O Aumento do Consumo de Benzodiazepínicos no Brasil e suas consequências

Consumo exagerado de medicamentos benzodiazepínicos
Consumo exagerado de medicamentos benzodiazepínicos

Farmácia

12/10/2014

A descoberta dos benzodiazepínicos foi considerada um marco para a humanidade, com sua propriedade ansiolítica, anticonvulsivante, hipnótica e usada também como relaxante muscular e anestésico. Estas drogas foram sendo reconhecidas como uma panaceia para todos os problemas humanos, por esta razão, é até hoje a classe medicamentosa mais prescrita no mundo e, segundo alguns estudos, a mais consumida por mulheres e idosos. No Brasil, a prevalência do consumo de benzodiazepínicos é elevada e tem se tornado um assunto bastante abordado devido ao abuso e uso irracional desses medicamentos.


O alto consumo sofre influência de vários fatores, que vão desde a carência do sistema público de saúde do país associada às atitudes inadequadas de profissionais da saúde, até a fiscalização insuficiente por parte de órgãos reguladores, que facilitam o abuso desses medicamentos, gerando consequências à população brasileira. Portanto, é considerado um problema de saúde pública no país, na qual, a prática farmacêutica é ferramenta fundamental para senão eliminar, minimizar o problema, através da promoção do uso racional desses medicamentos junto à sociedade.


Diante de tais fatores, o objetivo do trabalho é elucidar as causas do aumento do consumo de benzodiazepínicos no Brasil e suas consequências, bem como a importância do farmacêutico diante desse alto consumo de medicamentos. Para elaboração deste trabalho será realizada uma revisão bibliográfica, fundamentada a partir de autores como Bernik (1999); Rang et al. (2007) e Silva (2002), referências em farmacologia, e a atualização sobre o assunto será através de artigos científicos publicados recentemente como Forsan (2010); Firmino e colaboradores (2011) e Nordon e colaboradores (2009).



1. INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais remotos, o homem busca maneiras para aliviar a ansiedade, estresse, tristeza, distúrbios de sono, dentre outros transtornos psíquicos que, na maioria das vezes, fazem parte das principais características da sociedade moderna. O surgimento dos benzodiazepínicos (BZDs) foi considerado um avanço para a humanidade, pois foram introduzidas no mercado como drogas eficazes e mais seguras no uso terapêutico quando comparado aos demais sedativos e tranquilizantes (JANICAK et al. 1996).


Os primeiros BZD foram sintetizados em meados da década de 1961, pelo doutor Leo H. Sternbach, que então trabalhava para a Hoffman-la Roche em seu laboratório de pesquisas em Nutley, New Jersey, EUA. Como em muitas descobertas científicas importantes, ocorreu a criação acidental de um elemento, o clordiazepóxido, que foi sintetizado por acaso, quando se percebeu que a estrutura original havia mudado durante um processo de síntese, o que deu origem aos BZDs, que receberam esse nome pelo fato de sua estrutura central consistir em um anel de benzeno fundido com um de sete membros de 1,4-diazepina. Sua atividade farmacológica inesperada foi reconhecida em um procedimento de triagem de rotina, e os benzodiazepínicos logo se tornaram os fármacos mais amplamente prescritos na farmacopeia.

Os BZDs possuem propriedades sedativas, hipnóticas, ansiolíticas, como relaxantes musculares e anticonvulsivantes e o seu mecanismo de ação está relacionado a um sistema inibidor de neurotrasmissão no cérebro, o GABA, mais especificamente o GABA A, associado aos canais de cloro. São consideradas drogas com alta margem de segurança por não serem depressores gerais do SNC, o que justifica a sua fácil aceitação no mercado.


No Brasil há cerca de mais de 30 desses fármacos que constam na Lista B1 e são vendidos somente com notificação de Receita B (azul) de acordo com a Portaria nº 344/1998, embora seja comum a tentativa de se obter essas substâncias clandestinamente ou por vendas ilegais sem receita em alguns estabelecimentos farmacêuticos.


