John Snow e a epidemia do cólera de Londres 1.854

Epidemia do cólera de Londres 1.854
Epidemia do cólera de Londres 1.854

Enfermagem

14/10/2014

JOHN SNOW E A EPIDEMIA DO CÓLERA DE LONDRES 1.854: A CONSTRUÇÃO DE UMA CATÁSTROFE

Autor: Mario De Felicis Sobrinho (UNIP/UCDB)



Resumo: O presente trabalho tem como objetivo revisar os fatos ocorridos na grande epidemia de cólera ocorrida no ano de 1.854, bem como reconstruir o ambiente da Londres vitoriana, local e fatos em que o Dr. John Snow investigou e estudou durante sua vida a fim de promover o declínio da teoria dos miasmas infecciosos vigente na época, veremos também outros personagens e fatos ocorridos nessa epidemia que permitiram o sucesso do Dr. Snow e o controle da epidemia do cólera ocorrida naquele ano.



INTRODUÇÃO
Inicialmente devemos traçar a construção, evolução e pensamentos existentes na época de 1.840, na Londres vitoriana, que permitirão assim a construção do entendimento acerca da epidemia de cólera, que disseminou-se de forma devastadora, matando milhares de pessoas. Não podemos deixar, também, de definir os conceitos epidemiológicos acerca das teorias pré e pós a realização dos estudos de John Snow sobre o Cólera, bem como os conceitos e políticas de atenção sanitária da época.


Um fator importante é a despreocupação na cientificidade da medicina, em geral, permitindo que boticários e charlatães fizessem o “marketing” de placebos ou até “venenos”, realçando uma conotação “medicamentalista” baseada nos lucros e não no tratamento do cliente.


Definiremos inicialmente quais as crenças relacionadas às doenças existiam, assim devemos, voltar um pouco no tempo para explicar a Teoria dos Miasmas, que basicamente, é descrita como a doença decorrente de um conjunto de odores fétidos proveniente de matéria orgânica em decomposição vindos de solos e lençóis freáticos contaminados, que popularmente era conhecido como “ar viciado”. Era fundamentado neste modelo epidemiológico que atuavam os “sanitaristas” vitorianos e os métodos de manejo destes resíduos era por essência frutos desse conceito.


Após definido o conceito base da época, deve-se remontar o método de despejo de resíduos, mão de obra utilizada, escoamento de águas pluviais e fluviais, sistema de esgoto e abastecimento de água o que apesar de parecer um sistema falho, era na verdade uma cadeia de processos que envolvia inúmeros indivíduos e estruturas, de forma “organizada”, visto os padrões vigentes.


CONSTRUINDO A LONDRES VITORIANA

Começando pela força laboral, o que se via na época, eram os “catadores”, que se diferenciavam no tipo de resíduo que coletavam, tendo por exemplo, o catador de ossos, o catador de carcaças, de ostras, de fezes, os limpadores de fossas, os limpadores de esgoto, os varredores de rua e entre outros, os catadores basicamente saiam pelas vias em busca de objetos, trapos e outros bens comercializáveis e recolhiam seus respectivos refugos, onde finalmente seria depositado em fossas e valas os excrementos e, após, os bens adquiridos neste rescaldo era comercializado em feiras e mercados, já os limpadores tinham pela frente algo além do vivenciado pelos catadores, o risco de explosões causado pela decomposição do refugo, que gera um gás altamente inflamável acumulando-se dentro de um ambiente confinado, vale ainda lembrar que a vestimenta desses limpadores era, normalmente, composta por uma vestimenta própria, uma lanterna à óleo e os instrumentos de limpeza, uma combinação fatal para a maioria desses trabalhadores, outro era o risco de afogamento nos dejetos, outra causa de morte desses trabalhadores, sem contar ainda as contaminações devido ao ambiente insalubre. Na maioria das situações o trabalhador recebia uma garrafa de bebida alcoólica e algumas moedas, o que era visto como um salário razoável para os padrões encontrados, com uma jornada de 6 a 8 horas diária, fora os lucros obtidos no comércio dos bens obtidos no rescaldo.


