A prática pedagógica da Educação Física no meio rural:Indicadores para um projeto político pedagógico

Educação Física e Esporte

01/01/2008


Celi Nelza Zulke Taffarel

 

Profa. Dra. Adj. IV do CCS/DEF e CE

Mestrado em Educação

 

RESUMO: O texto apresenta e introduz elementos quer permitem reconhecer os compromissos a serem assumidos na prática pedagógica da Educação Física no Meio Rural, a partir do Projeto Político Pedagógico do MST.

Palavras-chave: Pratica Pedagógica da Educação Física, Movimentos Sociais Organizados do Meio Rural, Projeto Político Pedagógico do MST

ABSTRACT:  The shows and introduce elements what permit recognize the teaching of Physical education in the environment rural the to depart politician of teach of the M.S.T. (Movement of the Without Land)

Keywords: Physical Education Pedagogical Practice, No land owners political pedagogic project, social organized movement at the rural environment

 

 

1. A centralidade da luta geral A REFORMA AGRÁRIA

“A finalidade científica e política que perseguimos nos proíbe de dar uma definição acabada de um processo inacabado. Ela nos impõe observar todas as fases do fenômeno, de fazer aparecer às tendências progressistas e reacionárias, de revelar sua interação, de prever as diversas variantes do desenvolvimento ulterior e de encontrar nesta precisão um ponto de apoio para a ação”

 

A Educação Física & Esporte, enquanto bem cultural, enquanto uma dimensão da educação integral do ser humano, socialmente produzida e historicamente acumulada,  não é direito garantido para aproximadamente 70% da população nordestina, constituída de pobres e miseráveis. A garantia deste direito social somente poderá ser entendido e defendido, no bojo da centralidade de lutas que reivindicam alterações profundas nas relações de produção da vida.

O principal desafio  da sociedade é organizar-se para enfrentar a política da destruição e construir um modelo econômico que distribua renda, elimine as desigualdades e recupere a soberania. É neste espaço que se efetivará a verdadeira política agrária radical e isto passa necessariamente pela consideração da EDUCAÇÃO E SEUS PROJETOS DE ESCOLARIZAÇÃO.

A REFORMA AGRÁRIA, a luta pela terra,  é uma  LUTA DE TODOS e constitui-se na reivindicação estratégica central na defesa da Educação e da Democracia.[ii] NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL apreendemos importantes lições, que servem de ponto de apoio para a ação pedagógica[iii].  Entre elas destacamos: É preciso recusar a separação da  luta econômica,  política e, a ideológica. É necessário aprofundar o poder de critica e de intervenção consciente. A tarefa é “Lutar contra todo e qualquer fetiche despolitizador”. (DIAS; E. 1997, p. 135)[iv].

Identificamos isto no ideário programático do MST, um dos principais Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra.[v]. Sem sombra de dúvida, o MST é, atualmente, o movimento social de maior poder de organização e mobilização no Brasil e também o movimento social de maior força política de oposição ao Governo FHC. Dentre os movimentos sociais que surgiram no lastro da redemocratização do país, o MST apresenta a mais forte identidade social e tem sido capaz de definir  a sua base social[vi] - setores mais pobres do meio rural e desempregados do meio urbano oriundos do campo.

O MST inclui com destaque os seguintes pontos em seu programa: a) modificação da estrutura da propriedade da terra; b) subordinação da propriedade da terra à justiça social, às necessidades do povo e aos objetivos da sociedade; c)  garantia de que a produção agrícola esteja voltada para a segurança alimentar e o desenvolvimento econômico e social dos trabalhadores; d) busca de um desenvolvimento rural que garanta melhores condições de vida e acesso a todos, da educação, da cultura e lazer, da Educação Física & Esporte.

Conforme podemos constatar em documentos do Movimento[vii], o significado de uma reforma agrária na sociedade atual, entre outros aspectos, aponta para o desenvolvimento da agroindústria e da industrialização no interior do país, descentralizando e gerando maiores oportunidades de progresso, renda e emprego, especialmente para a juventude, mediante a criação de projetos agro-industriais alternativos, sob o impulso do MST, implementados através de sistema cooperativo, em áreas desapropriadas para assentamentos rurais.

