Assistência de enfermagem aos pacientes sequelados de AVE isquêmico

AVE - Acidente Vascular Encefálico
AVE - Acidente Vascular Encefálico

Enfermagem

16/12/2014

Assistência de enfermagem aos pacientes sequelados de Acidente Vascular Encefálico (AVE) Isquêmico no Centro de Saúde Nazaré: o contexto da Estratégia de Saúde da Família (ESF)


SOUZA, Regiane Mateus de
SANTOS, Simone Sueli Reis


O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é uma doença que, muitas vezes, incapacita seu portador para atividades de vida diária, visto que é uma relevante questão de saúde pública. Este estudo de abordagem qualitativa, objetivou analisar a atuação da equipe de enfermagem da Estratégia de Saúde da Família (ESF) do Centro de Saúde Nazaré, na assistência aos pacientes sequelados de AVE Isquêmico. Para isso entrevistamos oito profissionais da equipe de enfermagem da ESF. Com base nos discursos foi possível construirmos cinco categorias: Cuidar é educar; Cuidar é humanizar a relação de cuidado; Cuidar é eleger o paciente como pessoa de cuidado; Cuidar é incluir a família no processo cuidativo; Cuidar é desenvolver a técnica. A reflexão e a compreensão dessas categorias transparecem que é necessário que a equipe de enfermagem reavalie o seu cuidar, de modo a participar ativamente da assistência ao paciente sequelado de AVE Isquêmico.



INTRODUÇÃO

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é uma patologia que envolve uma artéria e/ou uma veia cerebral. Caracteriza-se por alterações na circulação cerebral quase sempre relacionadas com a hipertensão e a aterosclerose, devido a oclusão parcial ou completa de um vaso sanguíneo ou da hemorragia decorrente de um rompimento vascular. (MELLO, 2003)


O AVE Isquêmico resulta de interferência na circulação do cérebro, devido a uma redução generalizada ou localizada do fluxo sanguíneo, tendo em vista que a identificação da gravidade deve ser analisada com base no tamanho do calibre do vaso e em relação ao tempo de isquemia. Pode ser subdividido em alguns tipos como: a) trombose de grandes artérias devido a aterosclerose dos grandes vasos sanguíneos dentro do cérebro; b) os trombóticos de pequenas artérias perfurantes são o tipo mais comum e afetam um ou mais vasos; c) os acidentes vasculares cerebrais cardiogênicos estão associados à arritmias cardíacas, usualmente à fibrilação atrial, reduzindo o fluxo cerebral; d) os êmbolos de origem cardíaca circulam até a vasculatura cerebral. (SMELTZER & BARE, 2004)


Sabe-se ainda, que o AVE Isquêmico gera uma ampla variedade de déficits neurológicos, dependendo da localização da lesão, do tamanho da área de perfusão inadequada e da quantidade de fluxo sanguíneo colateral. As funções motora, sensorial, dos nervos cranianos, cognitiva entre outras podem estar rompidas.


No entanto, é importante ressaltar que a Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, do âmbito individual e coletivo que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação e manutenção da saúde.


A Atenção Básica tem a saúde da família como estratégia prioritária para sua organização.[1] Contudo, o papel do enfermeiro na Estratégia Saúde da Família (ESF) implica em relacionar todos os fatores da família, saúde e doença, da classe social e da cultura, atuando e interagindo com situações que apoiem a integridade familiar. A família como unidade de cuidado é a perspectiva que dá sentido ao processo de trabalho da ESF.


Nesse aspecto, “a visita domiciliar” é um instrumento de intervenção fundamental da estratégia de saúde da família que possibilita ao profissional conhecer o contexto de vida do usuário e a constatação “in loco” das reais condições de habitação, bem como a identificação das relações familiares.

Cabe destacar que a preocupação mundial com o AVE isquêmico, associado ao alto risco de óbito e incapacidade, fez com que diversos estudos fossem realizados nas últimas décadas em todo o mundo, uma vez que tem demonstrado relevante questão de saúde pública, devido a repercussão dos danos causados ao indivíduo, à sua família e à sociedade – pela incapacitação, pelos anos de vida produtiva perdidos e pelos altos custos financeiros envolvidos no processo de reabilitação. Dessa forma, acreditamos que um trabalho científico que busca identificar, na perspectiva dos profissionais da ESF, como se dá sua assistência nos domicílios aos pacientes com AVE isquêmico pode redundar em estratégias promotoras de um cuidar com mais qualidade e minimização das situações de vida enfrentadas pelos familiares e pessoas com AVE.