URBANIZAÇÃO DESCONTROLADA: COMO CRESCEU LONDRES


Outro ponto a ser comentado é o conceito de urbanização existente nesta época, onde a cidades cresceram baseadas no sistema de escoamento de resíduos gerados, primeiramente criava-se uma comunidade central, composta de comércios, residências e afins e num rápido espaço de tempo esta comunidade cresce e inicia-se um processo de acúmulo de resíduos, que geravam infestações de animais, doenças e mau cheiro, neste momento, baseados nos conceitos acima abordados, é vista a necessidade de manejo dos mesmos o que, geralmente, é destinado a regiões distantes, e desta necessidade criam-se de rotas de descarte, assim novas comunidades foram sendo criadas, aumentando a população e a produção de lixo exponencialmente.


Ainda no mesmo processo, todo este crescimento, gera uma evolução “natural”, já que a população cria novas necessidades e novos hábitos e é nestas novas necessidades que bairros de luxo começam a ser erguidos na fuga da poluição central e acabaram por ser assentados sobre as antigas valas de despejo dos dejetos, mas este crescimento foi contínuo o que forçou, também, a classe laboral a buscar estes novos bairros de luxo, gerando uma degradação a este novo bairro, com a degradação destes bairros, os portadores de mais posses buscam outros locais para assentar novos bairros, nesses bairros abandonados pelos de mais posses, as casas que em geral possuíam muitos cômodos, foram divididas e aí surgem os “cortiços” que após a transição da classe laboral para estes locais comportavam várias famílias em uma única casa, criando uma divisão onde cada cômodo era um “apartamento”, geralmente o que se via era uma família de em média 5-6 pessoas dividindo um cômodo com animais, dejetos provenientes de coleta de lixo e um ar composto pela decomposição que ocorria nas fossas, fumaça dos aquecedores e resíduos “industriais”.


Dado este crescimento, verificou-se a necessidade da melhoria do ambiente que degradou-se de forma rápida devido ao aumento da densidade populacional e do lixo gerado, neste contexto foram criadas as primeiras medidas de manejo sanitário, com a instalação de privadas e fontes de água, em 1.851, o que causou um caos nos esgotos da cidade durante a “Grande Exibição”, estima-se que cerca de 827 mil pessoas utilizaram estas privadas somente no dia de inauguração, além disso o sistema de esgotos não foi reformado no que se refere ao armazenamento, aumentando o risco de transbordamento com o uso destas “tecnologias”, as fontes fornecedoras de água da época tinham seus encanamentos percorrendo valas de dejetos aterradas e o sistema de esgoto. Para demonstrar numericamente esta explosão populacional, na virada do século XIX, Londres, possuía algo em torno de 1 milhão de habitantes, por volta de 1.851 este número já estava em 2,5 milhões de habitantes e em 1.854 algo em torno de 3 milhões de habitantes.
Esta equação somente poderia ter um resultado, a contaminação das fontes que abasteciam a comunidade, e realmente é isso que se presume que aconteceu no surto de cólera vivido em Londres. Infelizmente existem poucos relatos acerca do início desta epidemia, mas o que podemos ler na obra O Mapa Fantasma escrita em 2.003 pelo autor Steven Johnson, que relata esta epidemia, é que no fim de agosto de 1.854, um bebê chamado de “Lewis”, no bairro de Golden Square, periferia de Londres, foi acometido por vômitos e diarreia intensa com um odor intenso e putrefato e ao identificar estes sintomas sua mãe buscou a ajuda de um médico, e num dos poucos momentos em que a criança adormeceu, a referida senhora, desceu ao porão e embebeu as fraldas sujas de seu bebê em água morna e a despejou seu conteúdo em uma fossa que havia na frente de sua casa, e em apenas 48 horas este bebê foi a óbito, daí por diante, os relatos não param, discorrem sobre personagens, que infelizmente devido a degradação dos registros estes pobres indivíduos não podem ter uma melhor identificação, estes que apresentaram os mesmos sintomas e que também morreram em decorrência dessa doença.