Para a prescrição dos BZDs deve ser feito um diagnóstico correto da disfunção, não confundindo certas emoções que são necessárias para a sobrevivência do ser humano na terra, por exemplo, a tristeza causada pela perda de um ente querido e dificuldade em encarar alguns problemas do cotidiano. Além disso, vale ressaltar a importância da idade e das condições físicas do paciente, devido aos efeitos colaterais da droga que incluem principalmente incoordenação motora e sedação.
Alguns efeitos ocasionados pelo uso dos BZDs podem incapacitar o paciente de fuga, de operar máquinas perigosas e de dirigir veículos, portanto, é fundamental durante seu emprego a orientação médica e o alerta quanto aos riscos no uso dessas drogas (SILVA, 2002).


Os BZDs passaram a causar preocupação devido ao aumento do seu uso abusivo, e como consequência dependência e problemas relacionados. A dependência pode ocorrer mesmo em doses terapêuticas, em doses elevadas, como também no uso prolongado, e é bastante comum o insucesso na tentativa de interrupção do uso.


Em 2009, os pesquisadores Nordon e Hubner relataram que os usuários de BZDs são, em maioria, mulheres (duas a três vezes mais do que homens) e seu número aumenta conforme a idade. No Brasil, é usado principalmente por divorciadas ou viúvas, com menor renda, de 60 a 69 anos de idade.


De acordo com o Boletim de Farmacoepidemiologia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), emitido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no período de 2007 a 2010, os BZDs foram as substâncias controladas mais consumidas pela população brasileira, e estima-se que os gastos das famílias com o consumo dessas substâncias, por exemplo, com o Clonazepam que foi um dos três ansiolíticos mais consumidos nesse período, pode ter chegado a R$ 92,4 milhões (AMARAL, 2012).


Segundo Nordon e colaboradores (2009), o aumento no consumo dessas drogas está relacionado às prescrições inadequadas e continuadas por médicos, falta da orientação médica sobre os efeitos colaterais e também pela automedicação, quando o paciente aumenta a dose do próprio medicamento, pois sente necessidade psicológica da droga.
No Brasil, existem milhares de pessoas que fazem uso de BZDs a meses, anos e até décadas, resultante da dependência causada por esta droga, levando a novas internações e consequentemente aumentando os gastos em saúde, e a piores condições socioeconômicas no país.


É necessário, portanto, um controle mais eficiente desses medicamentos e também uma maior atenção no que se refere aos efeitos deletérios causados pelo uso indiscriminado de BZDs no Brasil.


Diante do exposto, o presente estudo propõe-se favorecer a compreensão em profundidade sobre os fatores que contribuem para o aumento no consumo de BZDs no Brasil e suas consequências, no sentido de identificar falhas evitáveis em relação a estes medicamentos, que acabam por gerar um grande problema de saúde pública no país, e a importância da atuação do farmacêutico frente a este alto consumo de medicamentos.
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS

2.1 Histórico dos benzodiazepínicos


Segundo Bernik (1999), o surgimento dos primeiros benzodiazepínicos (BZDs) ocorreu por volta da década de 1950, de forma inesperada, pelo doutor Leo H. Sternbach, que trabalhava no laboratório de pesquisas da F. Hoffmann-La Roche.


Durante o seu desenvolvimento, no processo de síntese, Sternbach percebeu que houve uma modificação da estrutura original atribuída à molécula, e assim ocorreu acidentalmente a criação de um elemento, o clordiazepóxido, que de acordo com Rang et al. (2007) é originado de uma estrutura química que consiste em um anel de sete elementos fundido com um anel aromático que tem quatro grupos substituintes principais, e que podem ser modificados sem perda de atividade.


