A descentralização do acesso a medicamentos para as USF´s: Estratégia para o SUS
Assistência farmacêutica
Farmácia
24/05/2013
1 INTRODUÇÃO
A partir da Constituição Federal (CF) de 1988, surgiu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) com seus princípios e diretrizes, fruto de uma ampla discussão para a reforma sanitária do país, a qual, definiu a saúde como:
"Direito de todos e dever do Estado, no contexto social e econômico, reduzindo os riscos de doenças ou outros agravos, promovendo acesso universal e igualitário, com ações de promoção, proteção e recuperação da saúde." (Brasil, 1988)
O poder público tornou-se responsável pela regulamentação, fiscalização e controle, através de execução direta ou não, dos serviços de saúde do país. É a responsabilização do Estado pela saúde de sua população, devendo o mesmo criar Políticas Públicas e mecanismos operacionais para a garantia da execução dos serviços de saúde.
A CF de 1988 através do Art. 6° confere alguns direitos sociais aos cidadãos como a assistência à saúde e delimitado pelo Art 198º da CF que orienta a descentralização, integralidade e participação da comunidade nas ações no SUS.
Com a regulamentação do SUS através da Lei Orgânica da Saúde (LOS) Nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços do SUS, passou a ser responsabilidade do SUS, dentre outras, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
Com isso Política Nacional de Saúde, organizada a partir do SUS, remeteu à necessidade da implantação de uma Política Nacional de Medicamentos visando atender uma das ações a serem executadas pelo SUS, da Assistência Terapêutica e Farmacêutica.
A Assistência Farmacêutica no Brasil sofreu significativas modificações e avanços após 1998, com a aprovação da Política Nacional de Medicamentos (PNM) através da portaria MS/GM nº 3.916/98, que dentre vários itens abordados destacou a promoção do acesso e o uso racional de medicamentos.
As principais diretrizes da PNM são: Adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), Regulação Sanitária de Medicamentos, Reorientação da Assistência Farmacêutica, Promoção do uso racional de medicamentos, Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Promoção da Produção de Medicamentos, Garantia de Segurança. Eficácia e Qualidade dos Medicamentos e Desenvolvimento e Capacitação de Recursos Humanos.
Posteriormente, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou a Resolução 338/04, definindo a Política Nacional de Assistência Farmacêutica com base nos princípios de ser parte integrante da Política Nacional de Saúde, e identificando-a enquanto uma política pública norteadora para a formulação de políticas setoriais, destacando-se as de medicamentos, ciência e tecnologia, desenvolvimento industrial, formação de recursos humanos, entre outras, e práticas de atenção farmacêutica compreendendo atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e corresponsabilidades.
A Política de Assistência Farmacêutica engloba os seguintes eixos estratégicos: Garantia do acesso e Equidade das ações, Qualificação dos serviços, Descentralização das ações, Desenvolvimento de Recursos Humanos, Adoção da RENAME e sua atualização periódica, pactuações intersetoriais, utilização de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos na atenção à saúde, Política de Vigilância Sanitária para garantir o acesso e a qualidade, Promoção do uso racional, disciplinando prescrição, dispensação e consumo.
Em 2006, através da portaria nº 698/2006, o Ministério da Saúde redefine o financiamento do SUS em blocos e que passou a englobar o da Assistência Farmacêutica onde define que o custeio das ações de saúde é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS.
A classificação dos blocos de financiamento opera-se nos seguintes eixos: Atenção Básica, Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar, Vigilância em Saúde, Assistência Farmacêutica e Gestão do SUS.
Todas essas iniciativas impulsionaram as ações para a qualificação dos serviços farmacêuticos oferecidos à população, mudanças estratégicas para a melhoria do acesso e o desenvolvimento de diretrizes para as políticas de saúde no Brasil.
2 PROBLEMATIZANDO A ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA
A necessidade do uso de medicamentos provém do processo saúde/doença e da formulação de um plano terapêutico que utiliza o insumo medicamentoso para a intervenção da necessidade de saúde apresentada visando à cura ou um nível de estabilidade basal da saúde do indivíduo (SOUZA, 2007).
Contudo, a falta de acesso a medicamentos tem sido evidenciada nas unidades de saúde do SUS e ocasionando sérios prejuízos à população, tendo em vista que boa parte dos usuários do SUS é de baixa renda e não tem condições financeiras de ter acesso a medicamentos, com isso dificulta a continuidade do plano terapêutico.
