marques Silva

por Ilca Caetana Marques Silva

Sou formada em Pedagogia e em Artes Visuais, contadora de histórias, amante da poesia e obras de arte, principalmente a Cultura Popular brasileira. Defensora da Educação (porque acredito que ela é possível, amplia os horizontes e oferece oportunidades); Apoio o ensino da educação alimentar das crianças nas séries iniciais e Fundamental e assim potencializar o combater a Obesidade Infantil.

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