O Apoio Matricial dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)

É um serviço constituído por uma equipe multiprofissional
É um serviço constituído por uma equipe multiprofissional

Enfermagem

20/09/2015

A Reforma Psiquiátrica (RP) é um grande marco para a saúde mental, já que possibilitou outro modo de pensar a assistência aos indivíduos acometidos por transtornos mentais. A partir dela, foram criados novos dispositivos e estratégias de cuidado, comprometida com a saúde enquanto responsabilidade do Estado, com ênfase na implantação de mecanismos de reinserção social e ressocialização dos usuários (AMARANTE, 1998).


No final dos anos70, aRP incide no Brasil de forma a questionar às instituições psiquiátricas vigentes num processo de desconstrução crítica dos manicômios (DELFINI e col., 2011). Então, o modelo hospitalocêntrico foi dando lugar ao cuidado que não afaste o portador de transtorno mental do seu espaço social, antes, o assista em sua realidade. E assim, a atenção básica, aponta como um espaço privilegiado de intervenção para a saúde mental, já que permite traçar ações focadas no eixo territorial e ampliar o cuidado ao munícipe assistido (DIMENSTEIN e col., 2009).


A Unidade Básica de Saúde (UBS) é um serviço constituído por uma equipe multiprofissional responsável por um conjunto de ações de saúde, que abrange promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver a atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (BRASIL, 2011b). É, portanto, uma porta de entrada para o atendimento de saúde em todos seus níveis, onde há contato muito próximo das equipes de saúde com problemas de saúde mental (SOARES, 2008). Como ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), a UBS tem a responsabilidade de desenvolver ações de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado dos transtornos mentais (BRASIL, 2011b).


No estudo de Bezerra e Dimenstein (2008), há referência de que as UBS lidam diariamente com uma enorme demanda de saúde mental, com casos de violência, maus-tratos, abuso de drogas e psicotrópicos e depressão, dentre outras queixas. E que muitas vezes, essas demandas produzem mal estar nas equipes que se sentem despreparadas para lidar com essas questões. Quando se trata de crises psicóticas ou de aparecimento de transtornos mentais, a situação se agrava ainda mais. Alguns entrevistados nesse trabalho relatam que os CAPS devem chegar como apoiadores das equipes de saúde da família para que tais demandas possam ser atendidas também nas UBS.


Dados do Ministério da Saúde apontam que 56% das equipes de saúde da família referem realizar ‘alguma ação de saúde mental’ e nem sempre a atenção básica apresenta condições para dar conta dessa tarefa. Às vezes, a falta de recursos de pessoal e a falta de capacitação acabam por prejudicar o desenvolvimento de uma ação integral pelas equipes (BRASIL, 2003). Assim, é fundamental o suporte do CAPS aos dispositivos da atenção básica.

O CAPS é o organizador da psicossocial e, como tal, deve buscar o estreitamento de laços entre o campo da saúde mental e a comunidade (DELFINI e col., 2011). Além disso, fazem parte de suas funções: dar suporte; discutir e intervir conjuntamente; supervisionar e capacitar as UBS, no atendimento às necessidades em saúde mental; propiciando a corresponsabilização dos casos existentes e aumentando a capacidade resolutiva de problemas de saúde mental pelas equipes locais (BRASIL, 2004). Isso se configura o Apoio Matricial (AM), que não é uma função a mais a ser desenvolvida pelo CAPS, mas uma atribuição que lhe cabe.


O guia prático de Matriciamento em saúde mental traz a seguinte definição:


Matriciamento ou apoio matricial é um novo modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico terapêutica (Brasil, 2011a, p. 13).


O matriciamento é um arranjo que visa a corresponsabilização dos casos, o que exclui essa lógica. Quando há um cuidado compartilhado, através de discussão ampla do desenho de projeto terapêutico do indivíduo de forma horizontal, as duas equipes, matricial e de referência, se responsabilizam pelo caso (CAMPOS, 1999). Sabendo-se que esse apoio permite também a diferenciação dos casos que realmente precisam ser atendidos nos serviços especializados de saúde mental e os que podem ser acompanhados pelo PSF, ou pelo menos, serem acolhidos momentaneamente por esses profissionais da atenção básica (BEZERRA; DIMENSTEIN, 2008).


Na prática o AM enfrenta entraves e dificuldades. Para Bezerra e Dimenstein (2008), há uma deficiência de suporte dos serviços existentes e um número insuficiente de profissionais na atenção básica, o que gera uma demanda excessiva sobre as equipes, superlotação dos serviços e presença do encaminhamento para outros serviços como forma de atenção, o que muitas vezes acabam sendo obstáculo para o AM. Além disso, não podemos esquecer que, muitas vezes, os profissionais do CAPS também alegam que não conseguem dar conta do trabalho que realizam nesse serviço e, por outro lado, para conciliar esse trabalho com o de matriciamento, faz-se necessário definir quantas serão as equipes de PSF, os dias e os horários do trabalho de apoio.


O entendimento da lógica do matriciamento por parte dos profissionais de saúde é de extrema importância para a efetivação da sua prática. Eles precisam entender que esse recurso não é encaminhamento ao especialista, um atendimento individual pelo profissional de saúde mental ou mesmo uma intervenção psicossocial coletiva realizado apenas pelo profissional de saúde mental. Caso contrário, continuaremos vendo na prática ações que se distanciam da verdadeira perspectiva que o AM se propõe.
REFERÊNCIAS

AMARANTE, Paulo. Loucos Pela Vida- a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Coleção Panorama/ SDE/ ENSP. 1998.


BEZERRA, Edilane; DIMENSTEIN, Magda. Os CAPS e o trabalho em rede: tecendo o apoio matricial na atenção básica. Psicol. cienc. Prof, Brasília,v. 28, n. 3, 2008.


Brasil. Ministério da Saúde. Saúde mental e atenção básica o vínculo e o diálogo necessários: Inclusão das ações de saúde mental na atenção básica. Editora MS. Brasília, p. 7, 2003.


______. Ministério da Saúde. Saúde mental no Sus: os centros de atenção psicossocial. Editora MS. Brasília, p. 86, 2004.


______. Ministério da Saúde. Guia prático de Matriciamento em Saúde Mental. Editora MS. Brasília, p. 235, 2011a.


______. Ministério da saúde. Gabinete do Ministro. Portaria GM nº 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 dez. 2011b. Seção 1, p. 59.


CAMPOS, G. W. S. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 393-403, 1999.


DELFINI, P. S. S.; e col. Parceria entre CAPS e PSF: o desafio da construção de um novo saber. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, 2011.


DIMENSTEIN, Magda; e col. O Apoio Matricial em Unidades de Saúde da Família: experimentando inovações em saúde Mental. Saúde Soc. São Paulo, v. 18, n. 1, 2009.


SOARES, M. H. A inserção do enfermeiro psiquiátrico na equipe de apoio matricial em saúde mental. Nursing. São Paulo, 2008.


Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Taiane Borba

por Taiane Borba

Enfermeira Graduada pela Universidade do Estado da Bahia (UFBA) e especialista em saúde mental pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) através da residência multiprofissional em saúde. Experiência profissional como enfermeira assistencial psiquiátrica no hospital dia do Espaço Nelson Pires em Salvador-Ba. Atualmente aluna especial do mestrado da UFG.

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