Recursos Humanos e Infra-Estrutura para Coleções Microbiológicas

Enfermagem

01/01/2008

Recursos Humanos e Infra-Estrutura para Coleções Microbiológicas

As coleções de materiais biológicos vão de pequenos centros privados a grandes centros de serviço e são parte essencial da infra-estrutura de apoio as ciências da vida e biotecnologia, possuindo como objetivo principal prover ao usuário os produtos e/ou serviços oferecidos, utilizando técnicas e processos que certifiquem a qualidade e que estejam de acordo com as leis, regulamentos e políticas nacionais. Como Centros de Recursos Biológicos (CRBs), podem conter coleções de organismos cultiváveis (microrganismos, células de plantas, animais e humanas) organismos viáveis mais ainda não-cultivados, células e tecidos. A importância da conservação ex situ de recursos genéticos microbianos, vegetais e animais já é reconhecida como sendo uma prática indispensável ao desenvolvimento da ciência e tecnologia em diversos setores de importância sócio-econômica.

O material biológico representa um novo insumo tanto no ambiente da pesquisa e desenvolvimento quanto nos processos produtivos, cujo tratamento requer a implementação de um sistema que permita assegurar, para todos os efeitos, que um dado material biológico mantenha as características nele identificadas ou a ele atribuídas. Neste contexto, as coleções biológicas ou CRBs são essenciais para o suporte ao desenvolvimento da biotecnologia, provendo insumos, material biológico certificado e informações associadas. Funcionando como centros de conservação da biodiversidade e de material genético, os CRBs são responsáveis pela aquisição, caracterização, autenticação, preservação e distribuição de material biológico com conformidade assegurada.

A exploração da diversidade genética e metabólica dos microrganismos visando obtenção de produtos biotecnológicos (compostos comerciais) ou para transformação de substratos em produtos de maior valor agregado vem sendo realizada há algum tempo. Entretanto, para o pleno desenvolvimento dessas atividades culturas viáveis, puras e autenticadas devem estar prontamente disponíveis. Assim, procedimentos específicos para aquisição, manutenção e distribuição são exigidos nas coleções de serviço envolvendo material biológico microbiano (e.g., arqueas, bactérias, fungos filamentosos, leveduras, plasmídeos), e para que estas coleções alcancem boas práticas com relação aos serviços oferecidos, tais procedimentos devem ser implementados.

A capacitação técnica e operacional das coleções microbiológicas são fatores determinantes para o desempenho das atividades de apoio à comunidade acadêmica e desenvolvimento tecnológico (biotecnologia), o que demanda a necessidade de captação de recursos humanos qualificado e infra-estrutura apropriada. A equipe de profissionais e colaboradores deve possuir qualificação, treinamento e competência em microbiologia, que seja relevante ao escopo da Coleção, sendo recomendado que para cada membro da equipe as responsabilidades e os objetivos específicos sejam definidos e documentados. Para evitar a contaminação de amostras e os riscos de infecção, os membros da equipe devem possuir conhecimento dos procedimentos de higiene e normas de segurança, e seguir procedimentos apropriados para a manipulação e descarte do material biológico de origem microbiana, como definido pela Organização Mundial de Saúde e como interpretado pelas leis, regulamentos e políticas nacionais. Isto é válido também para os organismos geneticamente modificados (OGMs).

É de fundamental importância que as coleções microbiológicas de serviço, sejam gerenciadas por um profissional qualificado (Curador) com experiência e conhecimento não apenas sobre os microrganismos, seus requerimentos de crescimento e preservação e suas propriedades e aplicações potenciais. O curador deve também conhecer os procedimentos operacionais, as técnicas e os serviços oferecidos pela Coleção.

