Uso abusivo de suplementos vitamínicos e a ocorrência de hipervitaminoses

O teor de vitaminas nos alimentos é bastante variado
O teor de vitaminas nos alimentos é bastante variado

Farmácia

16/07/2014

As vitaminas compreendem um grupo heterogêneo de compostos orgânicos que desempenham importantes funções no organismo, tais como coenzimas ou cofatores essenciais ao metabolismo normal; hormônios como a vitamina D e catalisadores de reações como a vitamina E (Silva, 2011). Atuam em pequenas quantidades contribuindo para o crescimento, funcionamento do corpo e manutenção da saúde (BIANCHINI; PENTEADO, 1999). Por este motivo, são consideradas como um elo importante para a manutenção da saúde e prevenir doenças (PIRES, 2012).

Apesar de serem requeridas em pequenas quantidades, as vitaminas são sintetizadas em quantidades insuficientes pelo organismo, e por este motivo, deve haver complementação destes nutrientes através da dieta. A vitamina D pode excepcionalmente, ser produzida na epiderme através da captação de raios ultravioleta (PIRES, 2012). O teor de vitaminas nos alimentos é bastante variado, sendo esta composição dependente de diversos fatores como no caso de vegetais, da espécie, do estágio de maturação na época da colheita, de variações genéticas, do manuseio pós-colheita, das condições de estocagem, do processamento e do tipo de preparo. Em relação aos animais, tal variação depende da raça, do local de criação, do tipo de alimentação, de variáveis durante o processamento e durante o preparo. O conteúdo destes nutrientes no alimento in natura e sua estabilidade podem influenciar a qualidade nutricional do alimento processado (SILVA, LOPES, VALENTEMESQUITA, 2006; CORREIA, FARAONI, PINHEIRO-SANT´ANA, 2008).

As vitaminas são compostos sensíveis à temperatura, presença de oxigênio, luz, umidade, pH, tipo de processamento entre outros. Dessa forma, o processamento dos alimentos pode ocasionar alterações quali e quantitativas destes nutrientes presentes nos alimentos (SILVA, LOPES, VALENTE-MESUQITA, 2006).

A classificação desses micronutrientes pode ser feita de várias formas utilizando-se diferentes critérios, entretanto, a mais difundida e consequentemente mais utilizada é a classificação baseada na solubilidade das vitaminas. De acordo com esse critério, as vitaminas dividem-se em lipossolúveis e hidrossolúveis. As lipossolúveis incluem as vitaminas A (retinol), D (calciferol), E (tocoferol) e K (filoquinona); enquanto as hidrossolúveis compreendem as vitaminas do complexo B (B1, B2, B6, B12, biotina, ácido fólico, niacina ácido pantotênico; e C (DANTAS et al., 2012; PIRES, 2012).

A vitamina A está envolvida na regulação e na promoção do crescimento e na diferenciação celular e na manutenção da integridade do tecido respiratório e células epiteliais. Esta vitamina é também parte do complexo fotossensível da retina e desempenha papel importante em funções reprodutivas e imunocompetência. Além disso, atua na produção de glóbulos vermelhos, por isso, a deficiência desse micronutriente pode levar ao desenvolvimento de cegueira, anemia, e infecções respiratórias. Já a vitamina D é de suma importância para o tecido ósseo bem como para prevenção de doenças crônicas como diabetes tipo 1, esclerose múltipla e outras. A forma ativa da vitamina D – o calcitriol, é responsável pelo controle dos níveis plasmáticos de cálcio no sangue, além de exercer função imunomoduladora e estimular a secreção de insulina (PENICHE, 2013). O tocoferol ou vitamina E, é bastante conhecido pela sua ação antioxidante capaz de retardar o envelhecimento e reduzir o risco de doenças cardiovasculares e degenerativas. A vitamina K está envolvida na coagulação sanguínea e na manutenção da saúde óssea (PIRES, 2012).

O consumo adequado de vitaminas e minerais é importante para a manutenção das diversas funções metabólicas do organismo. Desta forma, quantidades insuficientes ou em excesso desses micronutrientes podem ocasionar manifestações patológicas relacionadas respectivamente à avitaminose ou hipervitaminose (VELASQUEZ-MELÉNDEZ et al., 1997).