E esta dificuldade pode ser ilustrada como o aumento das complicações de saúde devido a não adesão medicamentos ou abandono de tratamento pela não continuidade do acesso a medicamentos, como exemplo dos problemas gerados pela falta de medicamentos.
Segundo SOUZA (2007), o problema da falta de medicamentos se dá por vários fatores, entre eles: Deficiência ou Ausência de programação, Ausência da lista de Medicamentos essenciais padronizados, Recursos financeiros, Perdas por aquisição inadequada, Armazenamento inadequado, Controle de estoque, Expiração do prazo de validade, Desvios.
A não adesão medicamentosa aos tratamentos prescritos pode ocasionar maiores complicações na saúde das pessoas, que geram custos maiores tanto para as pessoas como para os Sistemas de Saúde pela necessidade de buscar maiores níveis de complexidade para atenção à saúde, como consultas e exames especializados, também podendo acarretar necessidade de medicamentos de custo mais elevado ou até mesmo hospitalizações e intervenções cirúrgicas.
A potencialização das ações de atenção básica à saúde é importante tanto para gerar economia no Sistema de Saúde, como para desafogar os serviços pela demanda ampliada e também para garantir o acesso à saúde das pessoas que dependem das ações do Estado.
Para alcançar o êxito na solução desses problemas algumas medidas devem ser tomadas, de acordo com MARIN (2003): Melhoria na qualidade da atenção à saúde, Qualidade de atendimento ao usuário, Redução da demanda não atendida de medicamento, Redução da falta de medicamentos, Realização da programação, Lista de medicamentos essenciais padronizados, Regularização dos recursos financeiros, Redução de perdas, Normalização técnica da aquisição, Implantação de boas práticas de armazenamento, Capacitação de recursos humanos.
Foi constatado na Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios no Brasil (PNAD) em 2003, 75,5% da população Brasileira dependem dos serviços de saúde e da intervenção do Estado para sua Assistência à Saúde e não possuem planos de saúde.
Também foi constatada na mesma pesquisa que as classes que tem renda inferior à faixa de 5 a 10 salários mínimos possuem a menor cobertura por planos de saúde, evidenciando a carência da população pela prestação de serviços de saúde do Estado.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2005, observou-se que a maior parcela da população são as classes de rendimentos menores que 03 salários mínimos.
Um dos grandes problemas que os gestores da saúde têm enfrentado é com a judicialização das demandas da saúde, a qual tem aumentado gradativamente a procura de pessoas à Justiça para pleitear suas necessidades de saúde, dentre elas, o acesso a medicamentos.
Esta dificuldade pode estar relacionada com a baixa resolutividade da atenção básica, a não padronização de medicamentos e protocolos terapêuticos e o próprio acesso a medicamentos gratuitos prescritos em conformidade com os disponíveis pelo SUS, tanto da atenção básica como na especializada, como também pela dificuldade do acesso a medicamentos básicos na própria atenção básica.
3 O ACESSO GRATUITO A MEDICAMENTOS NA ATENÇÃO BÁSICA
Atualmente, a disponibilidade de medicamentos gratuitos da atenção básica a nível municipal é orientada através de uma legislação específica que garante financiamento tripartite para aquisição pelo município de mais de 200 medicamentos em diversas apresentações farmacêuticas e formas farmacêuticas, através da Portaria N° 4.217/2010.
Para o financiamento da Assistência Farmacêutica, a responsabilidade é das três esferas de gestão, devendo ser aplicados os seguintes valores mínimos: União: R$ 5,10 por habitante/ano; Estados e Distrito Federal: R$ 1,86 por habitante/ano; e Municípios: R$ 1,86 por habitante/ano, perfazendo um total de R$ 8,82 por habitante/ano.
Destes recursos, 15% das contrapartidas Estadual e Municipal, podem ser utilizados pelos municípios para a estruturação da Assistência Farmacêutica a cada ano.
Por exemplo, o município de Patos-PB recebeu do Ministério da Saúde em 2012, o valor de R$ 513.733,20 (A1), sendo R$ 42.811,10 (A2) mensalmente. O Governo do Estado da Paraíba repassou para Patos-PB em 2012 R$ 237.727,56 (B1), sendo R$ 19.810,63 (B2) mensalmente e o Município de Patos-PB, segundo a Portaria GM/MS 4.217/10, tem o dever de investir o mesmo valor que a contrapartida Estadual, perfazendo um total anual de R$ 237.727,56 (C1), sendo R$ 19.810,63 (C2) mensalmente.