CÓLERA: DEFININDO O ALGOZ

Neste momento se faz necessário um pequeno paragrafo informativo sobre o Cólera, é uma doença bacteriana, causada pelo Vibrio cholerae, registros afirmam que sua descoberta se deu em 1.854 pelo italiano Filippo Pacini, porém sua descoberta não foi considerada pela sociedade científica da época, foi atribuída a Robert Koch a descoberta em 1.883. O cólera pode ser encontrado naturalmente em concentrações baixas na água e a colonização se dá com a ingestão de, aproximadamente, 100 milhões de bactérias por mililitro de água e estima-se que um copo de água sem o menor indício de sujidade pode conter cerca de 200 milhões de bactérias/ml.


Sua transmissão se dá pela ingestão direta do vibrião, proveniente de alimentos ou água contaminados e a transmissão entre indivíduos é incomum, mas não impossível, medidas como não ter contato com mucosas e fluidos de infectados e lavar a mãos ajudam a prevenir. O período de incubação é de 2 horas a 5 dias, inicia-se com desconforto abdominal e fraqueza, evolui com diarreia persistente, caracteriza-se após por uma diarreia chamada de “água de arroz”, que é a perda de água, eletrólitos e pelos resíduos provenientes da descamação do trato intestinal que seria o “arroz”. As perdas de água podem atingir os 20 litros por dia com risco de choque hipovolêmico iminente, mas a descrição mais comum à doença, na época, era de um indivíduo desidratado, com descoramento da superfície cutânea, líquidos esvaindo do corpo, porém com uma consciência e lucidez acerca do sofrimento e da proximidade da morte, que somente cessa ao entrar num estado de coma e rapidamente a morte, caso não haja reposição imediata, porém é muito difícil determinar a causa principal da morte, devido a falência generalizada dos órgãos.


O vibrião possui comportamentos diferenciados baseado no ambiente, por exemplo, onde existem poucos hospedeiros a bactéria leva mais tempo para matar o hospedeiro, já aonde existe uma concentração maior de hospedeiros a bactéria apresenta uma virulência maior, matando mais rapidamente os hospedeiros, isso se dá pela taxa de reprodutividade da bactéria que em poucas horas pode facilmente criar um milhão de descendentes que de forma exponencial vão colonizar o indivíduo, e cada nova geração abre as portas para novas mutações e inovações que são rapidamente retransmitidas e inovadas num processo expansivo e contínuo, além disso as bactérias possuem a habilidade de transmissão de características de forma indiscriminada, gerando desastres, mas também gerando novas cepas de bactérias adaptadas ao ambiente atual.


Sua ação é dada em duas etapas, sendo a primeira etapa que diminui a ação do peristaltismo liberando uma toxina, promovendo um ambiente favorável a reprodução da bactéria, num segundo momento liberando outra toxina que atua no balanço hídrico realizado pelo intestino, bloqueando os receptores de água e eletrólitos gerando também lesões no revestimento interno por meio da descamação resultando em uma diarreia intensa.
O tratamento primordial é a reposição hídrica imediata, associado ou não a antibióticos e sintomáticos, porém medicamentos antidiarreicos não são recomendados por diminuir o peristaltismo e promover a reprodução da bactéria.
Após este breve conceito, podemos continuar nossa trajetória na construção da Londres dos anos 1.850, nesse contexto podemos apresentar alguns “atores” desta epidemia, os médicos, boticários e cirurgiões e os charlatães que apresentaram a sociedade da época curas milagrosas para o crescente mau, que passou de limpadores de ar ao ópio, o que gerou um comércio baseado no sofrimento humano com curas dispendiosas e que num âmbito geral não tinham efeito relacionado ao tratamento da cólera, por consequência gerou-se um marketing agressivo nos jornais e em conjunto uma troca de artigos entre esses profissionais defendendo ou refutando os tratamentos propostos por cada um, isso de certa forma influenciou no aumento da descrença popular na medicina científica abrindo mais espaço para charlatães e boticários gerando ainda mais conflitos e mortes.


