Sistemas líquido-cristalinos como uma plataforma para a liberação de fármacos

Mesofases formadas em CLs com sua respectiva MPL e estruturação
Mesofases formadas em CLs com sua respectiva MPL e estruturação

Farmácia

23/06/2012

Cristais líquidos (CLs) são materiais em um estado diferencial, onde demostram propriedades entre o estado líquido e sólido. Este estado é chamado de mesofase, que provem do grego “meso” significando intermediário. Esta fase intermediária apresenta propriedades características tanto de sólidos quanto de líquidos, ou seja, possui ordem estrutural, rigidez e ligações definidas como os sólidos e mobilidade, regiões desordenadas e fluidas como os líquidos.


Os CLs são divididos em duas categorias: sistemas termotrópicos e liotrópicos. Sistemas termotrópicos são estruturados em função da temperatura. Já os sistemas liotrópicos são formados com a interação entre moléculas anfifílicas e solventes. As interações desses compostos presente na formulação geram uma estruturação ou mesofase do tipo lamelar, cúbica ou hexagonal. A composição desses sistemas é baseada em água, como solvente, surfactantes ou tensoativos e uma fase oleosa, também podem ser adicionados co-tensoativos. Estes tipos de sistemas podem ser vantajosos, já que podem ser armazenados por longos períodos, pois são termodinamicamente estáveis, além de poder incorporar fármacos hidrofílicos ou lipofílicos.


A fase lamelar é formada por camadas paralelas de bicamadas de tensoativo separadas por camadas de solvente, formando uma rede uni ou bidimensional. Na fase hexagonal, os agregados são formados pelo arranjo de cilindros longos formando estruturas bi ou tridimensionais. Fases cúbicas liotrópicas, por sua vez, apresentam estruturas mais complicadas de serem visualizadas, geralmente de simetria cúbica, apesar das fases romboédricas e tetragonais também serem detectadas em alguns sistemas.


A elucidação da estrutura destes sistemas é de extrema importância, além de ser complexa. Várias técnicas vêm sendo empregadas para o estudo da estrutura interna desses sistemas, como, por exemplo, espalhamento de raios-X a baixo ângulo (SAXS) (SAXS), espalhamento de nêutrons a baixo ângulo (SANS), espalhamento de luz (light scatte ring), microscopia eletrônica de transmissão e ressonância magnética nuclear. Entretanto, outras técnicas como medidas reológicas, espectroscopia de fotocorrelação, microscopia de luz polarizada (MPL) vem sendo utilizadas para estudo físico-químico das formulações.


A MPL é uma técnica simples e que pode elucidar a qual tipo de estrutura foi formado no sistema. Sob um plano de luz polarizada, uma substância pode ser classificada como anisotrópica, sendo capaz de desviar o plano da luz, ou isotrópica, aquela que não desvia. Substâncias anisotrópicas são formadas por mesofase hexagonal e lamelar, já as isotrópicas por arranjo cúbico, que só é detectado com outras técnicas de análise, como o SAXS. Na MPL as formas lamelares são vistas como “cruzes de malta” pelo seu arranjo em camadas, formas hexagonais apresentam uma forma estriada devido aos agregados de tensoativo organizados em cilindros e por sua vez, formas cubicas são vistas como um campo escuro, assim como sistemas micelares, microemulsões e emulsões.

O SAXS é uma ferramenta que tem sido muito empregada na elucidação estrutural de sistemas líquido-cristalinos, fornecendo informações sobre tamanho, forma e arranjo dos objetos espalhadores da amostra. As curvas de SAXS para sistemas líquido-cristalinos exibem picos, cujo número e razão entre as distâncias de correlação permitem determinar o tipo de arranjo que os átomos formam na matriz, podem assim classifica-los de forma mais precisa, como, por exemplo, um sistema lamelar normal ou invertido.