Bernik (1999) relatou que na fase de experimentação pré-clínica em animais, o clordiazepóxido demonstrava baixa toxicidade e potentes efeitos anticonvulsivos e antiagressivos. Já, nas primeiras experiências clínicas ocorridas com pacientes esquizofrênicos notou que não havia verdadeira ação antipsicótica, e sim uma redução significativa da ansiedade.


Em meados da década de 1960, o lançamento do clordiazepóxido finalmente aconteceu, após trinta meses de inúmeras avaliações clínicas, causando um grande impacto no tratamento dos distúrbios da ansiedade, dando início ao que foi chamado naquela década de “a revolução dos benzodiazepínicos”. Sua eficácia e alta margem de segurança comparado aos demais medicamentos disponíveis anteriormente, fez com que houvesse uma rápida aderência pela classe médica, levando muitas empresas farmacêuticas a desenvolver novos compostos derivados do clordiazepóxido, o que pode ser observado nas três décadas seguintes, onde cerca de cinquenta novas drogas já estavam disponíveis para terapia, no mundo todo.


Com a grande popularização dos BZDs naquela década, vieram também em anos seguintes relatos de que em diversos países havia os primeiros casos de uso abusivo, além de desenvolvimento de tolerância, síndrome de abstinência e dependência pelos usuários crônicos desses medicamentos (FORSAN, 2010).


Essas evidências fizeram com que a sociedade mudasse a sua postura em relação aos BZDs, por isso, entre as décadas de 70-80, passaram a ser mais estudados devido ao seu potencial de dependência e efeitos colaterais, e assim, no mundo todo se iniciou uma política para conter o uso, como se pode ver, no Brasil, esses medicamentos são apenas vendidos com o formulário azul. Além disso, a prescrição de BZDs ficou restrita a tratamento de quadros agudos de ansiedade, crises convulsivas e como sedativo para cirurgias, de caráter breve e com a menor quantidade possível (NORDON; HUBNER, 2009).


Contudo, mesmo com a inserção de uma política para contenção do uso, os BZDs ainda estão entre os psicofármacos mais prescritos, e a prevalência de uso indiscriminado desses medicamentos ainda é elevada em muitos países.
De acordo com Natasy; Ribeiro e Marques (2008) estima-se que 50 milhões de pessoas façam uso diário de BZDs, sendo mais comum entre mulheres idosas, com problemas médicos e psiquiátricos crônicos.


Vários fatores são responsáveis pelo aumento do consumo de BZDs, e serão discutidos posteriormente.
2.2 Propriedades farmacológicas e mecanismo de ação dos benzodiazepínicos

Conforme os autores Silva (2002) e Bernik (1999), os benzodiazepínicos (BZDs) atuam sobre o sistema nervoso central e seus efeitos principais, além de agir como ansiolíticos-tranquilizantes, incluem, sedação, hipnose, relaxamento muscular, propriedades anticonvulsivantes e induzem a amnésia e a alterações psicomotoras, sendo esses efeitos encontrados em todos BZDs em maior ou menor grau, e as diferenças entre eles são fundamentalmente quantitativas.


Em 1977, os receptores dos BZDs foram identificados, tornando possível mapear a sua localização no sistema nervoso central, assim foi concluído, que estes receptores estavam relacionados a um sistema inibidor de neurotransmissores no cérebro, o ácido y-aminobutírico (GABA) e a canais de cloro, da seguinte maneira: quando o GABA se liga aos seus receptores, os canais de cloro se abrem e permitem que o cloro entre no neurônio, deixando-o mais resistente a excitação. A ação do GABA acontece através da interação com receptores fisiológica e farmacologicamente distintos, GABA A e GABA B, mas os receptores GABA B são insensíveis aos BZDs, portanto essas drogas se ligam aos sítios receptores GABA A, aumentando a afinidade dos sítios de reconhecimento para GABA e potencializando sua atividade inibitória (JANICAK, 1996).


