O processo de ensinar e aprender na formação do profissional da saúde

Processo de ensinar e aprender na universidade para a formação
Processo de ensinar e aprender na universidade para a formação

Iniciação Profissional

24/02/2015

Resumo: A formação dos profissionais de saúde tem sido igual aos demais profissionais de nível superior, pautada no uso de metodologias conservadoras (ou tradicionais). Foi assim ao longo do tempo, separou-se o corpo da mente, a razão do sentimento, a ciência da ética, compartimentalizando o conhecimento em campos altamente especializados em busca da eficiência técnica. A fragmentação do saber levou a subdivisões da universidade em centros e departamentos, dos cursos em períodos ou séries e em disciplinas estanques. Esse é o modelo estrutural que se segue até os dias de hoje na maioria das universidades. No atual contexto social, no qual os meios de comunicação estão potencializados pelo avanço das novas tecnologias e pela percepção do mundo vivo como uma rede de relações dinâmicas em constante movimento, discutimos a necessidade de mudanças urgentes nas instituições públicas de ensino superior, visando, entre outros aspectos, à reconstrução de seu papel social.


Introdução


Historicamente, a formação dos profissionais de saúde tem sido igual aos demais profissionais de nível superior pautada no uso de metodologias conservadoras (ou tradicionais), conforme coloca Capra (2006), “sob a forte influência do mecanicismo de inspiração cartesiano-newtoniana, fragmentado e reducionista”.


Foi assim ao longo do tempo, separou-se o corpo da mente, a razão do sentimento, a ciência da ética, compartimentalizando o conhecimento em campos altamente especializados em busca da eficiência técnica. Essa fragmentação do saber se manifestou no aguçamento das subdivisões da universidade em centros e departamentos, dos cursos em períodos ou séries e em disciplinas estanques (BEHRENS, 2005; CAPRA, 2006). Esse é o modelo estrutural que se segue até os dias de hoje, na maioria das universidades.


Nesse sentido, o processo ensino-aprendizagem igualmente contaminado, ainda tem se restringido, muitas vezes, à reprodução do conhecimento, no qual o docente assume um papel de transmissor de conteúdos, ao passo que, ao aluno, cabe à retenção e repetição dos mesmos em uma atitude passiva e receptiva (ou reprodutora) tornando-se mero expectador, sem a necessária crítica e reflexão (BEHRENS, 2005; ANASTASIOU, 2010).


No atual contexto social, no qual os meios de comunicação estão potencializados pelo avanço das novas tecnologias e pela percepção do mundo vivo como uma rede de relações dinâmicas em constante movimento, é importante discutir a necessidade de mudanças urgentes nas instituições de ensino superior, visando, entre outros aspectos, à reconstrução de seu papel social. Visto que ao contrário, conforme Freire (2005) e Dewey (2011), a passagem da consciência ingênua para a consciência crítica requer a curiosidade criativa, indagadora e sempre insatisfeita de um sujeito ativo, que reconhece a realidade como mutável.


Na área de saúde, surgem questionamentos sobre o perfil do profissional formado, principalmente, com a preocupação relativa à tendência à especialização precoce e ao ensino marcado ao longo dos anos por parâmetros curriculares baseados no relatório de Flexner, com ênfase na sólida formação em ciências básicas nos primeiros anos de curso, produzindo um ensino dissociado do serviço e das reais necessidades do sistema de saúde vigente (MARSIGLIA, 1995; MITRE et al. 2008, p. 2134).

Nesse contexto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, surge no cenário da educação superior definindo, entre suas finalidades, o estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo atual (nacional e regional) e a prestação de serviço especializado à população, estabelecendo com ela uma relação de reciprocidade, que foram prerrogativas reafirmadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a maioria dos cursos da área de saúde, acolhendo a importância do atendimento às demandas sociais com destaque para o Sistema Único de Saúde – SUS. Neste momento, as instituições formadoras são convidadas a mudarem suas práticas pedagógicas, numa tentativa de se aproximarem da realidade social e de motivarem seus corpos docentes e discentes a tecerem novas redes de conhecimento. (COTTA, MENDES & MUNIZ, 1998; CECCIM & FEUERWERKER, 2004; ALMEIDA et al, 2007).


Ao considerarmos que a graduação dura somente alguns anos, enquanto que a atividade profissional pode permanecer por décadas, e que os conhecimentos e competências vão se transformando velozmente, tornou-se essencial pensar em metodologia de ensino para uma prática de educação mais “libertadora”, na formação de um profissional ativo e apto a aprender a aprender (grifo nosso).


Fernandes, Ferreira e Oliva (2003), consideram que o aprender a aprender na formação dos profissionais de saúde deve compreender o aprender a conhecer, o aprender afazer, o aprender a conviver e o aprender a ser, garantindo a integralidade da atenção à saúde com qualidade, eficiência e resolutividade. E que abordagens pedagógicas progressivas de ensino-aprendizagem, ditas “metodologias ativas” pelos por muitos educadores, vêm sendo construídas e implicam formar profissionais como sujeitos sociais com competências éticas, políticas e técnicas, e dotados de conhecimento, raciocínio, crítica, responsabilidade e sensibilidade para as questões da vida e da sociedade, capacitando-os para intervirem em contextos de incertezas e complexidades.


As metodologias ativas estão alicerçadas em um princípio teórico significativo: a autonomia, algo explícito na invocação de Paulo Freire em 2007, “a educação contemporânea deve pressupor um discente capaz de autogerenciar ou autogovernar seu processo de formação”.