A terra, enquanto instrumento básico para o desenvolvimento de atividades agrícolas, significa para os trabalhadores a possibilidade de trabalho e a garantia da sobrevivência, de vida digna, de Nação Autônoma[viii]. Para os grandes proprietários está relacionada a reserva de valor e ao lucro.  

A luta pela REFORMA AGRÁRIA trilha um caminho confrontacional ao poder dos grandes proprietários de terra e, tem procurado interferir na dinâmica da estrutura de poder cristalizado no pacto entre Estado, a burguesia industrial e a oligarquia agrária institucionalizada desde a revolução de 30 e que perdura até os dias atuais, sustentando alianças em torno do Governo de FHC. O Confronto de classe na luta pela terra fica evidente pela crescente violência e pelo embate político e jurídico travado entre os grandes proprietários e os trabalhadores Sem-Terra.

O Campo evidencia o que determinados setores da Universidade tentam, sem sucesso, escamotear. A Luta de Classe está acirrada e os trabalhadores resistem bravamente. Esta luta articulada pela idéia da Reforma Agrária, passa a ser unificadora e direcionadora das lutas sociais agrárias e aglutina o debate ideológico, político, social e econômico, em torno da questão agrária, expressando o confronto entre classes sociais. 

A REFORMA AGRÁRIA RADICAL  – UMA LUTA DE TODOS,  para  Ocupar, Resistir e Produzir - é uma das Políticas Centrais para o questionamento do modelo brasileiro de desenvolvimento implementado no campo  pós-64 que é ecologicamente insustentável, socialmente perverso e economicamente caro, concentrador e destruidor das forças produtivas. É o eixo central para uma alternativa que contempla os interesses dos setores populares, que democratiza o acesso e a utilização da terra.

Para superar o atual “refluxo” dos movimentos social,  forçado pela correlação desigual de forças, considera de suma importância o resgate e a unificação das lutas sociais, particularmente a da terra, visto que, na complexa e diversificada formação da sociedade brasileira a terra ocupa lugar central, quer como campo e disputa de poder, quer como criação e/ou afirmação social.

 2. O que nos cabe fazer – O DESAFIO DA PRÁTICA COERENTE

 Sintonizados com tal significado buscamos reconhecer o que nos cabe fazer enquanto professores, pesquisadores e estudantes universitários frente à questão da reforma agrária, sem abandonar a especificidade do objeto em questão: as problemáticas significativas da prática pedagógica da Educação Física no Meio Rural.

A reforma agrária assume contornos programáticos revolucionários quando os métodos de luta e os objetivos reconhecidos e utilizados historicamente pelos trabalhadores industriais são empregados pelos trabalhadores rurais[ix]. Isto se evidencia no processo de reforma agrária, sob o controle dos trabalhadores, transformando propriedades agrícolas em propriedade agro-industriais, o que agrega valor ao produzido no campo.

Outra característica básica que identificamos no programa de reforma agrária proposta pelo MST é a produção familiar e cooperativa, com preços justos, crédito acessível e seguro agrícola, sendo a questão do crédito agrícola uma das preocupações centrais para o Movimento.

A proposição de uma REFORMA AGRÁRIA massiva, redistributiva, atinge um dos eixos centrais nas relações capitalistas: a propriedade privada. Significa, também, na atualidade, uma luta PELO TRABALHO. Representa uma alternativa para o processo de exclusão inerente do projeto neoliberal.[x]

A questão agrária não se configura apenas na concentração de terras e nas desigualdades sociais no meio rural, ela também se manifesta no meio urbano através dos amplos contingentes populacionais que migram do campo para as cidades em busca de trabalho.

Em um quadro adverso, podemos localizar, conforme estudos anteriores[xi], indicadores  do deslocamento, ainda que gradual, das formas meramente particulares de produção, para outras de caráter eminentemente cooperativo e de sistema coletivo de produção, nos assentamentos.

O nível de consciência dos assentados os leva a desenvolver práticas que se constituem em bússolas indicativas de uma nova sociedade, aparecendo isto no planejamento, rompendo a mera dimensão econômica, na execução, socializando-se meios de produção, na distribuição onde os consumidores  não são simples fregueses mas fazendo parte de uma classe – a classe trabalhadora.