Portanto, devido às tensões do dia a dia, ou por outras causas mais graves que provocam um desequilíbrio em determinadas áreas do cérebro resultando em estados de ansiedade, os BZDs agem equilibrando mecanismos no cérebro que estavam funcionando incorretamente, e assim o paciente fica mais tranquilo e passa a responder menos aos estímulos externos.


2.3 Indicações terapêuticas e reações adversas medicamentosas (RAMs) provocadas pelos benzodiazepínicos


Os benzodiazepínicos (BZDs) são considerados fármacos de escolha para o tratamento da ansiedade e também são utilizados como indutores de sono, anticonvulsivantes, miorrelaxantes e anestésicos. A escolha dos diferentes BZDs deve ser feita somente após um diagnóstico correto da disfunção e avaliação das condições físicas do paciente, a fim de que não haja indicações incompatíveis com o perfil farmacológico da classe (SILVA, 2002).


A prescrição adequada de BZDs deve considerar três aspectos: necessidade, intermitência e curta duração do tratamento. Em 2007, a Comissão de Drogas e Narcóticos da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), através da Resolução 44/13, determinou que a prescrição de BZD fosse fundamentada a partir das seguintes questões:

- Investigação médica que justifique a prescrição;

- Indicação exata e prescrição pelo menor tempo e menor dose possíveis;

- Necessidade de descontinuidade do tratamento;

- Alerta aos pacientes sobre o risco de acidentes durante operação de máquinas e direção de veículos, além da interação medicamentosa com o uso concomitante de bebidas alcoólicas (CASALI, 2010, p.16).
O tratamento com BZDs não deve exceder o prazo recomendado, por exemplo, para casos relacionados á ansiedade e insônia, nos quais não deve ser utilizado por mais de quatro semanas (SOUZA, 2011).


Silva (2002) relatou os efeitos adversos dos benzodiazepínicos, no qual, a sedação é a mais comum e varia conforme o paciente, a idade, condições gerais comandadas por fatores farmacodinâmicos e farmacocinéticos. Ocorre também lassidão, descoordenação motora, diminuição da velocidade de raciocínio, redução das funções físicas e mentais, confusão, disartria, secura de boca e gosto amargo, aumento de peso pelo aumento do apetite, além de outros efeitos mais raros como: fraqueza, cefaleia, visão turva, náuseas e vômitos, desconforto epigástrico, diarreia, dores nas juntas e no peito, e ainda podem aparecer efeitos mais graves, principalmente quando há interação com álcool.


Os BZDs podem causar dependência aos usuários desses medicamentos, portanto, antes da indicação de BZDs, além dos efeitos benéficos ao paciente, deve-se pensar também nas complicações potenciais, como efeitos colaterais/adversos e nos riscos de problemas relacionados.


Segundo Silva (2002), a dependência pode ocorrer devido ao uso por tempo prolongado, por doses mais elevadas e também, mesmo em doses terapêuticas. O autor também ressalta que, não se deve esquecer que alguns BZDs atravessam a barreira placentária, logo, os recém-nascidos de mães dependentes do fármaco também podem desenvolver crises de abstinência. Os sintomas relacionados à abstinência podem surgir até uma semana após a retirada do medicamento, mas isso depende da meia-vida, da conversão em metabólitos ativos e respectivas meias-vidas, por exemplo, muitas vezes, a retirada de fármacos com meia vida longa não se observam os sintomas de abstinência, em outras, com o uso de fármacos com tempo de ação curto, observa-se sintomas de ansiedade entre as doses, e nesses casos, a tendência é de se aumentar a dose, por isso surge dificuldade de se interromper a medicação.


Firmino e colaboradores (2011) observaram que existe um alto consumo de BZDs por idosos, e isso acontece, pelo fato do envelhecimento, que vem acompanhado pelo aparecimento de depressão, doenças neurológicas degenerativas e transtornos do sono, além disso, associados ao consumo, também foi evidenciado maiores números de quedas por essa população.