METODOLOGIA

Elegemos como caminho metodológico para este estudo a pesquisa qualitativa, que de acordo com Pope & Mays (2005) está relacionada aos significados que as pessoas atribuem às experiências do mundo social e como o compreendem.
A coleta de dados ocorreu entre março e abril de 2008 e foi realizada com oito profissionais da equipe de enfermagem, cujo campo de estudo foi o Centro de Saúde Nazaré, Regional Nordeste – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. A coordenação da instituição foi informada do interesse das autoras por meio de ofício assinado, que permitiu sua efetivação.


A técnica utilizada foi a entrevista semiestruturada pautada nas questões: “O que é cuidar para você?” e “Como você cuida de um paciente sequelado de AVE isquêmico?”.


A análise dos dados efetuou-se após a transcrição na íntegra das entrevistas. Posteriormente aconteceram leituras e releituras aprofundadas quando os dados foram organizados em unidades temáticas.


A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CEP-SMSA/BH). Todos os sujeitos foram consultados e esclarecidos sobre a participação na citada investigação, com leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde.


RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

Os sujeitos de pesquisa foram oito profissionais de enfermagem, do sexo feminino, cuja faixa etária compreendeu pessoas de 25 a 45 anos. A cor, etnia e classe social não foram pré-requisitos para se tornarem sujeitos de pesquisa. A equipe de sujeitos foi composta de duas enfermeiras e seis técnicas / auxiliares de enfermagem.


Após leitura em busca de validação dos dados, mediante descrição detalhada das entrevistas, identificamos nove unidades de registro. Posteriormente, após novo mergulho nas unidades temáticas, percebemos que havia grande similaridade entre algumas e, assim, realizamos nova convergência construindo por fim, cinco categorias empíricas: cuidar é educar; cuidar é humanizar a relação de cuidado; cuidar é eleger o paciente como pessoa de cuidado; cuidar é incluir a família no processo cuidativo; cuidar é desenvolver a técnica.
Cuidar é educar
Nesta temática, o cuidado foi definido como educação em saúde não só para com o paciente, como para com seus cuidadores. Foi demonstrada a necessidade de promover apoio para os cuidadores e o ser cuidado, no que diz respeito à concretização da importância do processo do cuidar.


A partir da visão de educação, pressupõe-se que o profissional de saúde educa ao convocar que o outro aprenda a se cuidar, socialize sua aprendizagem e se sinta sujeito de seu auto cuidado. Ao ensinar, o profissional de saúde elege o ser cuidado como responsável e capaz de gerir a própria vida. Assim, sua “autoestima levanta e melhoras assustadoras acontecem”.
“[...] quando o paciente tá em casa a gente tem que tá prestando cuidados pra esse paciente, principalmente orientando a família. A gente tem que formar uma equipe pra poder tá trabalhando em conjunto”. (E3)


O papel da equipe de enfermagem não se restringe a executar técnicas ou procedimentos eficientemente. Implica também, na ação cuidativa que abrange a comunicação e a orientação, que objetivam satisfazer as necessidades dos pacientes.


Cuidar é humanizar a relação de cuidado

Esta categoria demonstrou que, para ajudar o outro é necessário que o profissional da equipe de enfermagem busque caminhos para um processo interpessoal, que possibilite um momento de atenção, troca silenciosa de partilha e de abertura para a escuta e a interação.


A equipe de enfermagem caracteriza o cuidar como um momento de acolhimento e observação que objetiva identificar a necessidade do paciente, escolher o método cuidativo mais adequado a ser utilizado e, quando necessário, direcioná-lo ao profissional específico.


“[...] um dos cuidados que a gente dá quando o paciente chega na sala de enfermagem é verificar os sinais vitais, perguntar as queixas do paciente né, que é um cuidado. Aí, depois é que a gente vê né, para quem vai ser encaminhado, para quem você direciona, para enfermeiro ou médico.” (E8)


Cuidar é eleger o paciente como pessoa de cuidado

Nesta temática, a equipe de enfermagem ressalta que o profissional de saúde deve ter uma visão global das necessidades do paciente, com o intuito de determinar ações de enfermagem mais apropriadas e de acordo com sua demanda.
“[...] é você estar atendendo o paciente em todas as suas necessidades.” (E4)


As técnicas de enfermagem definem o cuidar como um ato que abrande pequenos gestos, atitudes, dedicar-se ao outro com uma atitude humanizada que compreende o homem em sua totalidade e não apenas como corpo biológico.


Cuidar é incluir a família no processo cuidativo
De fato, a manutenção dos cuidados técnicos se faz presente nas entrevistas dos sujeitos. Entretanto, quando buscam o cuidado humano convocando os familiares para se tornarem presença significativa, transcendem “a tarefa”. Percebem que existe complementaridade nas atividades de cuidado e que o ser humano é um ser de relações sociais, familiares, dentre outras.


