Do nada a lugar nenhum? Podemos mudar esse caminhar

Caminhar na praia
Caminhar na praia

Educação Física e Esporte

05/07/2012

Sou professor em uma escola pública de Americana desde 2002, a qual possui uma realidade bastante distinta de outras escolas deste município, pois contempla uma clientela de médio poder aquisitivo (de acordo com questionário socioeconômico preenchido pelos alunos em 2010), na qual a maioria dos alunos está bem amparada pela família, que está sempre presente em reuniões e acompanham de perto o desenvolvimento de filhos e filhas.

Esta escola possui até lista de espera para todos os níveis de ensino, desde o 1º ano do Ensino Fundamental (crianças de seis anos) até o 3º ano do Ensino Médio. Mesmo assim, não deixamos de contar com velhos problemas que atingem a escola e a Educação em geral: estrutura física inadequada para incluir todos, salas lotadas, falta de professores, drogas, interesses distintos dos alunos, nem sempre ligados à Educação, entre tantos.

Porém, mesmo com todas essas questões, sempre acreditei que algumas metodologias e novas formas de se ensinar pudessem auxiliar numa melhora significativa da qualidade de ensino que se presta em nosso país. Assim, desde que entrei para o quadro do magistério, em 2000, tento levantar a importância do trabalho colaborativo com projetos de integração entre as disciplinas, os quais pudessem envolver a participação de várias áreas explorando um único tema ou, até mesmo, envolvendo as diversas séries do ensino regular. Acredito que essa forma de trabalho, com vistas à interdisciplinaridade, poderia auxiliar na formação de um cidadão crítico, que já não se satisfaz apenas com o que vem do outro, mas que deseja fazer parte dessa construção de mundo.

Assim, quando se fala em interdisciplinaridade, vale lembrar que muito se tem levantado sobre possíveis conceitos desta, mas como sugere Leis (2005): Qualquer demanda por uma definição unívoca e definitiva do conceito de interdisciplinaridade deve ser rejeitada, por tratar-se de proposta que inevitavelmente está sendo feita a partir de alguma das culturas disciplinares existentes. Em outras palavras, a tarefa de procurar definições “finais” para a interdisciplinaridade não seria algo propriamente interdisciplinar, senão disciplinar. Na medida em que não existe uma definição única possível para este conceito, senão muitas, tantas quantas sejam as experiências interdisciplinares em curso no campo do conhecimento, entendemos que se deva evitar procurar definições abstratas da interdisciplinaridade.

De qualquer maneira, alguns autores já sondaram possibilidades de conceitualização desse termo, desde Japiassu (1976), que sustenta que: a interdisciplinaridade exige uma reflexão profunda e inovadora sobre o conhecimento, que demonstra a insatisfação com o saber fragmentado. Caminhando paralelamente, temos a multidisciplinaridade como algo que se caracteriza por uma ação simultânea de uma gama de disciplinas em torno de uma temática comum. Essa atuação, no entanto, ainda é muito fragmentada, na medida em que não se explora a relação entre os conhecimentos disciplinares e não há nenhum tipo de cooperação entre as disciplinas. Neste sentido, a interdisciplinaridade propõe um avanço em relação ao ensino tradicional, com base na reflexão crítica sobre a própria estrutura do conhecimento, na intenção de superar o isolacionismo entre as disciplinas e no desejo de revitalizar o próprio papel dos professores na formação dos estudantes para o mundo.

Também encontramos em Pombo (2003) que: os conceitos de pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, enquanto conceitos caracterizadores de diversificadas práticas de ensino devem ser entendidos como momentos de um mesmo contínuo: o processo progressivo de integração disciplinar (ou ensino integrado), isto é, de qualquer forma de ensino que estabeleça uma qualquer articulação entre duas ou mais disciplinas.