JOHN SNOW: DEFININDO UM INVESTIGADOR

É neste panorama em que John Snow atuou, pesquisou e revolucionou com seus artigos, monografias, investigações e estudos refutando a teoria dos miasmas e abrindo as portas para a teoria microbiana, que mais tarde tornar-se-ia um marco na epidemiologia, defendendo que microrganismos são os responsáveis pela causa do cólera.


Um breve histórico sobre John Snow, nascido em família humilde, John sempre revelou interesse nos mecanismos humanos, porém uma trajetória longa foi percorrida por Snow até a obtenção do diploma médico e outros passos foram necessários para iniciar uma revolução durante a epidemia de cólera de 1.854. Visto que naquela época para tornar-se doutor em medicina o indivíduo deveria inicialmente aprender com um boticário por aproximadamente um a dois anos, depois era necessária experiência no manejo e produção dos medicamentos, após a aquisição das habilidades era permitido a abertura de um boticário próprio ou da continuação dos estudos como “cirurgião” e posteriormente entrando em uma universidade que após 3 a 4 anos era conferido o diploma de doutor em medicina.


Em 1.844 o filho de família humilde recebe o título de mestrado e John Snow, que trazia em seu histórico testemunhos sobre outras devastações causadas pelo cólera de 1.831 quando era aprendiz em Newcastle, com vários artigos publicados durante este período, bem como os estudos sobre anestésicos, inicialmente pelo éter, onde criou a “tabela para cálculo da intensidade do vapor do éter” em 1847, criou conjuntamente com Dr. Daniel Fergusson um dispositivo inalatório que permitia o controle da temperatura e vazão do gás éter, seguido pelo estudo das propriedades do clorofórmio como anestésico, testemunhou um novo surto do cólera entre 1848-1849 que levou a morte, em torno de 50 mil pessoas e em 1.850 é convidado para fazer parte da Sociedade Médica de Westminster, sendo considerado um dos mais ativos e respeitados membros desta, neste mesmo ano foi considerado uma referência no campo da Anestesiologia, tendo atuado no controle da dor da rainha Vitória durante seu parto com o uso de clorofórmio.


O INÍCIO: QUANDO O DR. JOHN VOLTA A SOHO
Neste contexto que o Dr. Snow, após formado, abre um consultório médico no bairro de Soho, próximo ao Golden Square, dedicou-se à medicina investigativa e prática, buscou a origem das doenças e foi um dos primeiros a refutar a teoria dos miasmas, jogando a luz da sociedade um nova possibilidade, a de que microrganismo poderiam estar envolvidos num processo de colonização. Esta trajetória investigativa partiu de observações realizadas no bairro de Soho, durante o surto de 1848-49, visto que na maioria das casas visitadas pelo Dr. Snow, estavam tomadas pelo “cheiro da morte” onde famílias inteiras foram mortas pelo cólera e outras que não sofreram algum mal, mas o que chamou mais a atenção de Snow durante esta investigação é que não havia distinção entre casas imundas ou em melhores condições, a doença atingiu pessoas que moravam em melhores condições que outras e também nas casas mais humildes, surgiu assim uma curiosidade, como estas pessoas vivendo em condições tão ruins poderiam estar livres do cólera e baseado nisso o pesquisador, nesse período, se aprofundou em sua investigação, iniciou-se o processo de revolução da teoria das doenças, pois todos em Soho compartilhavam o mesmo ar e as mesmas ruas.