‘[...] tem que ter envolvimento da família, acho que pensar em cuidado não depende só de uma pessoa, porque não adianta nada eu colocar um plano de cuidados se não tiver a família pra ajudar... envolve várias coisas, vem desde o caráter do profissional, do envolvimento dele”. (E1)

Cuidar é desenvolver a técnica

Esta categoria é definida pela equipe de enfermagem como um cuidar baseado em tarefas de cunho técnico que objetivam a melhora na evolução clínica do paciente. É um cuidar estruturado numa visão biomédica, mecanicista e o corpo dos ser cuidado é objeto de ações.


“[...] procuro tá indo sempre medir pressão, verificar medicamentos com a família, se não tá faltando medicamento, se tá tomando medicamento certo [...]” (E4)


CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo se constituiu em uma tentativa de compreendermos o cuidar e como ele se desenvolve, em específico, para pacientes sequelados de AVE Isquêmico por parte da equipe de enfermagem do Centro de Saúde Nazaré.


No contexto da saúde coletiva, a análise das respostas permitiu-nos constatar as diferentes definições de cuidar. O cuidado foi considerado como educação (orientação e conversa; ensino); humanização de relação de cuidado (escuta e atenção; zelo; acolhimento); visualização do paciente como pessoa de cuidado (atendimento baseado em necessidade; integralidade); inclusão da família no cuidado e, desenvolvimento de técnicas.


Do mergulho e da compreensão realizados, transparece, com muita força, que é necessário que a equipe de enfermagem reavalie seu cuidar, de modo a participar ativamente da assistência ao paciente sequelado de AVE isquêmico. Que seu cuidar se aproxime cada vez mais das reais necessidades das pessoas por ela cuidados. No sentido de um resgate da sensibilidade, de utilizar a empatia, cuidador e família, bem como a constante capacitação do seu “fazer”.


Contudo, o futuro do processo cuidativo depende da estrutura de saber constituída a partir das realidades estudadas e exploradas exaustivamente pelos profissionais de enfermagem, além da busca incansável pelo conhecimento, tendo em vista que o cuidar é um processo contínuo que visa aperfeiçoamento do atendimento global, curativo e reabilitador do paciente, família e equipe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 2002.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadernos de Atenção Básica – Programa Saúde da Família. Secretaria de Políticas de Saúde – Departamento de Atenção Básica. Brasília, 2000.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS 648 – 28/03/06. Disponível em: <http//:www.saude.gov.br>. Acesso em: <13/03/08>.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolução 196 de Outubro de 1996: Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF), 1996.

ANDREOLI, TE et al. Cecil Medicina Interna Básica. 5ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

KAWAMOTO, E.E; SANTOS, M.C.H; MATOS, T.M. Enfermagem comunitária: visita domiciliária. São Paulo: EPU, 1995.

MELLO, A.L.L. de C. E. Prevalência e sobreviva de casos de acidente vascular encefálico, no município do Rio de Janeiro, no ano de 1998. Monografia. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: <http://www.bireme.br>. Acesso em: 26/10/2006.

MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.) et al. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 18ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Atenção Básica – Saúde da Família. Disponível em: <http://www.saude.gov.br>. Acesso em: 27/10/06.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Roteiro de Visita Domiciliar para Agentes Comunitários de Saúde e Equipes de Saúde da Família. Disponível em: <http://www.saude.gov.br>. Acesso em 19/10/06.

POPE, C; MAYS, N. Pesquisa Qualitativa na Atenção à Saúde. 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

RADANOVIC, M. Características do Atendimento de Pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Hospital Secundário. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 25/10/2006.

SMELTZER, Suzanne C. O'Connell; BARE, Brenda G. (Ed.). Brunner & Suddarth tratado de enfermagem médico-cirúrgica. Tradução Catarina Salvador da Motta. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

SOUZA, S.E. de M. Tratamento de doenças Neurológicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. (Capítulo 33 – Prevenção das doenças cerebrovasculares. Rubens José Gagliardi págs 90-93

TAKAHASHI, R.F; OLIVEIRA, M.A.C. A visita domiciliária no contexto da saúde da família. In Brasil. Instituto para o Desenvolvimento da Saúde. Universidade de São Paulo. Brasília: MS, 2001.

WALDOW, VR. Cuidado humano – o resgate necessário. 3ed. Porto Alegre: Sgra Luzzatto, 2001.


________________________________________
[1] BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS 648 – 28/03/06. Disponível em: <http//:www.saude.gov.br>. Acesso em: <13/03/08>.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Regiane Mateus de Souza

por Regiane Mateus de Souza

Enfermeira; Pós graduada em Enfermagem do Trabalho

Portal Educação

UOL CURSOS TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Alameda Barão de Limeira, 425, 7º andar - Santa Cecília CEP 01202-001 CNPJ: 17.543.049/0001-93