Por isso, é muito importante a avaliação dos benefícios e dos riscos relacionados à terapia com esses medicamentos, especialmente para os idosos que estão propensos a maiores complicações.



3. FATORES QUE FAVORECEM O AUMENTO DO CONSUMO DE BENZODIAZEPÍNICOS NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS


Os BZDs são considerados os medicamentos mais consumidos em muitos países, inclusive no Brasil, que apesar de serem somente comercializados com prescrição médica, através do formulário azul e retenção da receita, causam preocupação devido ao seu uso indiscriminado, tornando um problema de saúde pública no país (NORDON et al. 2009).


Diversos estudos realizados em cidades brasileiras já apontaram alta prevalência do consumo de BZDs, principalmente por parte da população feminina e por idosos, que na maioria das vezes, fazem uso equivocado para atenuar quadros inespecíficos e finalidades não terapêuticas (FIRMINO et al. 2011).


De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no período de 2007 a 2010, os BZDs, medicamentos ansiolíticos, Clonazepam, Bromazepan e Alprazolam, foram os três primeiros princípios ativos de maior consumo no Brasil (AMARAL, 2012).
O consumo de BZDs no Brasil sofre influência de diversos fatores, e segundo Nordon e Hubner (2009), entre eles estão em maior parte, as prescrições inadequadas por médicos clínicos gerais, em especial no nível primário de atendimento, já que estes não são médicos especializados para prescrever esse tipo de medicamento, pois o ideal seria que o prescritor inicial fosse o psiquiatra.


O tempo insuficiente nas consultas impede que sejam utilizadas outras técnicas que levaria a não prescrever um BZD, e também faz com que algumas orientações importantes sobre os riscos do tratamento não sejam dadas aos pacientes, apesar de que existem alguns médicos clínicos que normalmente desprezam grande parte dos efeitos colaterais dessas drogas. Vale ressaltar que a necessidade de o médico ser aceito pelo paciente é muito importante, então, ao criarem um relacionamento com seus pacientes, é provável que haja certo receio de lhes negar a prescrição quando solicitada, o que contribui para superprescrição de BZDs e consequentemente ao elevado consumo.


No Brasil, o sistema de saúde é escasso e há a falta de diagnósticos psiquiátricos necessários, além disso, de acordo com Nordon e colaboradores (2009), a maioria dos BZDs disponíveis na rede pública de saúde são os de meia vida longa, que são mais propensos aos efeitos colaterais, levando a maiores riscos, especialmente em idosos. Assim, o erro de prescrição não é somente do médico, mas também do sistema de saúde do país.


Desta forma, se a prescrição for inadequada desde o início, pode levar a dependência, fazendo com que o paciente use o medicamento por meses, anos e até décadas, favorecendo ao aumento do consumo de BZDs.


Outros fatores que favorecem ao alto consumo foram observados em um estudo de Forsan (2010), que relatou que o baixo preço desses medicamentos propicia uma banalização do uso e também, pela imagem positiva do medicamento apresentado por amigos, vizinhos ou familiares que acabam os indicando como paliativo para situação emocional não resolvida, problemas do cotidiano e como corretivo de maneira ansiosa de viver. Ademais, os usuários utilizam estratégias para aquisição dos BZDs, e a principal delas é a solicitação de receita junto a médicos familiares e amigos, e também aquisição de receita a médicos diferentes alternadamente.


O mesmo autor observou sobre a má formação dos profissionais da saúde, que leva tanto a falhas na prescrição dos BZDs por parte dos médicos, bem como, a falta de informação sobre esses medicamentos, que resulta na subprescrição dessas drogas, e por outro lado, por parte dos farmacêuticos, que dispensam a medicação sem a receita apropriada nas farmácias e drogarias.