Estes estudos permitem reconhecer ainda a necessidade das mediações político-econômicas na elaboração de programas que visem levar até o campo propostas coletivizantes, tanto em termos de propriedade,  quanto em termos de produção, não só de bens materiais mas, também, espirituais.

Com base, portanto, na identificação dos indicadores ídeo-políticos contidos na proposta de reforma agrária do MST para o Brasil, podemos sistematizar um elenco de demandas que podem constituir um programa agrário de reivindicações transitórias no Brasil. Não podemos ser indiferentes a tal programa de reivindicações transitórias.[xii]

“A Indiferença opera poderosamente na história...O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça, mas porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa agrupar nós que depois só a espada poderá cortar, deixa promulgar as leis que depois só a revolta fará anular, deixa exercer o poder a homens que depois só um motim poderá derrubar” (GRAMSCI, 1976, p. 121).[xiii]

 3. Os indicadores do Projeto Político-Pedagógico  do Movimento

 Na luta pela terra podemos reconhecer o destaque a EDUCAÇÃO - O projeto educacional do Movimento ultrapassa os limites da educação formal colocando-se a serviço da construção de um novo sujeito social do campo, justamente por acreditar na capacidade de transformação do homem.

Assim é que as diferentes práticas sociais vivenciadas pelos trabalhadores rurais, no interior da luta pela terra, assumem a dimensão educativa pois permitem qualificar esses sujeitos, tanto ao nível de informação, da produção de conhecimentos e da conscientização da sua condição de cidadãos e de produtores de cultura.

A formação de quadros faz parte do projeto educacional e é encarada como forma de preparar dirigentes capazes de atuar como vanguarda na consecução dos objetivos sociais do Movimento – Uma alternativa para o Brasil - um novo modelo de desenvolvimento nacional. Um modelo de desenvolvimento que englobe igualdade, justiça social e desenvolvimento econômico sob o controle da classe trabalhadora.

O desafio que nos impusemos é responder com Praticas Pedagógicas, consistentes e coerentes com tal perspectiva histórica. Isto tem significado retomar com radicalidade a reflexão sobre quem educa o educador.

Tem significado também retomar a trajetória histórica do Movimento e principalmente seus princípios educativos, centrados na luta pela ocupação, resistência e produção. 

No sentido de contribuir,  tanto no âmbito do Próprio Movimento, quanto no âmbito da Formação Universitária e da produção do conhecimento estão sendo desenvolvidas as seguintes ações:


1.    Participação efetiva na Realização dos ENCONTROS ESTADUAIS DAS CRIANÇAS E JOVENS DO MST – ENCONTRO DOS SEM TERRINHA -, que ocorrem anualmente, no mês de outubro. São desenvolvidas Oficinas, entre as quais Oficinas de Cultura Corporal,  pelos Estudantes e Professores da UFPE , UFRPE, Escola Técnica;


2.    Realização de estágios de vivências de curta duração em assentamentos e acampamentos para consolidar o ESTÁGIO DE VIVENCIA ANUAL com permanência nos assentamentos e acampamentos durante 15 dias desenvolvendo ações sócio-educativas;


3.    Elaboração cientifica do conhecimento expresso em dissertações de mestrado versando sobre problemáticas significativas da PRATICA PEDAGÓGICA e POLITICA EDUCACIONAL[xiv] no meio Rural e TRAJETORIA


4.    HISTÓRICA DO MOVIMENTO[xv];


5.    Participação de representante do grupo de estudantes e professores Amigos do MST em eventos nacionais;


6.    Vivências em forma de oficinas nos finais de semana em Assentamentos para desenvolver conteúdos específicos da disciplina Prática do Ensino

 

Desta rica e salutar experiência apreendemos os elementos teóricos para proposições e ações pedagógicas e políticas públicas educacionais sintonizadas com o projeto histórico superador defendido pelos movimentos sociais organizados no meio rural, especificamente o MST.