Então John focou sua atenção nos hábitos desses moradores, mas não somente isso também verificou que os médicos que “tratavam” os acometidos pelo cólera não eram infectados e o fruto dessa investigação se deu em 1849 quando o Dr. John Snow publicou sua teoria da transmissão do cólera refutando o que se acreditava até então de que a doença era causada pelo ar poluído e argumentando que esta doença era proveniente de algo ingerido diretamente ou indiretamente pela água das fontes de Soho, esse estudo se deu em dois cortiços onde viviam várias famílias, porém o mais curioso é que uma dessas teve em uma semana, algo em torno de 12 mortes provocadas pelo cólera e na outra nenhum dos moradores do cortiço tinha sido infectados, então como era possível que duas famílias tão próximas não tivessem sido infectadas, baseado na teoria dos miasmas isso seria muito improvável.
Numa investigação mais minuciosa identificou que o sistema de esgoto ou escoamento dos desejos tinha rachaduras o que possibilitaria o contato dos dejetos com a água, contaminando-a, outro fato é de que as famílias do primeiro cortiço que foram acometidas pelo cólera tinham o hábito de beber água de uma fonte localizada na rua Broad, e as outras famílias do segundo cortiço tinham o habito de beber água de outra fonte. Juntamente com esta análise, Snow buscou um análise das águas que abasteciam Londres e verificou que uma das empresas responsáveis drenava a água de uma fonte contaminada pelo esgoto, visto esse fato analisou os gráficos a respeito das mortes ocorridas pelos bairros londrinos e constatou que os bairros abastecidos por essa Empresa tinham um número maior de mortes relacionados ao cólera.


Mesmo apresentando tantas provas à sociedade científica da época não obteve muita aceitação sobre suas teorias, visto que, ainda acreditava-se muito nos miasmas e isso perdurou durante a epidemia de 1.854, sendo identificado em comentários que circulavam de que as escavações dos novos esgotos tinham perturbado os mortos pela peste em 1.665 e isso liberara um miasma infeccioso no ar, de forma geral a população não estava errada nessa opinião, pois o esgoto realmente era o culpado, mas não por perturbação espiritual e sim pelo fato de que a rede de esgotos contaminava a rede de abastecimento de água. Neste momento o panorama era de devastação, onde em sua maioria, os que não haviam sucumbido a doença, estavam abandonando o bairro, outra era a parcela dos convalescentes, ainda havia os que não sucumbiram, porém não acreditavam que sair daquele local mudaria a situação e por fim as vítimas que não suportaram e encontraram a morte, em meio a um cenário de portas e janelas fechadas e ruas vazias, poucos eram os que persistiam com seus comércios, indústrias e casas abertas.


A TRAJETÓRIA: A CAÇA AO CÓLERA

Continuou seu trabalho investigativo pelas ruas de Londres, já que, de certa forma ele já tinha uma certeza, não era o ar poluído o causador do cólera, restava a Snow provar as falhas de sua primeira publicação com relação ao contagio pela ingestão de microrganismos, por todos os dias, daquela semana fatídica repleta de mortes, desespero e dúvidas, o investigador saiu as ruas de Golden Square em busca de suas respostas, seu trabalho se deu mais como de um sociólogo do que médico, pois de forma global estudou gráficos e estatísticas acerca das mortes ocorridas em decorrência do cólera, analisou a qualidade da água proveniente das fontes de abastecimento, bem como a origem das mesmas, verificou a ocorrência da doença baseado em classe social, atividade laboral, região de moradia e etc., seriam os padrões vistos na sociedade que formariam o elo da cadeia de transmissão do cólera.


Pelos dias que se seguiram a epidemia John apresentou para o Conselho Administrativo da Paróquia de St. James, responsável pela região de Golden Square, que definitivamente, a responsável pela disseminação do cólera era a fonte da rua Broad demonstrando suas pesquisas acerca das mortes ocorridas, com maior incidência, nos moradores dos arredores da referida bomba, além de indivíduos que tiveram contato com a água por outros meios, e após uma semana do início do surto, mesmo céticos, os membros do Conselho, decidiram por inutilizar a bomba da rua Broad, o que segundo pensaram, caso o cólera não cedesse, apenas haveria uma diminuição do abastecimento e os moradores dali teriam que recorrer a outras bombas.