Vários distúrbios decorrentes de quantidades inadequadas de vitaminas são conhecidos, entre eles pode-se citar o beribéri, escorbuto, raquitismo e xeroftalmia. Todos estes advêm da carência nutricional de vitaminas. Em contraste, o excesso de vitaminas – hipervitaminose, também pode ocasionar um quadro patológico. As hipervitaminoses são geralmente causadas pelo excesso das vitaminas A, D, E e K; uma vez que devido a sua lipossolubilidade, estas se acumulam no tecido adiposo e assim podem evocar efeitos tóxicos ao organismo (CORREIA, FARAONI, PINHEIRO-SANT´ANA, 2008; DANTAS et al., 2012; PIRES, 2012).

Alguns estudos defendem a suplementação vitamínica para prevenção de doenças crônicas não-transmissíveis. Entretanto, esse estímulo à suplementação vitamínica pode levar à ingestão excessiva de medicamentos à base de vitaminas levando ao desenvolvimento de hipervitaminoses. Para Roy (2011) as razões para o consumo de suplementos vitamínicos são as seguintes:

“Os suplementos são usados algumas vezes para evitar o desenvolvimento de algumas constipações (uso de suplementos de vitamina C), para evitar mal formações congênitas (uso de suplemento de ácido fólico) ou para fortalecer os ossos (uso de suplementos de vitamina D). Outras reivindicações incluem: aumento da energia e capacidade atlética, redução do colesterol, melhor cicatrização, cura do acne, prevenção da perda de cabelo e aparecimento de cabelo grisalho, etc (Roy, 2011 apud Pires, 2012).

Um dos problemas associados à suplementação vitamínica é que muitas das vezes estes são usados sem consentimento médico e em doses quantidades acima da dose diária recomendada.

No Brasil, a publicidade de produtos vitamínicos e outros suplementos nutricionais atribui às vitaminas diversos benefícios para a saúde, porém muitos destes benefícios não são cientificamente comprovados. Associam as vitaminas contra estresse e cansaço, com energia "extra" para atividades cotidianas, prevenção de gripes e resfriados; vitamina E contra o envelhecimento; vitamina C contra infecções em geral. Segundo Bernier (1996), isso faz com que as vitaminas tenham uma "excelente reputação" entre a população, sendo consideradas necessárias e inofensivas, estimulando o consumo de produtos vitamínicos. Para Alarcón (2006), a hipervitaminose é um problema clínico de frequência crescente e de alto risco nos países ocidentais devido a automedicação e a venda de suplementos vitamínicos sem prescrição médica.

Em contraste, a comunidade científica tem criticado o consumo desses produtos por pessoas saudáveis devido à ausência de comprovação dos efeitos almejados pelos consumidores, e também pela possibilidade de riscos à saúde associados à ingestão excessiva de algumas vitaminas (BERNIER, 1996; SANTOS, FILHO, 2002).

Na literatura, alguns autores demonstraram efeitos tóxicos associados ao excesso de vitaminas lipossolúveis, principalmente vitaminas A e D. Porém, são escassos os trabalhos que abordam o tema. Dessa forma, considerando a relevância do tema - hipervitaminose -, este trabalho buscou verificar o estado atual do conhecimento sobre os potenciais efeitos deletérios das hipervitaminoses sobre a saúde humana.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Foi realizada uma revisão bibliográfica, a fim de verificar as informações disponíveis até o momento sobre o consumo excessivo de complexos vitamínicos e seus possíveis efeitos deletérios sobre a saúde humana. A busca de trabalhos publicados nos últimos 10 anos foi realizada através da base de dados portal Capes durante os meses de junho e julho de 2013.

ANÁLISE DOS DADOS

A literatura analisada relata a ocorrência de hipervitaminose envolvendo as vitaminas A, D E e K, as quais devido à sua lipossolubilidade, são capazes de se acumular no tecido adiposo e hepático. Por este motivo, este trabalho dará ênfase às hipervitaminoses provocadas pela ingestão excessiva de vitaminas lipossolúveis.