A fase lamelar geralmente apresenta-se como líquido viscoso e a fase hexagonal tem a viscosidade semelhante à de um gel, enquanto que a viscosidade da fase cúbica é extremamente elevada. Estas propriedades físico-químicas são importantes, pois podem estes ser aplicados por via tópica, todavia por serem sistemas liotrópicos a adição de fluidos, como saliva ou fluido nasal, pode ter a capacidade de alterar a estrutura do sistema, levando um sistema emulsionado ou lamelar a uma forma hexagonal ou cubica que possuem alta viscosidade, por exemplo. Neste caso, tais sistemas são chamados de sistemas precursores de cristais líquidos (SPCL), podendo ser aplicado para a liberação de fármacos para administração sob a via nasal ou bucal, por exemplo.


Gabboun e colaboradores (Int. J. Pharm. 2001, 212, 73) estudaram a liberação de ácido salicílico incorporado em sistemas estruturados lamelares e hexagonais e isotrópicos (sistema micelar) através da pele de ratos sem pelo. Os resultados indicaram que o transporte de ácido salicílico foi maior quando incorporado em sistemas isotrópicos micelares que em anisotrópicos.


Farkas e colaboradores (Int. J. Pharm. 2007, 340, 71) investigar a influência da clorexidina e seus sais, sendo diglocunato e diacetato, nas características físico-químicas de sistemas líquido-cristalinos e no transporte dos fármacos através das membranas lipofílicas. Os autores observaram que a mudança da mesofase depende da concentração de tensoativo no sistema e que o tipo de sal (diglocunato e diacetato) interagem com o sistema formando de sistema lamelar e hexagonal e a clorexedina base resulta em sistemas isotrópicos e lamelares, ambos tipos dependente da concentração do tensoativo.


Os estudos de liberação mostraram que o fármaco na forma de base foi retido na formulação em função do aumento de tensoativo, onde formou de sistema isotrópico até estruturas lamelares. Já o sal na forma de digluconato, foi liberado mais rapidamente a partir de fase hexagonal ou mistura de fases do que em lamelar. Os autores relatam também que a solubilidade em água do digluconato de clorexidina é maior que a água, sugerindo que sua liberação é governada pela estruturação do sistema e pela viscosidade do mesmo.


Spiclin e colaboradores (Int. J. Pharm. 2003, 256, 65) verificaram que sistemas líquido-cristalinos foram empregados para promoverem liberação controlada do fosfato de ascorbil sódico. Santos e colaboradores (Cosm. Toil. 2003, 118, 61) observaram aumento da estabilidade de sistemas líquido-cristalinos contendo óleo de calêndula.
Fong e colaboradores (J. Control. Release 2009, 135, 218) delinearam sistemas, contendo fitantriol e monoelato de glicerila, de base cúbica bicontinua e hexagonais inversa de forma a permitir que a mudança para a nanoestrutura em resposta às alterações da temperatura, com o objetivo de controlar as taxas de liberação do fármaco in vivo. Os autores realizaram estudo farmacocinético e veicularam o acetato de tocoferol à formulação, onde esta foi injetada pela via subcutânea. Após 240 minutos, a temperatura do local de aplicação foi alterada de 40 para 30° C, no qual resultou na liberação lenta do fármaco, mas aumentou a concentração cumulativa depois de 300 minutos. Esta descoberta apoia fortemente a hipótese dos autores de que estes sistemas têm aplicação como sistema on-demand na liberação do fármaco.


Chorilli e colaboradores (Colloids Surf. B Biointerfaces 2011, 85, 182) desenvolveram um sistema composto por siloxano funcional de poliéter como fase oleosa, copolímero de silicone-glicol como agente tensoativo e água contendo o palmitato de retinol. Os sistemas mostraram mesofase do tipo lamelar e a incorporação do fármaco não alterou a estrutura de CLs. Foi realizado um estudo de estabilidade por 30 dias à 5, 25 e 37° C, onde foi constatado que grande estabilidade estrutural dos sistemas, confirmados por SAXS. A análise de eficácia in vivo, sugere que os sistemas liquido-cristalinos proporcionou uma redução significativa das rugas orbiculares em voluntários humanos (p = 0,048).


