Lesões vasculares no diabetes melito

O Diabetes Melito (DM) é uma doença crônica
O Diabetes Melito (DM) é uma doença crônica

Enfermagem

15/03/2014

1 Introdução

O Diabetes Melito (DM) é uma doença crônica e degenerativa cuja prevalência vem aumentando nos últimos anos, especialmente, na população urbana com mais de 30 anos. As doenças micro e macrovasculares constituem a principal causa de morbimortalidade nesses pacientes.

A hiperglicemia crônica é um preditor para as alterações vasculares nos pacientes com DM, sendo a disfunção endotelial (DE) um evento precoce na patogênese das complicações vasculares. A DE é caracterizada pela perda das propriedades do endotélio incluindo alteração na síntese protéica, aumento do tônus e da permeabilidade vascular e aquisição de atividade de pró-trombótica e antifibrinolítica.


2 Diabetes Melito

O Diabetes Melito (DM) é uma doença crônica, classificada como uma epidemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A estimativa da prevalência no Brasil, na última avaliação, está em torno de 7,6% (CROSS et al., 2002).

A nova classificação do DM foi redefinida em publicação da American Diabetes Association (ADA) de 1997 e da OMS de 2006. As últimas diretrizes nacionais e internacionais recomendam a classificação do DM em quatro categorias: DM tipo 1 (DM1), DM tipo 2 (DM2), outros tipos e diabete gestacional.

A DM1 é responsável por cerca de 5% a 10% de todos os casos de Diabetes Melito. De modo geral, o DM tipo I inicia antes do 30 anos de idade, mas pode acometer indivíduos de qualquer faixa etária. A patogenia do DM1 inclui a destruição das células b-pancreáticas e seu tratamento exige o uso de insulina para manter o controle glicêmico (GROSS et al., 2002). O DM1 é subdividido em tipo 1A no qual a destruição das células é de origem auto-imune, 1B causa idiopática e LADA de origem auto-imune, porém de início tardio e lento (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2009).

A DM tipo 2 é responsável por mais de 90% dos casos de DM, não tem componente auto-imune, acomete pessoas com mais de 30 anos na maioria das vezes com histórico familiar. O tratamento em geral envolve dieta e agentes hipoglicemiantes orais, sem necessidade do uso de insulina (SKYLER et al., 2009).

Na categoria de “outros tipos de DM” envolve defeitos genéticos da função das células b-pancreáticas (MODY), defeitos genéticos na ação da insulina, pancreatites, endocrinopatias, induzido por drogas e infecções, síndromes genéticas diversas (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2009).


3 Lesões vasculares no diabetes melito

3.1 Disfunção endotelial


O endotélio vascular constitui a camada celular que está em contato direto com o lúmen vascular e é separado da camada muscular lisa pela membrana basal. A principal função das células endoteliais consiste em regular a homeostase da vasculatura por meio da síntese de substâncias que modulam o tônus vascular, a agregação plaquetária, a proliferação de células musculares lisas, bem como, os processos de migração celular (PALMER et al., 1987).

Na década de 1980 surgiram as primeiras evidências de que as células endoteliais secretam óxido nítrico (NO). O NO é um dos agentes vasodilatadores do endotélio de maior importância relacionada à integridade da função endotelial (LEUNG et al.2008; VANHOUTE et al. 2009). O NO possui ainda propriedades antiaterogênicas que incluem a inibição dos leucócitos, redução da agregação plaquetária e inibição da proliferação das células musculares lisas (MARSH et al., 2005; RUSH et al. 2007). De forma fisiológica, os principais estímulos para a liberação de fatores vasorrelaxantes consistem na força que o sangue exerce sobre a parede das artérias também conhecido como estresse de cisalhamento (shear stress), estiramento da parede vascular e baixa tensão de oxigênio (POHL & BUSSE, 1989; HUTCHESON & GRIFFITH, 1991).

Nas células endoteliais, o NO é sintetizado a partir da L-arginina pela enzima óxido nítrico sintetase endotelial (eNOS), na presença de oxigênio, NADPH e tetrahidrobiopterina (BH4). O NO secretado se difunde do endotélio para a camada de células musculares lisas e plaquetas, onde ativa a enzima guanilato ciclase (Gca) com consequente produção de GMP cíclico (GMPc) que, por sua vez, promove o relaxamento vascular e inibição da agregação plaquetária (MONCADA & HIGGS, 1993). A regulação da secreção do NO é modulada pela acetilcolina, bradicinina e cálcio-ATPase e inibida pela NG-monometil-L-arginina (L-NMMA) (VALLANCE et al., 1989).

A agressão ao endotélio vascular provocada por fatores de risco como dislipidemias, hipertensão, tabagismo, diabetes melito e processos inflamatórias induz a perda progressiva da função fisiológica protetora do NO, caracterizando a disfunção endotelial (LEUNG et al., 2008; RUSH & FORD., 2007; VANHOUTE et AL., 2009; SCHULZ et al., 2008).

