O DISPOSITIVO AMBULATORIAL DE SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

A Reforma Psiquiátrica é um processo político e social complexo.
A Reforma Psiquiátrica é um processo político e social complexo.

Enfermagem

09/10/2015

A Reforma Psiquiátrica é um processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens e que perpassam por territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, no imaginário social e na opinião pública.

Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios.

Na década de 1920, no Brasil, com a implantação da política assistencial de higiene mental, que visava à prevenção dos transtornos mentais na população, foi criado o primeiro ambulatório de psiquiatria do Brasil pela liga Brasileira de Higiene Mental (SANTOS, 2007). Estes serviços foram fundados e estiveram historicamente ligados a uma lógica de atendimento centrada no saber psiquiátrico, ocupando uma função complementar, e não substitutiva aos hospitais psiquiátricos, cumprindo o papel tanto de agenciar a demanda, encaminhando para serviços mais complexos, quanto prestando atendimento a uma clientela que apresentava transtornos mentais menos graves.

Não existia a perspectiva de que o ambulatório pudesse evitar internações psiquiátricas, sua atuação se limitava a distribuição de psicofármacos, através de um modelo de trabalho importado dos consultórios médicos particulares (SEVERO, 2011). Assim, este dispositivo se constituiu como acessório do hospital, perpetuando a centralidade do tratamento às pessoas em sofrimento mental no modelo asilar manicomial.

Até os dias de hoje, os ambulatórios têm um funcionamento pouco articulado com a rede de atenção à saúde, baixa resolutividade, geralmente possuem imensas listas de espera e as crises no seu funcionamento são frequentes (BRASIL, 2007). O Relatório de Gestão do Ministério da Saúde de 2007 fez uma avaliação dos serviços ambulatoriais dos anos de 2004 a 2006, e mostra que o país avançou muito pouco na apreensão qualificada dos dados sobre o número, a configuração e o modo de funcionamento desse tipo de serviço. O referido relatório, afirmou que existem no Brasil 862 ambulatórios em saúde mental.

Os ambulatórios de saúde mental funcionam ainda sob a normatização da portaria do Departamento de Programas de Saúde, da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde - PT MS/SNAS n°. 224 de 1992, que orienta a assistência deste dispositivo às pessoas com transtornos mentais menores. Assim, esses serviços são referência para uma grande quantidade de consultas de psiquiatria e psicologia e são especialmente necessários em municípios maiores, que possuem alta demanda de atenção aos transtornos mentais em geral (BRASIL, 1992).

Vive-se hoje um contexto de produção de novas estratégias de acolhimento e cuidado em saúde mental, com o objetivo de aprimorar as tecnologias de cuidado e a promoção da reinserção social dos indivíduos. Por isso, os dispositivos existentes precisam ser constantemente questionados a respeito da efetividade da sua função, que é de, sobretudo, produzir saúde e novas formas de cuidar das complexas demandas do adoecimento mental.
Várias legislações surgiram nos últimos anos buscando efetivar, controlar e fiscalizar o funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no país. Mais recentemente, a Portaria Federal 3.088 de dezembro de 2011, no seu Artigo 5º, lista os componentes da RAPS, são eles: Atenção Básica em Saúde, Atenção Psicossocial Especializada, Atenção de Urgência e Emergência, Atenção Residencial de Caráter Transitório, Atenção Hospitalar e as Estratégias de Desinstitucionalização e Reabilitação Psicossocial. Dentro de cada um destes componentes, são listados serviços e dispositivos do SUS responsáveis por ofertar assistência aos sujeitos em sofrimento psíquico, por exemplo, na Atenção da Urgência e Emergência, fazem parte o SAMU, a UPA 24h, as portas hospitalares de urgência e emergência e as salas de estabilização. O ambulatório especializado em saúde mental, no entanto, não é citado em nenhum dos componentes desta portaria. Verificamos também que na Portaria 3.089 de dezembro de 2011, que diz respeito à distribuição de verbas para saúde mental, não há referência ao serviço ambulatorial (BRASIL, 2011).

Diante da possibilidade deste dispositivo deixar de existir, por falta de financiamento e regulamentação, se faz necessária a problematização do lugar e da função dos ambulatórios de saúde mental no âmbito da reforma psiquiátrica brasileira. Além disso, investigar a assistência prestada nestes serviços é fundamental para que o campo da saúde mental articule melhor a relação entre os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os ambulatórios, além do território e atenção básica, além de planejar e propor ações efetivas, que garantam o fortalecimento da rede e o cuidado integral para as pessoas em sofrimento psíquico.


Referências

Brasil. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, 26 de Dezembro de 2011.

Brasil. Ministério da Saúde. Portaria SNAS/MS Nº 224, de 29 de janeiro de 1992. Estabelece as normas e diretrizes para o funcionamento ambulatorial e para o hospital dia em saúde mental. Brasília, 1992.

Brasil. Relatório de Gestão 2003-2006: saúde mental no SUS: acesso ao tratamento e mudança do modelo de atenção. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2007. 78 p.: il. – (Série C. Projetos, Programas e Relatórios)
Severo, A. K. Rede e Intersetorialidade na Atenção Psicossocial: Contextualizando o Papel do Ambulatório de Saúde Mental. Psicologia: Ciência e Profissão, 2011, 31 (3), 640-655.

Santos, Yalle Fernandes dos. O Ambulatório de saúde Mental no contexto da Reforma Psiquiátrica em Natal/RN. Natal, Rio Grande do Norte, 2007.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Taiane Borba

por Taiane Borba

Enfermeira Graduada pela Universidade do Estado da Bahia (UFBA) e especialista em saúde mental pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) através da residência multiprofissional em saúde. Experiência profissional como enfermeira assistencial psiquiátrica no hospital dia do Espaço Nelson Pires em Salvador-Ba. Atualmente aluna especial do mestrado da UFG.

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