Em 1989 Costa et al. estudaram estereologicamente as alterações cardíacas em ratos durante a gestação e demonstraram que a hipervitaminose A induz a desorganização de fibras cardíacas ventriculares, perda focal de estriações transversais, diminuição do número de mitoses e fibrose intersticial em ratos. Segundo os autores, os resultados obtidos sugerem que a vitamina provocou no rato jovem um bloqueio na hipertrofia do músculo cardíaco, que ocorre normalmente após o nascimento. A análise do músculo revelou que as fibras miocárdicas foram menores e mais numerosas. Porém, os autores não discutiram os eventuais impactos dessas alterações histológicas no funcionamento do miocárdio.

Outro estudo realizado por Brentegani et al. em 1990 investigou os efeitos da hipervitaminose A sobre a glândula parótida de hamsters. Utilizando métodos morfométricos e estereológicos, observaram uma diminuição do tamanho e do número de ácinos das glândulas parótidas nos hamsters com hipervitaminose A. Tais alterações foram seguidas de hiperatividade da glândula e posterior morte celular. Os resultados obtidos revelam que o excesso de vitamina A pode atuar sobre a glândula parótida causando de forma direta, provocando alterações estruturais e funcionais sobre o epitélio glandular e indiretamente ocasionando alterações nos níveis séricos dos hormônios responsáveis pela manutenção estrutural e funcional das glândulas salivares.

Um estudo recente realizado por Minashkina (2011) demonstrou alterações eritrocitárias associadas à hipervitaminose A. O excesso dessa vitamina levou à uma diminuição gradual da área do citoplasma de eritrócitos, alteração na estrutura da sua membrana, e diminuição da densidade óptica do citoplasma dos eritrócitos representa uma queda no conteúdo de hemoglobina dos eritrócitos. A toxicidade aguda pelo ingestão excessiva de vitamina A foi relatada em esquimós e exploradores do Ártico que consomem urso polar e fígado de foca. A sintomatologia inclui náuseas, vômitos, cefaléia, aumento da pressão do líquido cefalorraquidiano, vertigem, visão turva e diminuição da coordenação motora (ROY, 2011 apud PIRES, 2012). Um dos fatores que favorece a hipervitaminose A é o fato de que esta se bioacumula devido a sua longa meia vida (ALARCÓN, 2006).

Apesar da importância dos agravos ocasionados pela hipervitaminose A, Alarcon (2006) afirma que diferentemente da deficiência de vitamina A, a hipervitaminose não é um problema de saúde pública uma vez que são escassos os casos ocorridos.

A vitamina D também tem papel de destaque nas hipervitaminose. Segundo Peixoto et al. (2012) a vitamina D é uma das substâncias mais tóxicas que se conhece; sendo a calcinose a manifestação mais frequente nos casos de intoxicação. A calcinose consiste na extensa mineralização de tecidos moles; nos animais com hipervitaminose D a mineralização das artérias acarreta intenso comprometimento do sistema cardiovascular. Intoxicações por vitamina D ou seus derivados são descritas em todo o mundo em diversas espécies, inclusive em seres humanos. Estas intoxicações ocorrem das mais variadas formas, em decorrência do uso destas substâncias como suplementos vitamínicos, como substâncias terapêuticas, como veneno e ainda em animais que, porventura, alimentem-se com plantas que contenham substâncias carcinogênicas análogas a vitamina D, como Nierembergia veitchii, Solanum malacoxylon, Solanum torvum, Cestrum diurnum e Trisetum _lavescens (PEIXOTO, 2012). Um dos primeiros relatos de intoxicação por vitamina D foi o caso de uma família que ingeria alimentos cozidos com óleo de nozes contendo 5 milhões de unidades de vitamina D3/ml; todos apresentaram sintomas de hipercalcemia. Além da hipercalcemia, os casos de hipervitaminose D também envolvem hipercalciúria, nefrocalcinose medular e hematúria.

Molina et al. (1984) relataram a intoxicação de por vitamina D em 2 crianças devido a erro na administração por seus familiares. Uma das crianças recebeu 9.000.000 I.U. em 15 dias e a outra 4.200.000 U.I. em 7 dias. Os sinais clínicos foram similares, náusea, vômito, poliúria, desidratação, redução do tônus muscular, hipercalcemia, hipercalciúria e distúrbios na habilidade de concentração renal e alterações e alterações no metabolismo ósseo e aumento do produto cálcio x fósforo no soro (Molina et al. 1984).

