Breves Reflexões Sobre Nossa Maneira de se Colocar no Mundo

Machado de Assis
Machado de Assis

Enfermagem

11/12/2014

Breves Reflexões Sobre Nossa Maneira de se Colocar no Mundo - A Agulha e a Linha de Machado de Assis


Consideramos primoroso avaliarmos suscintamente o perfil de cada personagem presente no conto, começando pela Agulha.

Agulha tenta por meio de um diálogo pouco persuasivo, convencer sua colega a linha de seu valor, que é mais importante entre as duas, nesta atitude pode presenciar a expressão da inveja.


Segundo o historiador Leandro Karnal, a inveja é um pecado capital, mas que ainda hoje as pessoas, a sociedade de modo geral se envergonham em tê-la, é o pecado envergonhado, o invejoso nunca assume sua inveja, mas por outro lado se diz invejado pelos outros, tentando exaltar qualidades que nem mesmo ele acredita ser detentor.


Dentro desta perspectiva, enxergamos uma tristeza da agulha em relação à alegria da linha, a linha está feliz e satisfeita pelo que ela é, e isto incomoda sua colega invejosa, ao ponto de tentar degradar sua autoestima, destruí-la moralmente, subtrair seu valor, matá-la mesmo que simbolicamente, o objetivo do invejoso é a tristeza do objeto invejado.


A linha não inveja a agulha, contudo é muito segura de seu papel, daquilo que é e representa, daquilo que faz, orgulha-se de si mesmo, tem fé de ser a criatura “escolhida” entre todas, não há humildade naquilo que é, conforme o filósofo Clóvis de Barros, ser humilde é entristecer consigo mesmo e orgulhoso é alegrar-se com aquilo que se é, a linha encaixa-se na segunda definição.


A alegria e a tristeza de cada personagem trazem à discórdia no conto machadiano. A agulha nascida numa condição que a possibilita furar, ferir, machucar, mas por outro lado, abrir caminhos, obstruir barreiras, infiltrar e abrir pequenos espaços sem maiores estragos é triste por sua condição existencial, inexistem outras possibilidades de olhar sua própria vida, é fadada a viver como ela é, possui a essência de agulha antes de existir como agulha, fadada a ser agulha por toda a vida e incompetente para buscar alegria, satisfação, prazer em sua condição. Observar os outros sendo feliz com aquilo que são, com aquilo que possuem, aniquila o sentido da própria vida.


Diante da discussão e diferentes pontos de vista, os dois primeiros buscam dar a suas vidas um sentido, um objetivo existencial, a primeira para se convencer da própria importância a segunda para registrar a importância que ela acredita ter.
Segundo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, nossa sociedade atual, tem três alicerces ideológicos como forma de vida o individualismo, o relativismo e o instrumentalismo. Abaixo uma pequena breve sobre essas correntes filosóficas:


a) O individualismo prega a busca do melhor tipo de vida a ser usufruída, com autodesenvolvimento, autorealização e autossatisfação, sem qualquer obrigação com os demais é uma forma de ser feliz a qualquer custo.

b) O relativismo acredita que as escolhas feitas pelo sujeito são igualmente importantes, pois não há um padrão de valores objetivo que nos permita estabelecer uma hierarquia de condutas.


c) O instrumentalismo defende que o valor de qualquer coisa fora de nós é apenas um valor instrumental, o valor das pessoas e das coisas se resume naquilo que elas podem fazer por nós.


Embora personagens e pessoas possam oscilar em mais de uma dessas correntes é evidente que a personagem linha é consumidora de uma cultura individualista, não procurou ver o valor da agulha, ou de seu trabalho, ou o quanto isto a beneficiava, apenas o próprio valor, mesmo que o salário para isto seja a tristeza da agulha, não importa ela precisa ser feliz a qualquer preço, o que definiria uma cultura “psicopática”.


O alfinete, também está inserido neste contexto, pois não se importa com a agulha, simplesmente finge compadecer para exaltar sua própria esperteza é indiferente com o sofrimento dos outros, incapaz de sentir culpa ou remorso, sem interesse algum pelo grupo ou contatos interpessoais, por um bem comum, ou mesmo por qualquer tipo de contribuição. Um antissocial.


Embora tenhamos um conto do século XIX, ainda é uma discussão presente em sociedade. A falta de possibilidades de ascensão social de algumas classes, “engessadas” na sua condição de “agulha”, ou seja, de ser sentenciado por toda a sua vida a servir de base numa estrutura de construção de servidão e beneficiados, de falta de reconhecimento do outro por seu trabalho, por sua condição de humano, buscando a autovalorização, quando somente possuí baixo estima, desprezo, preconceitos, discriminações, não consegue enxergar outras possibilidades se não invejar, desejar a infelicidade daquele que está mais ascendido socialmente por oprimir e explorar sua existência, numa cultura onde impera aquele que vive somente para si, desvinculados das pessoas que estão ao seu redor, e tristemente privilegia, este comportamento, e mascara e beneficia a maldade intrínseca na exploração e no sofrimento do outro.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Jorge A da Trindade Junior

por Jorge A da Trindade Junior

Enfermeiro pós- graduado em Tanatologia, e Cuidados Paliativos com educação complementar nas áreas de Aplicações Clínicas da Espiritualidade em Saúde, Gestão de Pessoas e Filosofia. Coord. pedagógico e docente no curso de Especialização em Tanatologia do Instituto de Saúde e Educação Pinus Longevae. Coordenador de unidade operacional e instrutor temporário na ECT. Delegado ambiental do Cimbaju.

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