A Doença Estigmatizante na Obra de Franz Kafka Para Pacientes e Familiares

Franz Kafka
Franz Kafka

Enfermagem

11/12/2014

A obra classificada como novela apresenta ideias já existentes no contexto literário, mas de uma maneira inovadora e absurda.


A metamorfose como ato de se transformar está presente na poesia e literatura, nos mitos como punição dos deuses contra aqueles que os blasfemaram ou desafiaram.


No escrito de Kafka o absurdo está nos motivos aparentemente inexistentes, Gregor Samsa após uma noite de sono intranquila acorda num processo de mutação. De homem para inseto.


Seu universo não está composto por magia, terras e personagens encantados, mas pessoas da vida comum. O pai de Gregor estava aposentado e em decadência, sua mãe com saúde frágil, sua afetuosa irmã ainda imatura, basta a Gregor manter os valores da família de classe média como tranquilidade, segurança, bem- estar e conforto.


Desta forma, nosso protagonista tornou-se o principal provedor de sua casa, um ser de obrigações no trabalho e com a família absorvido de maneira integral pela autoridade dos outros, estava em ascensão profissional como caixeiro viajante de uma firma de tecelagem e era considerado seu melhor funcionário.


A forma que Gregor deixa sua vida ser conduzida permite uma alienação de sua própria existência, ele se distancia da vida, não vive as experiências possíveis que a vida oferece, permanecendo alheio ao mundo ao seu redor. Poderíamos fazer um paralelo ao mito de Sísifo, condenado a uma vida de trabalho duro e desprovido de sentido.


Isto mostra a pessoa infeliz, submissa e frustrada, vivida pelo personagem, ele tem a responsabilidade da família, está preso a uma dívida que não é sua, mas de seu pai, além da infelicidade presente, falta-lhe a condição (fraqueza e imaturidade) de lidar com o novo papel da vida adulta. Ele não tem forças ou motivação para enfrentar mais 5 ou 6 anos de trabalho para pagar a dívida do pai.


Uma doença psiquiátrica necessita de uma predisposição genética e situacional, neste caso a situação de vida infeliz de Gregor é o fator desencadeante da doença. Se ver como um inseto é a possibilidade daquele que não se reconhece mais como um humano diante de uma doença. O reconhecimento da realidade torna-se distorcido, oferecendo uma nova condição, um novo universo, desfavorável, amedrontador e perigoso, tornando imprevisível pelos outros seu comportamento desconexo da realidade.


Os sentimentos são vividos em sua intensidade passando por susto, perplexidade, incompreensão, vergonha, humilhação e frustração, e por fim o preconceito, típicos a um doente psiquiátrico.


A metamorfose causa uma mudança em sua vida, mas não acrescenta, retira o pouco do nada que ainda lhe resta, enfraquece suas ações o torna mais isolado e dissociado do mundo exterior e de si mesmo.


De homem a inseto, da noite para o dia. Uma mudança repentina na vida de um adulto jovem, como uma doença psiquiátrica grave.

Os rituais cotidianos da família tentam de maneira inútil recuperar a vida de outrora, diante de uma negação infecunda, contudo a frustração de não alcançar alimenta a desesperança de todos e nosso protagonista perde sua intensidade de vida.
A perplexidade inicial e angústia diante da mudança súbita começa a ganhar uma nova face, diante da perda do controle da própria vida e de si mesmo.


Atingido pela metamorfose as tarefas antes simples, deixam de ser, a perda funcional, o que ora era fácil, agora tornou-se difícil, confusa, improdutiva e perigosa.


A reclusão em seu quarto direciona a quebra de contrato entre o trabalho e sua família, a qual gozava de regalias. Este ato defronta-se com a Ética Social de Alienação do Sujeito, que entra em xeque quando é ferida por preguiça, inutilidade, vagabundagem, irresponsabilidade, insensatez, dentre outras.


Diante deste cenário a família de Gregor não sabe o que fazer, não procura por ajuda, prefere viver na ignorância e a atitude do homem ignorante é julgar, descartando a possibilidade de conhecimento, compreensão e empatia. O posto de herói é tomado pelo posto de vilão torna-se responsável por aquilo que não tem culpa.


Isto mostra a ferida narcísica, ou seja, a incapacidade de se colocar no lugar do outro. A doença do outro é vivenciada como uma afronta pessoal, sendo reconhecidos apenas os problemas que está trazendo para sua própria vida para seu próprio ego.


A culpabilidade (bode expiatório) outorgada a Gregor apazigua a tensão, estabelece a paz e restaura a ordem dentro da família. Contudo o inimigo nem sempre é um estrangeiro, pode ser semelhante que não aderiu mais a ordem do mundo merecendo todo o tipo de violência sem restrições, pois não se aplica leis humanas para um inseto.


A família Samsa, sofre uma frustração muito elevada pela perda do filho para uma metamorfose – doença que outrora estava projetado num futuro brilhante.


O desespero da família denota a real percepção de que esta metamorfose não é passageira, veio para ficar, não existindo assim cura para a vida, medicação que faça tudo voltar como era anteriormente, não sabe como agir, ou que atitudes tomar.
Embora a metamorfose de Gregor tenha levado a mudanças positivas, quanto à volta do pai ao trabalho é percebido que os familiares o culpam pelo sofrimento causado, ele torna-se uma “coisa”, os sentimentos em relação ao nosso homem-inseto são transformados em ódio, repugnância. Sua vida não tem sentido algum naquela família, ele somente a vergonha, desonra e onera esforços, o desejo de todos é que morresse logo para deixá-los viverem em paz.


O padecimento é gradativo como o de um homem de existência vazia e de uma vida inteiramente consumida pelo automatismo da vida diária que o aprisiona, não sendo mais permitido sonhar, mas apenas viver a imagem do pesadelo.
Em um mundo no qual a linguagem é mais que uma forma de expressão, mas um instrumento de poder, nosso herói é privado dela perdendo toda a possibilidade de esperança e tornando-se refém do acaso.


Sua situação agrava-se poderíamos descrever como uma depressão maior, definidas por sua tristeza, alterações ritmo biológico como o sono, alimentação, fadiga e cansaço e por fim as alterações motoras.


A não aceitação da doença, a incapacidade curativa, a falta de apoio familiar, falta de amigos, as limitações impostas pela metamorfose faz surgir o desejo recorrente de morte.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Jorge A da Trindade Junior

por Jorge A da Trindade Junior

Enfermeiro pós- graduado em Tanatologia, e Cuidados Paliativos com educação complementar nas áreas de Aplicações Clínicas da Espiritualidade em Saúde, Gestão de Pessoas e Filosofia. Coord. pedagógico e docente no curso de Especialização em Tanatologia do Instituto de Saúde e Educação Pinus Longevae. Coordenador de unidade operacional e instrutor temporário na ECT. Delegado ambiental do Cimbaju.

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