Cabe ainda ressaltar o peso que a indústria farmacêutica exerce na prescrição médica e consequentemente na prescrição de BZD através não apenas do incentivo publicitário de medicamentos, mas também por visitas de propagandistas, distribuição de brindes e de amostra grátis, dentre outras abordagens (SOUZA, 2011, p.15).


As propagandas dos BZDs divulgadas pela indústria farmacêutica constroem uma ideia, como se a ansiedade ou falta de sono fosse uma sintomatologia feminina, já que as mulheres aparecem quatro vezes mais nas propagandas desses medicamentos, o que pode levar a um impacto sobre as prescrições médicas, assim, pode-se concluir, que este seja um dos motivos das mulheres serem a população mais consumidora desta classe de medicamentos (MASTROIANNI et al. 2008).
Verificou-se também, através de um estudo de Mendonça e colaboradores (2008) que as mulheres idosas ganharam experiência e conhecimento sobre o uso de calmantes pela frequência por muitos anos nos serviços de saúde e por isso, acabaram promovendo a difusão desses medicamentos no meio social. Além disso, os autores indicaram que as principais queixas descritas pelas mulheres estavam relacionadas à ansiedade, nervosismo, insônia, e também para lidar com problemas familiares e cotidianos, e discutiram ainda que devido à mulher ter conquistado vários papéis na sociedade, como cuidar do lar e dos filhos, até as responsabilidades financeiras, isso fez com que os calmantes fossem mais utilizados por elas, e assim, contribuíram para o alto consumo de BZDs.


Forsan (2010) observou outro fator que leva ao consumo abusivo de BZDs; ela relatou que no Brasil, existe uma baixa percepção de risco pela população quanto ao uso de BZDs, devido à carência de debates sociais sobre a questão nos meios de comunicação, que dão privilégio, somente para problemas relacionados a drogas ilícitas.


Em novelas, principalmente, é comum o consumo de medicamentos para dormir ou simplesmente para tranquilizar diante do nervosismo resultante de situações problemáticas, brigas familiares, ou mesmo para solução de problemas inespecíficos. Além disso, demonstram uma grande facilidade no acesso a esses medicamentos que são controlados, assim, criam uma ideia de que não provocam riscos à saúde e que podem ser utilizados em qualquer situação, estimulando à população a automedicação.


Apesar da fiscalização realizada pela ANVISA, que poderia restringir o uso de BZDs, ainda não é o suficiente, pois é comum a permissão concedida pelas farmácias e pelo próprio farmacêutico a venda desses medicamentos sem a receita ou ainda, receita sem data, rasurada ou vencida, sendo este considerado um fator facilitador do uso (FOSCARINI, 2010).


Junto aos fatores que favorecem o aumento do consumo de BZDs, existem também as consequências pelo seu uso abusivo. Natasy; Ribeiro e Marques (2011) observaram que o abuso desses medicamentos consequentemente aumenta os custos socioeconômicos, como, por exemplo: devido aos seus efeitos colaterais, pode haver um risco maior de acidentes no tráfego, em casa e no trabalho; além disso, riscos de overdose em combinação com outras drogas e risco aumentado de tentativas de suicídio, especialmente em depressão; atitudes antissociais, contribuição para problemas na interação interpessoal; redução da capacidade de trabalho, gerando o desemprego; e assim, provocando um aumento em custos com internações, consultas e exames diagnósticos.


Portanto, é importante que haja maiores cuidados em relação ao uso de BZDs, para evitar danos à saúde da população brasileira e consequentemente piores condições socioeconômicas para o país.
4. A IMPORTÂNCIA DO PAPEL FARMACÊUTICO NO USO RACIONAL DOS MEDICAMENTOS BENZODIAZEPÍNICOS

A atuação do farmacêutico possui influências positivas na adesão ao tratamento, bem como na minimização de erros relacionados à administração dos medicamentos, pois este profissional é apto a fornecer orientações quanto ao uso suscitado pelos prescritores e também responsável pela avaliação dos aspectos farmacêuticos e farmacológicos que podem apresentar danos potenciais aos usuários (ANDRADE, 2004).