A expansão do acervo deve ser um dos focos principais das coleções, as quais devem encorajar continuamente o depósito de material biológico de importância para o seu escopo, bem como realizar intercâmbio ativo de material com outras instituições e coleções tanto nacionais quanto internacionais. As solicitações de depósito devem ser submetidas a uma análise prévia para verificação de enquadramento no escopo do acervo e nos níveis de biossegurança da coleção. Os materiais de risco biológico devem ser devidamente identificados e a coleção deve fazer uso das ferramentas disponíveis para assegurar que todas as linhagens ou culturas estejam classificadas no grupo de risco apropriado (risco biológico 1, 2, 3 e 4 de acordo com a classificação do Conselho Europeu, Diretiva 93/88/EEC).

Sistemas eficientes de documentação e registro (tanto em meio impresso quanto na forma eletrônica) do material depositado devem ser adotados, incluindo a elaboração de formulários (ou fichas) de depósitos os quais devem ser devidamente preenchidos pelo depositante. As informações requeridas nestes formulários variam entre as coleções. Entretanto, dados mínimos para a documentação e registro de linhagens devem ser exigidos, tais como: nome do organismo; número da linhagem; número em outras coleções; histórico; tipo de organismos; restrições; condições de crescimento; dados de isolamento (data, nome e localidade); dados taxonômicos (características morfológicas, fisiológicas); referências bibliográficas; nome, endereço e assinatura do depositante. Sistemas informatizados de gerenciamento sobre o acervo permitem a rápida rastreabilidade de informações associadas e a estruturação de catálogos on-line, com atualização periódica do acervo (acessos) e informações associadas. Alguns sistemas de informatização permitem incorporar ao registro das linhagens dados diversificados, tais como: fotografias, seqüências de DNA, procedimentos padrão para formulação de meios e reagentes, propriedades específicas, aplicações potenciais, entre outros.

O recebimento e estocagem de material nas coleções microbiológicas devem ser documentados e realizados com base em procedimentos seguros, e de preferência em áreas apropriadas para estas finalidades. Os diferentes tipos de material biológico microbiano, principalmente os desconhecidos ou de potencial risco biológico, devem ser abertos e manipulados em câmaras especiais (e.g., fluxos laminares) em laboratórios capacitados e autorizados que garantam a segurança durante a abertura e o processamento.

As coleções que disponibilizam material biológico para o acesso, devem realizar a distribuição apenas para instituições públicas e privadas, sejam de pesquisa, serviços, governamentais, ensino ou indústrias. Por razões de segurança e saúde pública, linhagens não devem ser enviadas para endereços particulares. Todos os pedidos devem ser formalizados e documentados, com uma explanação breve da utilização pretendida para o material, e devem ser assinados por um profissional qualificado e autorizado a manipular a linhagem requerida. Em casos específicos de linhagens de microrganismos patogênicos ou potencialmente patogênicos para animais, humanos e/ou plantas, a solicitação deverá incluir uma declaração assinada do solicitante assumindo os riscos e responsabilidades associados ao recebimento, manipulação, armazenamento e uso dos microrganismos/material em questão. Catálogos impressos e/ou eletrônicos contendo o material microbiológico disponível para distribuição devem ser produzidos e atualizados regularmente, e se o fornecimento de linhagens não puder ocorrer dentro do tempo de entrega específico da coleção, o cliente (usuário) deve ser contatado e informado quanto à provável data de recebimento do material solicitado.

Quanto ao envio de material microbiano, as normas de postagem, incluindo embalagem e rotulagem, devem ser atendidas. De acordo com os regulamentos da IATA (International Air Transport Association), o profissional responsável pela distribuição do material biológico deve ser treinado por um instrutor capacitado da IATA, principalmente nos casos de distribuição de microrganismos pertencentes aos grupos de risco 2, 3 e 4, para os quais padrões definidos de embalagem devem ser adotados. Microrganismos não infecciosos (risco biológico 1) podem ser enviados por correio aéreo de acordo com os requerimentos de postagem universal (Universal Postal Union, UPU). As coleções devem, obrigatoriamente, ter controle sobre a distribuição das linhagens, principalmente as de potencial risco biológico, assegurando a rastreabilidade das informações: para quem distribuiu a linhagem, quando, quantas ampolas, para que localidade, entre outras. Deve, também, impedir que sejam repassadas para terceiros por meio de um Termo de Compromisso com o solicitante para evitar a ocorrência de qualquer tipo de acidente, sejam eles involuntários ou por má fé como a prática do bioterrorismo.