 Notas:

[i] Texto elaborado e enriquecido com as discussões dos participantes do “MOVIMENTO RESITÊNCIA da UFPE Em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores, da Reestatização, Da Reforma Agrária e do Não Pagamento da Dívida Externa”. E-mail TAFFAREL@NOVAERA.COM.BR .

[ii] TROTSKY, León.  A Revolução traída. São Paulo: OT, 1995.

[iii] TROTSKY, L. O programa de transição. São Paulo: Proposta. 1980.

[iv]DIAS; Edmundo Fernandes. Textos Didáticos: A Liberdade (In) Possível na ordem do capital e reestruturação produtiva e passivização. Campinas/SP: IFCH/UNICAMP, N.º 29 – Agosto, 1997.

[v]O MST é um movimento de massa articulado no interior do movimento sindical. Tem buscado alcançar sua autonomia histórica e, tem sido capaz de extrair das experiências acumuladas por outros movimentos, alternativas de intervenção e atuação de resistência frente às práticas dominantes.

[vi]Nas palavras do próprio Movimento: “consideramos trabalhadores rurais sem terra todos os companheiros que vivem como parceiros, arrendatários, meeiros, assalariados rurais, ou posseiros e proprietários  que possuam  até 5 hectares de terra”.

[vii] Destaca-se aí. O livro organizado por STÉDILE, João Paulo. A luta pela reforma agrária e o MST. Petrópolis: Vozes, 1997.

[viii] Segundo Benjamim, no livro “A opção brasileira”. São Paulo: Contraponto, 1998, pagina 150. “(...) Como território consolidado e uma população emancipada de relações patriarcais, o imaginário nacional poderá gravitar pela primeira vez em torno da idéia de sociedade que incorpore a de uma igualdade essencial. Sobre essa nova base, o processo de construção nacional poderá completar-se”. “(...) Valorizar nossa população e o patrimônio natural e social do pais, eis os fundamentos desse novo imaginário, que precisa basear-se em uma arraigada crença na nossa viabilidade”.

[ix] Segundo COSTA NETO, Canrobert. Reforma Agrária no Brasil: a intervenção do MST e a atualidade do programa de transição. In: Revista de estudos Socialistas. OUTUBRO. N.º 02/1998. (p. 05-19)

[x] Dados apresentados pelo INCRA, no Atlas Fundiário Brasileiro, permitem confirmar a constatação de que a estrutura fundiária apresenta um dos índices mais elevados de concentração de terra do mundo. A Área total ocupada pelos minifúndios que representam 62,8% dos imóveis rurais no Brasil é de 7,9% da área total, ou seja em 7,9% da área localizam-se 62,8% de imóveis. Os outros 56,7% da área total estão com os 2,8% das grandes propriedades, ou seja 2,8% dominam mais da metade das terras.

[xi] ZAMBERLAN, J. e FRONCHETI, A . “respostas econômicas de assentamentos rurais: um estudo de caso. In: J. P. Stédile. op. cit., pp. 183-184

[xii] Para compreendermos a dimensão teórica e dialética do sistema de reivindicação, necessário se faz atualizar o conteúdo histórico da luta pela reforma agrária, empreendida neste século, pela classe trabalhadora. Um sistema de reivindicações transitórias pode ser reconhecido no enfoque central do programa de Transição quando nos debruçamos sobre a questão agrária. Esta empreitada foi realizada por  COSTA NETTO, Canrobert. Em seu trabalho “Reforma Agrária no Brasil: A intervenção do MST e a atualidade do programa de transição. Publicado na Revista de Estudos Socialistas – OUTUBRO- , n.º 2 / 98. Pp. 05-19.

[xiii] GRAMSCI, A . Escritos Políticos. Lisboa: Seara Nova, V. 01, 1976. 

[xiv] Em elaboração dissertação de Mestrado de Marcelo Russo Ferreira, sobre a Trajetória do MST em Pernambuco. Mestrado em Educação do CE/UFPE, orientação professora Dra. Celi Taffarel.

[xv] Já concluída a dissertação de Mestrado de CINTRA; Conceição. Trajetória do MST em Sergipe. Dissertação Mestrado em Serviço Social, CCSA, Pós-Graduação em Serviço Social, UFPE, 1999. Orientação professora Dra. Celi Taffarel.

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