Entre os fatores que causam dano ao endotélio vascular, as espécies reativas de oxigênio (ROS), mas especificamente os radicais livres, são considerados um dos maiores responsáveis pelo comprometimento da função endotelial (SINGH & JIALAL, 2006). O mecanismo pelo qual o estresse oxidativo altera a função endotelial é por meio da inativação do NO pelos radicais livres do tipo ânion superóxido e LDL oxidadas. Esses radicais livres também desativam os receptores endoteliais para acetilcolina, serotonina, trombina, bradicinina entre outros mediadores diminuindo a estimulação da enzima óxido nítrico sintetase e consequente produção de NO (ANTONIADES et al., 2003; BECKMAN et al., 1990; YUNG et al., 2006). Além disso, a produção de espécies reativas de oxigênio pode reagir com a molécula de NO e produzir o ânion peroxinitrito ONOO e dióxido de nitrogênio NO2 podendo potencializar a lesão inflamatória em células vasculares (BECKMAN et al., 1990; YUNG et al., 2006).

Outros fatores também podem contribuir para disfunção endotelial entre eles a angiotensina II. A angiotensina II tem potente ação estimuladora da produção de radicais livres causando hipertrofia das células musculares lisas, provavelmente por estimulação da NADPH oxidase (MUNZEL et al., 1995).
No diabetes ocorrem modificações morfológicas e funcionais. Em estudos clínicos clássicos as principais alterações morfológicas incluem o espessamento da membrana basal, alteração da permeabilidade endotelial acompanhada por alteração hialina no tecido adjacente, bem como morte celular endotelial e esclerose do vaso sanguíneo. A função endotelial no diabetes tipo 1 é modulada pela hiperglicemia, duração do diabetes, pelas concentrações séricas de insulina e pela presença de complicações crônicas, especialmente, neuropatia e doença renal crônica.

Os mecanismos pelo qual o DM leva à DE são complexos e parcialmente compreendidos. Dentre eles incluem, o estresse oxidativo por meio da produção do peroxinitrito devido à indução da produção de superóxido nas células endoteliais no nível mitocondrial causada pela hiperglicemia. A hiperglicemia também favorece a superprodução de eNOS, por meio da ativação do fator de transcrição NFkB, o que favorece a ação citotóxica do NO (BECKMAN & KOPPENOL, 1996; BROWNLEE, 2001; CONSENTINO et al., 1997; NISHIKAWAT et al., 2000; SPITALER & GRAIER, 2002). Os produtos de glicação avançada (AGEs) como, por exemplo, proteínas teciduais e o colágeno, também contribuem para a gênese da disfunção endotelial. Esses produtos modificam a resposta celular por receptores específicos, reduzem a disponibilidade de NO e alteram a morfologia da membrana basal. A ativação da via dos pólios também está relacionada à patogenia da disfunção endotelial uma vez que a hiperglicemia aumenta a atividade da aldose redutase promovendo o consumo de NADPH e, às vezes a depleção do mesmo (BROWNLEE et al., 1988; VLASSARAH et al., 1985). A ativação da proteína quinase C (PKC) por meio do aumento do diacil-glicerol (DAG) induzido pela hiperglicemia também tem sido sugerida como mecanismo para DE e complicações vasculares no diabetes uma vez que induz o aumento da matriz extracelular, da permeabilidade, da contração e da proliferação celular (WOLF, et al., 1991).


3.2 Aterogênese


Tem sido evidenciado que pacientes com diabetes tipo 1 possuem artérias mais rígidas do que indivíduos não-diabéticos (BERRY et al., 1999; GIANNATTASIO et al., 1999). Vários estudos também mostraram alterações da estrutura e função de grandes artérias em indivíduos com diabetes tipo 2, principalmente aumento da rigidez aórtica e da carótida (AMAR et al., 1995; EMMOTO et al., 1998; DÓREA et al., 2005), sugerindo que a rigidez arterial pode contribuir para aterosclerose acelerada nesses pacientes.

A aterosclerose é um processo que está relacionado a resposta inflamatória crônica da parede arterial, iniciada por uma lesão no endotélio, cuja progressão é mantida pela interação entre as lipoproteínas modificadas, macrófagos, linfócitos T e constituintes celulares normais da parede arterial.

Em pacientes vulneráveis, a aterosclerose se desenvolve por meio da lesão ao endotélio levando ao aumento da secreção de citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina (IL-1), fator de necrose tumoral (TNF-alfa) que, por sua vez, são responsáveis pela expressão de moléculas de adesão leucocitária (molécula de adesão intercelular – ICAM-1; selectinas) e pelo aumento de substâncias quimiotáticas (proteína quimiotática de monócitos – MCP-1; fator estimulador de colônia de macrófagos – M-CSF).


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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Flávia Márcia Oliveira

por Flávia Márcia Oliveira

Possui doutorado em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003) e aperfeiçoamento em Saúde Pública. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal Sergipe. Tem experiência na área de Imunologia, Patologia e Saúde Pública.

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