Com relação à manutenção e preservação de material biológico de origem microbiana, diferentes métodos podem ser utilizados, dependendo das necessidades e do escopo da coleção. Na maioria das vezes, os métodos de preservação mais adequados e recomendados exigem equipamentos sofisticados e recursos humanos treinados e habilitados, tanto para operar o equipamento quanto para desempenhar o protocolo operacional estabelecido. Por medidas de segurança e para minimizar a possibilidade de perda de linhagens, cada cultura deve ser mantida por pelo menos dois métodos distintos. Entretanto, de acordo com as normas internacionais (Organisacion for Economic Co-operation and Development, OECD) é recomendado que pelo menos um dos métodos utilizados seja a criopreservação (ultracongelamento) ou a liofilização, visto que, para muitas linhagens eles são considerados como métodos com menos riscos de alterações genéticas, além de garantir a preservação por longos períodos de tempo. Ainda, é recomendável que um back up do acervo principal deva existir em local distinto e separado, evitando os riscos de perda de importantes recursos genéticos por motivos de incêndio, enchentes, terremotos, guerras, dentre outras catástrofes ou intempéries da natureza.

Além da aquisição, manutenção e distribuição de material biológico, as coleções de culturas microbianas podem oferecer uma variedade de serviços com o objetivo de atender as necessidades das comunidades científicas e industriais, como por exemplo, identificação de microrganismos, depósito em diferentes categorias (público, confidencial, para fins legais e para fins de patentes), programas de pesquisa, consultoria, cursos e treinamentos.

Serviços de autenticação, caracterização e identificação taxonômica requerem a atuação de profissionais especializados (taxonomistas) para os diferentes organismos do escopo da coleção. As técnicas utilizadas para a caracterização microbiana devem envolver uma abordagem polifásica, incluindo análises de morfologia, fisiologia, características bioquímicas e estudo dos ácidos nucléicos (DNA). Algumas destas técnicas, como por exemplo, os métodos moleculares, demandam infra-estrutura específica, recursos humanos especializados e envolvem altos custos de processamento.

Os programas de pesquisa, cursos e treinamentos devem ser parte da coleção ou das atividades dos laboratórios que a abrigam, pois mantém a equipe de profissionais atualizados com os novos desenvolvimentos, aumentando assim o status da qualidade da coleção. Com o desenvolvimento acelerado da biotecnologia, nos últimos anos, novos desafios vêm sendo apresentados aos profissionais atuantes nesta área (Canhos & Manfio, 2001), demandando das coleções de serviço uma evolução rápida no sentido de se adequarem às novas tarefas, incluindo conhecimentos em genômica e metagenômica, sistemas de armazenamento em larga escala e informatização de acervos.

Em síntese, a operação e o gerenciamento de coleções microbiológicas de serviço são processos bastante laboriosos que requerem capacitação técnica especializada e infra-estrutura específica, e merecem atenção especial com relação às práticas de controle de qualidade, biossegurança e autenticação de seus acervos.

Controle de qualidade e autenticação de acervos
A procura por material biológico em coleções reconhecidas se deve principalmente ao fato de que estas coleções possuem como procedimentos de rotina a realização de testes de controle de qualidade e autenticação do material. Portanto, as coleções microbiológicas que oferecem serviços públicos devem necessariamente operar dentro de um sistema rigoroso de qualidade, de preferência dentro de reconhecidos sistemas de acreditação (e.g, ISO 17025), e de acordo com os princípios gerais de Boas Práticas de Laboratório (Good Laboratory Practice, GLB).