A mesma autora sugere ainda que: mais importante do que procurar estabelecer fronteiras rígidas entre estes conceitos e as práticas de ensino para que eles remetem, mais fecundo do que delimitar espaços de significação intransponíveis, será reconhecer a natureza contínua de um processo de crescente integração disciplinar, no qual a pluridisciplinaridade seria o polo mínimo da integração disciplinar, a transdisciplinaridade o polo máximo e a interdisciplinaridade o conjunto das múltiplas variações possíveis entre os dois extremos. (idem)

Nesse sentido, Pombo (2003) conclui que: a interdisciplinaridade implica, portanto, alguma reorganização do processo de ensino/aprendizagem e supõe um trabalho continuado de cooperação dos professores envolvidos. Conforme os casos e os níveis de integração pretendidos, ela pode traduzir-se num leque muito alargado de possibilidades: transposição de conceitos, terminologias, tipos de discurso e argumentação, cooperação metodológica e instrumental, transferência de conteúdos, problemas, resultados, exemplos aplicações, etc.

Por fim, quando se refere à importância do trabalho interdisciplinar, encontramos no Coletivo de Autores (1992) que: a visão de totalidade do aluno se constrói à medida que ele faz uma síntese, no seu pensamento, da contribuição das diferentes ciências para a explicação da realidade. Por esse motivo, nessa perspectiva curricular, nenhuma disciplina se legitima no currículo de forma isolada. É o tratamento articulado do conhecimento sistematizado nas diferentes áreas que permite ao aluno constatar, interpretar, compreender e explicar a realidade social complexa, formulando uma síntese no seu pensamento à medida que vai se apropriando do conhecimento científico universal sistematizado pelas diferentes ciências ou áreas do conhecimento. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, pag.17)

Dessa forma, creio que há que se buscar motivação para que o trabalho interdisciplinar aconteça efetivamente, apesar de que não é sempre que nós, professores, somos motivados a partilhar ou participar de algo com o outro, principalmente se isto não tiver um objetivo bem definido. Ou seja, quero dizer que é muito mais instigante quando alcançamos a satisfação pessoal, ou enfim, quando algo nos motiva.

É possível que encontremos vários motivos que tentam explicar esse fato, desde a formação docente às condições de trabalho e, até mesmo, o material que é utilizado para transmissão de conteúdos, os quais serão cobrados em avaliações anuais para medir o aproveitamento dos alunos.

Embora isso seja uma questão complexa, que demanda um estudo mais específico, vale lembrar um alerta feito por Freire (1996), ao afirmar que é preciso: saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições, um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho - a ele ensinar e não a de transferir conhecimento. (FREIRE, 1996, pag. 52)
Contudo, creio que exista a necessidade de se traçar estratégias que auxiliem no desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares, que se aproximem da linguagem, dos interesses e necessidades dos alunos.

Para tanto, o que tenho para dividir com meu leitor é algo que vai na contramão do que acontece na maioria das vezes em meu local de trabalho, no que diz respeito à integração entre as disciplinas ou à interdisciplinaridade. Quem sabe não seja esse o caminho para incentivar práticas colaborativas entre meus pares?

Um pouco da prática
Desde minha entrada no magistério público como professor de Educação Física, tenho utilizado como base para minha proposta pedagógica metodologias que despertem no aluno uma visão crítica por meio de assuntos contextualizados (que fazem parte de sua realidade) e, ao mesmo tempo, com significados e sentidos importantes para esse despertar. Algumas obras têm me ajudado nessa busca pelo trabalho de valorização da história e cultura de cada comunidade e, também, no direcionamento de ações que superem tendências baseadas no movimento humano desligado de uma reflexão sobre este. Afinal, não queremos mais a prática apenas pela prática, mas sim uma prática que possibilite ao aluno criar sentidos e significados sobre si mesma.

Dentre essas obras, o conteúdo discutido no livro Metodologia do Ensino de Educação Física (Coletivo de Autores , 1992), que defende a especificidade da Educação Física e a cultura corporal do jogo, do esporte, da dança, da luta, da ginástica, da importância da ludicidade, da criatividade, da avaliação sobre a prática, da valorização da realidade da escola e dos alunos contra um conteúdo hegemônico, elitizado e cristalizado, entre outros, tem sido de grande importância para mim, pois auxilia na discussão desse caminhar criticamente pelo ensino e compreensão do que é Educação Física hoje em dia e de seus objetivos.