Somando os valores anuais a serem investidos pela Assistência Farmacêutica (A1+B1+C1) dá um valor total de R$ 989.188,32, sendo mensalmente (A2+B2+C2) o valor de R$ 82.432,36 para a compra de mais de 200 medicamentos em várias apresentações e formas farmacêuticas, entre os quais, que poderia ser distribuídos para tratar Hipertensão, Diabetes, Colesterol, Asma, Rinite, Doenças Respiratórias, além de Antibióticos, Antiparasitários, Vitaminas, Analgésicos, Anti-inflamatórios, Antialérgicos, Antidepressivos, Anticonvulsivantes, Antiparkinsonianos, Antipsicóticos, Sedativos/Calmantes, entre outros.
O município também recebe mensalmente o valor de R$ 10.000,00 para a manutenção da Farmácia Popular do Brasil, que vende medicamentos com valores até 90% mais barato que o mercado, subsidiado pelo Ministério da Saúde, a qual, o cidadão paga apenas uma pequena contrapartida.
Além destes programas, o Governo Federal mantém convênio com 11 drogarias privadas através do Programa Aqui tem Farmácia Popular, onde os cidadãos podem receber gratuitamente medicamentos para Hipertensão e Diabetes, e ainda adquirir medicamentos para Asma/Rinite, Anticoncepcionais e Dislipidemias com preços subsidiados e com valores bem acessíveis.
4 ENFRENTAMENTO ESTRATÉGICO DA FALTA DE MEDICAMENTOS NA ATENÇÃO BÁSICA
Para promover o enfrentamento estratégico da falta de medicamentos na atenção básica, inicialmente, faz-se necessário que haja regularidade do financiamento tripartite dos Governos Federal, Estadual e Municipal através de seu repasse conforme Portaria MS/GM N° 4.217/2010 e aplicação dos mesmos na aquisição dos medicamentos pactuados para o acesso à população.
É preciso garantir a disponibilidade dos medicamentos nas unidades de saúde, através da descentralização dos medicamentos para as mesmas, modificando a atual política de dispensação centralizada em farmácias básicas, com o intuito de aumentar a adesão aos tratamentos e a resolutividade das intervenções de saúde na atenção básica.
Para realizar a descentralização é necessária a estruturação de uma Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF) e das unidades de saúde para armazenar os medicamentos, assim como, a normatização de boas práticas de dispensação de medicamentos, contando com a presença de um profissional qualificado para tal, que é o farmacêutico.
Como também, a definição de procedimentos para equidade de distribuição e a promoção do uso racional de medicamentos, inclusive, com normatização também das prescrições.
Outro ponto importante é a padronização dos medicamentos através da definição de uma Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME) para melhorar os processos de programação e planejamento para disponibilidade dos medicamentos e regularidade no abastecimento, através da estruturação de um sistema de logística para a Assistência Farmacêutica.
Para o controle dos medicamentos, o Ministério da Saúde adotou um Sistema Informatizado através de um Software denominado Hórus, a qual, os municípios necessitam realizar a adesão e pactuar compromissos para receber a estrutura do mesmo, com treinamento e qualificação, e desta forma, buscar encaminhar a implementação do mesmo é essencial.
Também é importante adotar uma política para controle dos medicamentos com prazo de validade expirado e desvios de qualidade para evitar as perdas e dispensação inadequada.
Para os processos de compras, fazem-se necessários uma definição de critérios de controle de qualidade e para responsabilização da garantia de fornecimento pelos fornecedores, estabelecendo regras e prazos nos editais de licitação, responsabilizando os fornecedores que não cumprirem as recomendações.
Outra questão importante, é a ampliação da participação do Núcleo Estadual de Assistência Farmacêutica da Secretaria Estadual de Saúde, de forma a dar apoio aos municípios nos seus processos de estruturação e formulação da Política de Assistência Farmacêutica nos Municípios.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Faz-se necessário refletir que a maior parcela da população depende da intervenção do poder público e que há uma grande deficiência na prestação dos serviços farmacêuticos, pois o acesso a medicamentos ainda é precário.