Durante o processamento de uma amostra (cultura microbiana) desde o seu registro de entrada na coleção até a sua saída (distribuição), testes de controle de qualidade são realizados em diferentes etapas do processamento, visando avaliação de sua identidade, viabilidade e pureza (Figura 1). Uma atenção especial deve ser dada à preparação e esterilização de meios de culturas e reagentes considerados como fatores essenciais para o crescimento e manutenção de materiais biológicos. As coleções devem definir protocolos padrões para todas as preparações onde as formulações dos meios devem estar devidamente documentadas. Reagentes e meios preparados devem ser etiquetados com dados de validade definidos e claramente indicados.

A autenticação da cultura microbiana pela coleção é um procedimento indispensável, visto que, uma cultura pode ser depositada como sendo um determinado microrganismo e na verdade ser outro, que pode ou não se enquadrar no escopo da coleção. Qualquer coleção de microrganismo que realiza autenticação de seu acervo sabe que este é um fato que pode ocorrer, até mesmo quando a linhagem é originária de coleções internacionais de renome. A confirmação da identificação taxonômica de uma cultura a ser depositada, requer muitas vezes, a avaliação de um especialista de competência na área. Em adição, qualquer material que chega na coleção precisa ser tratado como potencialmente perigoso, até que sua identificação ou autenticação seja confirmada.

Um outro aspecto importante é a avaliação da viabilidade celular do material biológico microbiano frente aos métodos de preservação utilizados, a qual deve ser realizada rotineiramente, uma vez que os microrganismos podem responder de maneira diferente aos diferentes métodos. Para tanto, as coleções devem realizar contagem celular antes e após o processamento da amostra de forma a possuir um controle periódico do método de preservação para cada organismo do acervo.

Programas de monitoramento de contaminação, que inclua a avaliação do ar dos ambientes internos e manutenção de uma rotina de limpeza de laboratórios e equipamentos, são fatores fundamentais no controle de contaminação biológica e precisam ser realizados periodicamente por uma equipe autorizada e treinada que faça uso de equipamentos de proteção pessoal apropriados e seguindo procedimentos documentados.

O fornecimento de material biológico não conforme (e.g., culturas com identificação incorreta, microrganismos contaminados) por uma coleção pode acarretar sérios problemas, com conseqüências irreparáveis para seus clientes como as indústrias de alimentos, farmacêuticas, químicas, eletrônicas, entre outras. A produção desses setores depende do fornecimento de linhagens puras e autenticadas para assegurar as características de seus produtos (e.g., tipos de cerveja, vacinas de qualidade, biocidas eficazes, cosméticos microbiologicamente seguros). No caso de linhagens microbianas, a distribuição sem um controle que assegure sua autenticidade, pureza e propriedade específica pode induzir, como exemplo, a uma avaliação errônea da atividade de antimicrobianos e, por conseguinte, acarretar sérias conseqüências, tais como: cosméticos deteriorados ou mal conservados, tintas com proteção ineficiente contra fungos e bactérias, levando prejuízo para todos os setores envolvidos, inclusive o cliente final. Ainda, a utilização de organismos errados em investigações científicas pode gerar alto consumo de tempo, os custos podem ser altos e conduzir à publicação de resultados inválidos.

Portanto, é de inteira responsabilidade de uma coleção de serviço a garantia da qualidade de seu acervo, e para isto as coleções microbiológicas devem operar com base em padrões apropriados para que o material biológico microbiano possa ser certificado, garantindo ao cliente (consumidor) padrão de qualidade, manutenção do potencial biotecnológico (estabilidade genética) e autenticidade.

Lara Durães Sette

Coleção Brasileira de Microrganismos de Ambiente e Indústria (CBMAI), Divisão de Recursos Microbianos, CPQBA/UNICAMP, CP 6171, CEP 13081-970, Campinas, SP. lara@cpqba.unicamp.br




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