Após a desativação da bomba da rua Broad, as mortes seguiram ainda por, aproximadamente, mais uma semana, porém o que se viu foi, o que se considera como uma das primeiras políticas intervencionistas baseada em estudos científicos em relação ao cólera. O relato que segue é o de políticas públicas voltadas ao campo sanitário, começando por uma comissão investigativa do cólera, onde agentes fariam pesquisas nas residências e bairros atingidos afim de definir as causas do cólera, porém o que se viu foi um relatório sobre os miasmas daquele local, além de uma escavação no poço afim de definir se havia possibilidade de contaminação, essa que verificou a inexistência de rachaduras no poço.
PE. HENRY WHITEHEAD: O PÁROCO INVESTIGADOR
Conjuntamente com estes estudos havia um pároco chamado de Henry Whitehead que realizou inúmeras investigações acerca do cólera, neste momento, baseado nos estudos do Dr. Snow, verificou a possibilidade de haver um paciente “zero”, já que a verificação da fonte de água refutou a possibilidade da contaminação, Withehead, e após realizar novas pesquisas e investigações em Golden Square, estimou que o paciente deveria ter contraído a doença por volta de uma determinada data (28 de setembro de 1.854), e segundo os registros houve um bebê acometido, e que faleceu após 5 dias, e seu endereço seria no número 40 da rua Broad e ao realizar uma entrevista com a mãe do referido bebê, o pároco, ficou curioso acerca dos sintomas apresentados e pela morte rápida, questionou a ela quais os procedimentos realizados para limpeza dos panos utilizados pelo bebê, a mesma referiu que os lavava com água e que a mesma fora despeja da parte na fossa da residência e outra parte na fossa em frente sua casa e ao receber esta resposta solicitou, junto ao Comitê Paroquial, uma nova inspeção na fonte, porém que desta vez fosse direcionada ao número 40 dessa rua e a constatação foi categórica, primeiramente haviam sérios danos a estrutura da fossa interna, e principalmente, na fossa externa, que na realidade era um alçapão que tornou-se fossa, identificou-se uma série de infiltrações que contaminavam a água do poço que estava a apenas meio metro do número 40.


Snow ainda na tentativa de convencer o Comitê lançou mão de um mapa onde identificava a incidência do surto, por meio de diagramas, que sobreposto ao um primeiro mapa relacionando as mortes, definira a irregularidade do surto, baseado no trânsito dos indivíduos em busca de água, sua preocupação foi de demonstrar que se o surto fosse proveniente dos miasmas a mancha, apresentada no mapa, seria circular com uma forma proporcional, mas o mapa demonstrava algo disforme, baseado nas proximidades geradas a outras bombas por determinadas ruas e vielas, mesmo com a pouca aceitação desse novo fato, estes mapas e a utilização do diagrama de Voronoi[1] são identificados como um salto no pensamento epidemiológico.


Mas mesmo com todas essas afirmativas a favor da teoria de Snow ainda restava uma dúvida, já que havia tanta gente morando naquela região, porque a epidemia não aumentou e se alastrou por toda Londres, e sua resposta se deu rapidamente, visto que a única família que tinha acesso ao poço externo era a família do bebê Lewis, os outros moradores do mesmo cortiço utilizavam a fossa interna, e as outras famílias dos arredores não tinham fossas que comprometessem a água da fonte da rua Broad, havia então apenas uma fonte para iniciar este processo, fator constatado nas pesquisas paralelas de John Snow e do Pe. Henry Whitehead, mesmo que suas teorias não fossem completamente aceitas, um pelo outro, foram complementares e permitiriam o declínio da teoria dos miasmas com base nos fatos ocorridos na epidemia de cólera ocorrido na rua Board, porém esta ainda enfrentou algozes miasmistas que tentaram refutar estas afirmações a todo custo.