Zeng e colaboradores (Int. J. Pharm. 2012, 424, 58) desenvolveram nanopartículas líquidos cristalinas, de mesofase cúbica e h exagonal reversa, consistindo de fosfatidilcolina de soja e dioleato de glicerol para a incorporação de paclitaxel, um fármaco antitumoral. Os autores concluíram que estes sistemas têm demonstrado potencial como nanocarreadores para fármacos insolúveis em água, tal como paclitaxel, melhorando a biodisponibilidade intravenosa.
Ren e colaboradores (Int. J. Pharm. 2012, 431, 137) estudaram o potencial de sistemas líquidos in-situ. Neste estudo foram utilizados água, triglicérides de ácido cáprico e caprílico, juntamente com uma mistura de (15) polioxi-hidroxiestearato e monooleato de sorbitano e etanol. Os autores sugerem que no local da injeção, pode ocorrer a difusão da água a partir do tecido circundante para a microemulsão podendo resultar na transição de fase para CLs, assim proporcionando um perfil de liberação sustentada. Em conclusão, devido ao potencial de transição de fase, microemulsão formando CL podem ser utilizados como veículos de distribuição de fármacos injetáveis musculares ou subcutânea para liberação controlada.


Carvalho e colaboradores (Eur. J. Pharm. Biopharm. 2013, 84, 219) propõe o desenvolvimento de um SPCL constituído de ácido oleico, álcool cetílico (5) polioxietileno (20) polioxipropileno e água. Neste sistema foram incorporados zidovudina, um fármaco antirretroviral, utilizado na terapia do HIV. A MPL revelarou que a formulação é isotrópica, mas quando diluído com muco nasal artificial ocorreu a mudança do sistema para fase lamelar anisotrópica. A medição da força mucosadesiva contra mucosa nasal suína ou um disco de mucina provou que a transição para a fase lamelar triplicou o trabalho de mucoadesão.


Além de estudos de permeação ex vivo em mucosa de porco mostraram permeabilidade do fármaco aumento 18 vezes a partir da formulação. Após a administração intravenosa, a concentração máxima em 5 minutos da formulação intranasal foi 2,3 vezes maior do que o fármaco veiculado na solução intravenosa. Os valores da área sobre a curva e da concentração máxima da solução intravenosa e formulação intranasal são significativamente diferentes (P <0,05), no entanto, ambos os grupos apresentaram curvas com perfil semelhante.


Gonçalez e colaboradores (Biomed. Res. Int. 2013, 2013, 271276) realizaram um estudo com o desenvolvimento de sistemas hexagonais compostos por álcool cetílico (5) polioxietileno (20) polioxipropileno, isononanoato de cetearila e água contendo ácido kójico. Estudos de bioadesão em pele de orelha de porco mostrou que as formulações são adequadas para a aplicação na pele. O estudo de permeação in vitro mostrou que quanto maior a concentração de água no sistema, maior é a liberação do fármaco. Os autores sugerem que o comportamento de liberação é devido ao ácido kójico ser solúvel em água.


As aplicações atuais mesofases como veículos de fármacos, com um grande concentrar em suas aplicações in vivo. Com base na literatura atual, formulações com mesofases lamelares, cúbicas ou hexagonais manter um crescimento e mostram grandes perspectivas de desenvolvimento. Embora os sistemas de CL possuem vantajosa características, ainda há um longo caminho a percorrer antes de seu uso clínico. No entanto, o entendimento destes sistemas é ainda insuficiente, especialmente na segurança, estabilidade biológica e aspecto in vivo para diversas vias de administração e aplicações diversas. Contudo, mais estudos devem ser realizados para validar as formulações baseadas em mesofases, especialmente in vivo. No futuro, todos esses aspectos devem ser trazidos à tona e investigados.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Bruno Fonseca - Santos

por Bruno Fonseca - Santos

Farmacêutico pela UNIVALI e Mestre em Ciências Farmacêuticas pela UNESP. É acadêmico vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, nível Doutorado, da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem experiência na área de Farmácia, com ênfase em Tecnologia e Nanotecnologia Farmacêutica.

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