A nosso ver as metodologias ativas possibilitam rever estratégias e papéis, e utilizam entre outras, a problematização como uma proposta de ensino-aprendizagem com o objetivo de alcançar e motivar o aluno, já que diante do problema, ele se detém, examina, reflete, relaciona a sua história e passa a ressignificar suas descobertas. A problematização pode levá-lo ao contato com as informações e à produção do conhecimento, principalmente, com a finalidade de solucionar os impasses e promover o seu próprio desenvolvimento. Cyrino e Toralles-Pereira (2004), colocam em suas discussões que o aluno ao perceber que a nova aprendizagem é um instrumento necessário e significativo para ampliar suas possibilidades e caminhos, “esse poderá exercitar a liberdade e a autonomia na realização de escolhas e na tomada de decisões”.


Zanotto e Rose (2003) discutiram a problematização em Dewey, Saviani e Freire. Para o primeiro, é enfatizado o sujeito ativo, que precisa ter uma situação autêntica de experiência, com propósitos definidos, interessantes e que estimulem o pensamento. Após observar a situação, irá buscar e utilizar as informações e instrumentos mais adequados vendo o resultado do trabalho ser concreto e comprovado por meio de sua aplicação prática. Para Saviani, a noção do problema se apresenta como em Dewey, porém a busca da resposta é identificada com a reflexão filosófica, que impõe requisitos de radicalidade, rigor e globalidade relacionados dialeticamente. Já em Freire, a ação de problematizar enfatiza a práxis, na qual o sujeito busca soluções para a realidade em que vive e o torna capaz de transformá-las pela sua própria ação, ao mesmo tempo em que se transforma. Nessa ação, ele detecta novos problemas num processo ininterrupto de buscas e transformações.


Saviani (1980), Freire (1998) e Dewey (2011) defendem que o que se aprende tem relação com o local, com o método de ensino, com a interação das pessoas e com o momento de ensino. Ainda nesta direção, Young (2000), Fagundes e Fróes Burnham (2005), afirmam a existência de outros espaços para os professores além das salas de aulas. Reconhecem várias dimensões espaço-temporais e subjetivas neste processo, e nas múltiplas aprendizagens que ocorrem em espaços multirreferenciais de aprendizagem.


Com base nos estudos desses autores, o que se tem demonstrado, é que a adoção de estratégias de metodologia ativa configura o currículo de maneira integrada, para que se possam articular os vários conteúdos necessários a fim de dar conta de uma situação ou problema, independentemente da estrutura curricular. Trabalhar por problemas ou por problematização, por exemplo, provoca a busca de caminhos que viabilizem a abordagem interdisciplinar das questões.


Buscar empreender mudanças amplas e profundas no processo de ensino-aprendizagem na formação de profissionais de saúde significa transformar a relação entre professores e estudantes, entre professores de diversas áreas, entre as disciplinas, entre a universidade e os atores do mundo real. Significa necessidade de competência e sensibilidade tanto política quanto técnica. Significa provocar e enfrentar conflitos. Significa exercitar paciência e perseverança, flexibilização e permeabilidade, que são eixos fundamentais dos processos de mudança nessa esfera.


Acreditamos ser fundamental que o eixo norteador do trabalho das instituições de ensino seja formar um profissional consciente do seu papel social, e sensível ao sofrimento humano, em condições de prestar assistência integral, humanizada, e apto a trabalhar em equipe.


As instituições têm sido estimuladas a transformarem-se na direção de um ensino que, dentre outros atributos, valorize a equidade e a qualidade da assistência e a eficiência e relevância do trabalho em saúde. Cyrino e Toralles-Pereira (2004), discutem que processo de mudança da educação traz inúmeros desafios, dentre os quais, romper com estruturas cristalizadas e modelos de ensino tradicional e formar profissionais de saúde com competências que lhes permitam recuperar a dimensão essencial do cuidado: a relação entre humanos.
Referências

ALMEIDA, M. J. et al. Implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais na Graduação em Medicina no Paraná. Revista Brasileira de Educação Medica. v. 31 (2) : 156–165, 2007


ANASTASIOU, L. G. C. & ALVES, L. P. (Orgs.). Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula.Joinvile: SC: Univille, 9. Ed, 155 p.2010


BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Rev. Bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 196, p. 383-403, set./dez. 2005


Capra, F. O ponto da mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Cultrix: São Paulo. 445 p. 2006


CECCIM, R. B. &FEUERWERKER, L. C. M. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 20(5):1400-1410, set-out. 2004


_______________ . O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão, Atenção e Controle Social. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 14(1): 41- 65. 2004


COTTA, R. M. M.; MENDES, F. F. & MUNIZ, JN.Descentralização das políticas públicas de saúde – do imaginário ao real. Viçosa: RJ; UFV– Cebes. p. 14. 1998


CYRINO, E. G. & TORALLES-PEREIRA, M. L. Trabalhando com estratégias de ensino aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas.Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 780-788. 2004


DEWEY, J. Democracia e educação: capítulos essenciais. (R. Cavallari Filho, Trad.). São Paulo. Ática. 136 p. 2007 (Obra original publicada em 1959).


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FERNANDES, J. D., FERREIRA, S. L. A. & OLIVA, R. S. S. Diretrizes estratégicas para a implantação de uma nova proposta pedagógica na Escola de Enfermagem da Universidade da Federal da Bahia. Rev. Enfermagem; 56(54): 392-395. 2003


FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2005
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Saviani, D. (1980). Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez. 1980


YOUNG, M. F. D. O currículo do futuro: da “nova sociologia da educação” a uma teoria crítica do aprendizado.Campinas: São Paulo. Papirus. 2000

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Gilma Correa Coutinho

por Gilma Correa Coutinho

Doutora em Educação pela Univesidad Del Mar/Chile, Mestre em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Graduação em Terapia Ocupacional, FRASCE/RJ. Professora do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo. Professora da Residência Multiprofissional do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes - HUCAM.

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