Assim, como acredito que a Educação Física é uma disciplina que deva valorizar a experiência cultural e a capacidade criativa dos alunos, sempre tento desenvolver minhas aulas de modo mais provocador e instigante possíveis. Para isso, apoio-me em recursos audiovisuais (filmes, músicas e apresentações de slides), livros e revistas da área, manchetes de jornais, materiais alternativos, estudos em locais fora da escola, entre outros, para possibilitar experiências singulares aos alunos, pois tudo isso faz parte da prática social dos mesmos.

Vale lembrar que, como propõe o Coletivo de Autores: há de se ter, no momento da seleção, competência para adequar o conteúdo à capacidade cognitiva e à prática social do aluno, ao seu próprio conhecimento e às suas possibilidades enquanto sujeito histórico. (p.20)

Com isso, no decorrer do ano, vários assuntos são discutidos: os conteúdos e temas planejados de acordo com a Nova Proposta Curricular Estadual de Educação Física (PPC-EF), a cada início de período letivo, e outros conteúdos ou temas transversais que surgem a partir dos interesses tanto meus quanto dos alunos. Por exemplo, quando estamos falando sobre Atletismo e sobre as capacidades físicas que envolvem cada atividade e cada prova desse esporte, vamos tentando relacionar com aquilo que fazemos durante nosso dia-a-dia.
Num outro exemplo, indo um pouco mais adiante, quando falamos sobre resistência no esporte, também podemos discutir como é nossa resistência para atividades similares àquelas do Atletismo, como caminhar, correr, saltar pequenos obstáculos, entre outras. E isso é algo recorrente em minhas aulas, pois, como já mencionei, acredito nessa relação do conteúdo com a realidade que nos passa como meio para auxiliar na formação de cidadãos críticos e conquistar a atenção e o interesse do aluno em descobrir o novo.

Dessa forma, como propõe Libâneo, citado por Coletivo de Autores (1992), [...] “os conteúdos são realidades exteriores ao aluno que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades sociais", pois "não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados é preciso que se liguem de forma indissociável a sua significação humana e social”. (p.31)

Porém, como já exposto aqui, meu desejo pelo trabalho colaborativo e interdisciplinar ainda se faz presente e sempre fico imaginando como poderia desenvolver esse ou aquele assunto com um grupo de professores de áreas afins ou, por que não, com todas as áreas, contemplando, também, um estudo histórico-cultural das práticas corporais e a reflexão sobre essa prática.

Tentando compartilhar um desses momentos de trabalho interdisciplinar e multidisciplinar, descrevo na sequência uma proposta de prática colaborativa onde procurei aumentar o envolvimento de meus pares em um único projeto que partia do assunto citado acima, a capacidade física chamada resistência, e suas implicações em nosso dia-a-dia e se estendia até a questão da importância da prática de atividade física e da alimentação saudável.

A experiência
Tudo começou quando estávamos discutindo sobre a importância da alimentação e da atividade física com os alunos dos 1º anos (A, B e C) do Ensino Médio diurno da escola na qual sou professor de Educação Física efetivo desde 2002, durante o 3º bimestre de 2009. O assunto, que foi motivado pelas discussões sobre o tema obesidade, desenvolvido a partir do material vindo com a PPC-EF do Estado de São Paulo, nos levou a pesquisar sobre hábitos alimentares e práticas físicas na família, calcular o índice de massa corpórea dos pesquisados, como calcular a queima calórica de algumas atividades e debater sobre possibilidades viáveis de prática física como saída para evoluir em resistência orgânica e em outras capacidades físicas intrínsecas a essa prática, além de distanciar-se de possíveis doenças cardiovasculares, lombalgias, osteoporoses, entre outras que afetam pessoas sedentárias.