A ocorrência de hipervitaminose por excesso de vitamina K é um evento bastante raro, ocorrendo apenas com a vitamina K3 uma vez que os demais tipos de vitamina K são considerados não-tóxicos. Entre os efeitos tóxicos, cita-se a destruição de hemácias e consequentemente icterícia; provável interferência na coagulação sanguínea e risco de desenvolvimento de tromboses; efeito antagônico no uso concomitante com anticoagulantes (MINDELL, 1996 apud PIRES, 2012).

Da mesma forma que a vitamina K, a vitamina E não é tida como tóxica; ocasionalmente, quando administrada em altas doses pode acarretar ligeira inibição do sistema imune, da coagulação sanguínea e um pequeno ganho de peso e eventualmente pode competir na absorção e consequentemente reduzir a biodisponibilidade de outras vitaminas lipossolíveis (MINDELL, 1996 apud PIRES, 2012).

As vitaminas hidrossolúveis graças à sua solubilidade são facilmente eliminadas na urina e por este motivo; a ocorrência de hipervitaminose é raríssima. Ressalta-se a vitamina C, a qual é culturalmente administrada por milhares de pessoas para prevenir gripes e resfriados e melhorar o desempenho. Quando administrada em altas doses, a vitamina C pode provocar efeitos colaterais como diarreia, e formação de pedras de ácido oxálico e ácido úrico nos rins e erupções cutâneas. Pelo fato de promover absorção do ferro no intestino delgado, a longo prazo a vitamina C pode provocar sobrecarga de ferro em pacientes anêmicos (PIRES, 2012).

O ácido fólico, antiga vitamina B 9, apesar de ser hidrossolúvel e eliminado pela urina, apresenta potencial tóxico significativo. O excesso de ácido fólico pode ocasionar nervosismo, distúrbios gastrointestinais e insônia; em doses 100 vezes superiores à dose diária recomendada pode aumentar a ocorrência de convulsões em epilépticos e agravar lesões neurológicas em pessoas com deficiência de vitamina B 12 (MINDELL, 1996 apud PIRES, 2012). Soma-se a isso a capacidade de mascarar os sintomas da deficiência de cobalamina e aumentar a incidência de falha no tratamento com antimaláricos (FERONE, 1977).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vitaminas são micronutrientes essenciais que desempenham importantes funções no organismo em pequenas concentrações. Apesar de serem vistos como micronutrientes “inócuos”, o uso destes ocorre muitas vezes sem orientação de um profissional de saúde; o que pode favorecer a ocorrência de eventos adversos relacionados ao excesso de vitaminas no organismo. Soma-se a isso o fato de que a automedicação e a venda sem prescrição médica contribuem para a ocorrência de hipervitaminoses.

De forma geral, a ocorrência de hipervitaminoses é pouco frequente na literatura; sendo que os principais trabalhos relatam estudos em animais envolvendo sobretudo as vitaminas A e D. A hipervitaminose A comprovadamente acarreta alterações miocárdicas em ratos jovens; degeneração da glândula parótida em hamsters e alterações eritropoiéticas que podem acarretar anemia. Já a hipervitaminose D é associada à calcinose de tecidos moles; hipercalcemia, hipercalciúria, nefrocalcinose medular e hematúria.

Portanto, o presente estudo revela que há uma baixa frequência na ocorrência de hipervitaminoses, entretanto, a crença popular de produto benéfico e inofensivo associada ao fácil acesso e uso indiscriminado de complexos vitamínicos podem fazer com que as hipervitaminoses possam se tornar um problema de saúde pública. Dessa forma, ressalta a importância de se realizar estudos que delimitem os riscos relacionados à ingestão excessiva de vitaminas para que a população seja orientada de forma correta quanto à administração desses micronutrientes.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Michele Polyana Rocha Mendes

por Michele Polyana Rocha Mendes

Farmacêutica, especialista em Análises Clínicas e Toxicológicas, mestranda em Análises Clínicas e Toxicológicas. Tem experiência em Medicina Laboratorial e Docência no Ensino Superior.

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