As políticas públicas devem ser pensadas com vistas a garantir o acesso gratuito e uma atenção integral aos que mais necessitam, garantindo a equidade para um desenvolvimento social e melhoria das condições de vida da população.
Dentro das diretrizes baseadas nas políticas adotadas pelo Governo Federal para aquisição de medicamentos, observa-se que há condições financeiras para garantir o abastecimento de medicamentos às unidades de saúde e o acesso público e gratuito destes à população, e para cumprir os princípios doutrinários do SUS, como a universalidade, equidade e integralidade.
Contudo, observa-se o não cumprimento de condições de efetiva implementação por parte dos Governos Municipais na formação de uma agenda política para estruturação destes serviços.
Faz-se necessária que a descentralização de medicamentos para as unidades de saúde seja adotada como política pública estruturante para contribuir com as ações dos serviços de saúde e a garantia da atenção integral à saúde da população.
Além disso, é preciso que os Governos Municipais adotem uma postura para a garantia dos interesses públicos e da coletividade através do controle das ações (Accountability), em detrimento dos interesses privados e de benefício do mercado, privilegiando apenas uma minoria que se aproveita do liberalismo sob forma de gestão pública.
Refletindo sobre como anda atualmente a assistência farmacêutica e o acesso a medicamentos gratuitos para a população, percebe-se que há a necessidade de padronizarem diretrizes e ações em uma rede local de saúde, onde a gestão municipal possa realizar um desenvolvimento gerencial e de recursos de poder a fim de promover a mudança dos processos de trabalho local e garantir a prática das diretrizes nacionais pactuadas, para que as políticas públicas sejam implementadas e efetivadas com qualidade e garantia de bons resultados para a população através da regularidade das mesmas.
A atuação técnico-gerencial de profissionais habilitados, como o farmacêutico, para lidar com o ciclo da Assistência farmacêutica é imprescindível e requer a sensibilização dos gestores para a inserção dos mesmos neste contexto, como estratégia para promover a farmacoeconomia, o uso racional de medicamentos e uma maior resolutividade da atenção básica.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição Federal, 05 out. 1988. Constituição Federal do Brasil. Brasília, 1988.
BRASIL, Lei Federal N° 8.080/90. Lei Orgânica do SUS: Regulamentação. Brasília, 1990.
BRASIL, CNS. Resolução CNS N° 338 de 2004. Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Brasília, 2004.
BRASIL, IBGE. Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios no Brasil (2003). Diretoria de Pesquisas Coordenação de Trabalho e Rendimento; [Rio de Janeiro]: IBGE: 2003.
BRASIL, IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2005. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. [Rio de Janeiro]; IBGE, 2005.
BRASIL, MS. Portaria MS/GS Nº 3916 de 1998. Política Nacional de Medicamentos. Brasília, 1998.
BRASIL, MS. Portaria Nº 4.217, de 28 de dezembro de 2010. Dispõe sobre as normas de financiamento e de execução do Componente Básico do Bloco de Financiamento da Assistência Farmacêutica. Brasília, 2010.
BRASIL, MS. Portaria MS/GM N° 698/2006. Define que o custeio das ações é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS e cria os blocos de financiamento do SUS. Brasília, 2006.
MARIN, Nelly. Assistência Farmacêutica para gerentes municipais. 20ª Ed.. Rio de Janeiro: OPAS/OMS, 2003.
RUA, Maria das Graças. Políticas Públicas. In: Módulo Básico do curso de Especialização em Gestão Pública Municipal. DCA/UFSC; [Brasília]: CAPES: UAB, 2009.
SOUZA, Francicleber Medeiros de. Assistência Farmacêutica e o Programa Farmácia Popular: Um olhar sobre o acesso de medicamentos na Saúde Pública do Brasil. Monografia de defesa do título de Especialista em Saúde Pública. FIP. João Pessoa, 2007.
SOUZA, Francicleber Medeiros de. Percepções sobre as ações de Assistência Farmacêutica na atenção básica da cidade de Patos-PB. Monografia de defesa do título de Especialista em Gestão em Saúde. UEPB. Campina Grande, 2012.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Francicleber Medeiros de Souza
Farmacêutico Excelsior e Sanitarista, Especialista em Saúde Pública, em Saúde da Família, em Gestão da Saúde, em Gestão Pública Municipal e em Educação, Mestre em Ciências da Educação. Associado na Sociedade Brasileira de Farmácia Comunitária.
UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93