TODO FIM É UM RECOMEÇO: O ADEUS A JOHN SNOW
Infelizmente o Dr. John Snow não pôde ver seu trabalho ser aceito, totalmente, pelos seus colegas e pela esfera política, pois no verão de 1.855, durante o chamado “Grande Fedor” (onde houve um aumento na temperatura de Londres, liberando um odor intenso e pesado sobre a cidade, fato que animou os miasmistas de certa forma, pois, pensaram que haveria um novo surto de cólera, porém, para a alegria de Snow, nada fora identificado nos registros de óbitos públicos), mais exatamente no dia 16 de junho de 1.855, John viera a falecer vítima de um derrame, mas seus trabalhos não foram deixados de lado, principalmente numa nova epidemia de cólera em 1.866, onde foram largamente usados, permitindo maior aceitação dentro da comunidade e até hoje seus trabalhos são muito conceituados fazendo grandes contribuições à epidemiologia e medicina em geral.


Mesmo que o tempo tenha apagado muitas linhas dessa história e que parte dos fatos tenha, obrigatoriamente, de ser ligado via inferências, baseados no pouco fundamento histórico que restou, o que se pode afirmar é que o Dr. John Snow, mesmo reunindo fatos primordiais para construção dos fatos ocorridos em Soho, sem a ajuda das investigações e vigílias realizadas pelo Pe. Henry Whitehead, como a identificação do caso “zero”, a solicitação junto ao Comitê de uma nova escavação, não teriam êxito junto ao Comitê Paroquial e sua teoria não passaria de mais um fato varrido pela história, mesmo que o referido comitê não tivesse poder direto junto ao Comitê Sanitário temos que frisar o poder da Igreja, que exercia grande influência nas esferas políticas e atrair a confiança de um aliado tão poderoso foi um fator que manteve a teoria viva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1- JOHNSON, Steven. O mapa fantasma: Como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 2.008


2- WALDMAN, Eliseu A. Saúde & Cidadania: Vigilância em Saúde Pública. São Paulo: Editora Fundação Petrópolis, 1.998


3- MULLER, Karla de T. C. Enfermagem em Urgência e Emergência: Epidemiologia e o Processo Saúde-Doença. Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação, 2.014


4- WIKIPEDIA. John Snow. 2.013 Disponível em: http://goo.gl/HYWDR4 Acessado em 27 de fevereiro de 2.014.


5- WIKIPEDIA. Henry Whitehead (Clergyman). 2.013 Disponível em: http://goo.gl/0hSa9r Acessado em 27 de fevereiro de 2.014.


6- WIKIPEDIA. Diagrama de Voronoy. 2.013 Disponível em: http://goo.gl/5ff3Jb Acessado em 29 de fevereiro de 2.014.


7- WIKIPEDIA. Cólera. 2.014 Disponível em: http://goo.gl/rZeqxA Acessado em 26 de fevereiro de 2.014.


8- WIKIPEDIA. Filippo Pacini. 2.013 Disponível em: http://goo.gl/JLtbQJ Acessado em 02 de março de 2.014.


9- WIKIPEDIA. Robert Koch. 2.013 Disponível em: http://goo.gl/662pfa Acessado em 03 de março de 2.014.


10- WIKIPEDIA. Bleak House. 2.013 Disponível em: http://goo.gl/85DlYX Acessado em 29 de fevereiro de 2.014.



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[1] Na matemática, um Diagrama de Voronoi é um tipo especial de decomposição de um dado espaço, por exemplo, um espaço métrico, determinado pela distância para uma determinada família de objetos (sub-conjuntos) no espaço. Estes objetos são normalmente chamados de sítios ou geradores (apesar de nomes como “sementes” estarem também em uso). Cada sítio está associado a célula de Voronoi correspondente, isto é um conjunto de todos os pontos no dado espaço o qual a distância para o dado sítio não é maior que sua distância para os outros objetos.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Mario de Felicis Sobrinho

por Mario de Felicis Sobrinho

Formado há 8 anos, empregado há aproximadamente 6 anos pela Pref. Mun. de Barueri como enfermeiro assistencial, destes 6 anos, dedico-me atualmente à liderança da equipe de enfermagem do plantão no Pronto Socorro, formado em três pós graduações, Urgência e Emergência e Saúde Mental e Gestão em Enfermagem com a finalidade de complementar meus saberes acerca do ser humano.

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