A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu que o profissional farmacêutico é o que possui melhor capacitação para conduzir ações que levam a um melhor acesso a promoção do uso racional de medicamentos. (ARAÚJO et al., 2008). Portanto, este profissional é indispensável para contribuir para o uso racional dos medicamentos benzodiazepínicos no Brasil.


O farmacêutico, via de regra, é o último profissional de saúde que tem contato direto com o paciente depois da decisão médica pela terapia farmacológica. Desta forma, torna-se corresponsável pela sua qualidade de vida (VIEIRA, 2007,p.217).


O aumento no consumo de BZDs parece envolver além dos usuários, também os farmacêuticos que os dispensam e os médicos que os prescrevem, portanto, seria necessária a utilização de novas práticas por estes profissionais, por exemplo, antes da prescrição de BZDs, os médicos poderiam estimular medidas não farmacológicas para lidar com os sintomas da ansiedade e o farmacêutico que é o profissional fundamental para zelar pelo uso adequado dos medicamentos, deveria, através da dispensação adequada, visar reduzir os potenciais de riscos tanto de dependência como de abuso, provocados pelo consumo desses medicamentos.


A farmacovigilância é considerada uma importante ferramenta entre a regulação de medicamentos e a prática clínica, e ainda, pode contribuir para promoção da qualidade do arsenal terapêutico disponível e para o uso racional de medicamentos, pois permite a detecção imediata de problemas relacionados a segurança e riscos, como as reações adversas de medicamentos (RAM), prevenindo assim, que tais problemas afetem os usuários. Portanto, quanto mais forte for o sistema nacional de farmacovigilância e de notificações de Reações Adversas a Medicamentos (RAM), mais facilmente serão tomadas decisões regulatórias equilibradas para que haja liberação de novos medicamentos, e assim, promovendo um avanço no arsenal terapêutico (IVAMA; SOUZA, 2010).


Além disso, campanhas informativas desenvolvidas por estes profissionais poderiam evidenciar a percepção de riscos do uso de BZDs à população e assim, reduzir a solicitação dessas drogas aos médicos, contribuindo para o uso racional de BZDs e ainda, para evitar gastos desnecessários para o país, que são consequentemente provocados pelo alto consumo.
5. CONCLUSÃO

Com este trabalho, pode-se concluir que o alto consumo de BZDs pelos brasileiros, especialmente entre idosos e mulheres, em maior parte está relacionado à carência do sistema de saúde publico do país, associado a atitudes inadequadas de profissionais da saúde, principalmente médico e farmacêutico, e também pela baixa percepção de risco da população quanto ao uso desses medicamentos, que leva à solicitação frequente dessas drogas junto aos médicos. Além disso, há as propagandas de medicamentos pela indústria farmacêutica que refletem sobre a atitude médica, resultando na superprescrição. Outro fator importante é a fiscalização insuficiente no país por parte de órgãos reguladores, que na prática não restringem o uso, e acabam facilitando o abuso desses medicamentos.


É importante ressaltar a importância da prática farmacêutica para o uso racional dos BZDs, já que este é o profissional ideal para dispensação e orientação correta quanto ao uso de medicamentos e, portanto, este profissional deveria atuar de forma mais promissora frente a esse alto consumo, de forma a reduzir problemas relacionados ao uso abusivo.


Dentro deste contexto, é necessária uma mudança dessa realidade, sendo fundamental uma maior atenção voltada para os fatores que contribuem para o aumento do consumo de BZDs no Brasil, bem como para suas consequências, de forma a promover o uso racional desses medicamentos, visando aumentar a eficácia e diminuir os riscos à saúde da população brasileira, além de prevenir gastos evitáveis para o país.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Érica Jaqueline Aizza

por Érica Jaqueline Aizza

Farmacêutica Bioquímica, pós graduanda em Farmácia Magistral.

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