Contudo, não satisfeito apenas com a proposta teórica dessa atividade, comecei a trocar ideias com a professora de matemática dessas salas, E. M., para pensarmos em como coletar e trabalhar os dados dessa pesquisa, administrando para que não se perdessem, pois acreditava ser importante e necessário valorizar cada ação discente em prol do fechamento do tema. Esse processo não foi muito fácil, pois ainda assim, continuávamos com o trabalho de vivências corporais (jogos, esportes, atividades rítmicas, ginásticas) o qual sempre valorizei, pois são essenciais para que os alunos associem as discussões teóricas com as experiências práticas e encontrem significados para essa unidade. Imagine, então, querer administrar tudo: pesquisa, discussão sobre os achados (dados), conteúdo paralelo, conversas com a professora de matemática para saber se iríamos chegar a nosso objetivo, enfim, muitos assuntos para dar conta.
Porém, refletindo sobre algumas possibilidades de trabalho interdisciplinar, observei que seria importante buscar novas propostas metodológicas para alcançar resultados satisfatórios. Paulo Freire (1996), com enorme sensibilidade, fala dessa necessidade de repensar a própria prática, afirmando que: (...) na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde com a prática. (FREIRE, 1996, pag. 43 e 44)

Assim, ao falar de queima calórica durante a caminhada e a corrida e desenvolver uma atividade prática no quarteirão ao redor da escola, já havia planejado aproveitar o espaço do recém-inaugurado Jardim Botânico de Americana, que fica localizado há, aproximadamente, mil metros da escola, para desenvolver outra atividade um pouco mais abrangente, que envolvesse, além da própria queima calórica, a ingestão de alimentos, benefícios fisiológicos e gosto pela prática corporal. Como estava sempre correndo pela trilha do Jardim Botânico eu já havia conversado com o responsável sobre a utilização do espaço a respeito da visitação de grandes grupos e, felizmente, tinha obtido uma resposta positiva.

Dessa forma, durante uma reunião de HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) no início do quarto bimestre, apresentei o projeto aos demais professores, que consistia em fazermos uma caminhada orientada com todos os alunos do Ensino Médio, mesmo aqueles que não eram meus alunos regulares (2º e 3º anos), para tentar suscitar a importância da prática de atividade física regular combinada com uma alimentação saudável.

Numa caminhada orientada ou de orientação, conhecida e praticada pelos adeptos do trekking ou enduro a pé, cada grupo recebe um mapa contendo uma trilha a percorrer, a qual tem um tempo a ser respeitado, não tão rápido nem tão lento, mas dentro de um ritmo de caminhada constante a cada trecho percorrido, os quais apresentam velocidades de caminhada diferentes, o que faz com que os grupos calculem em quanto tempo deve executar cada um deles. Este tempo é controlado pelo PC, Posto de Controle, um membro da equipe organizadora, que anota na planilha de cada grupo, o momento exato em que cada um deles passa pelo final do trecho. Em nosso projeto, além disso, existiriam as tarefas extras, que apareceriam a cada final de trecho, as quais apresentariam questionamentos sobre os conhecimentos trabalhados previamente dentro da sala de aula. Para isso, cada grupo receberia uma planilha para respostas e folha de rascunho. Portanto, os desafios seriam vários, como se revelariam na prática.

Os professores presentes no HTPC apoiaram o projeto e, então, contei de maneira mais detalhada como acontecia essa tal caminhada orientada. Vale ressaltar que, possivelmente, minha experiência com atividades em meio à natureza (trekking, enduro, escalada, rapel, entre outros) ajudou bastante nessa exposição sobre o que seria uma caminhada de orientação e sobre os possíveis espaços que cada disciplina poderia ter para participar do projeto, fosse na elaboração ou na execução.
Não posso deixar de apontar que nossa experiência com esses alunos mostrava que, apesar de apresentarem uma boa participação nas aulas práticas de Educação Física, a maioria ainda estava muito distante de praticar atividade física regular, pois apenas alguns revelaram participar de equipes de treinamento, dentro e/ou fora da escola, fazer aulas em academias ou, até mesmo, pedalar ou caminhar visando um bom condicionamento físico. Assim, mais um bom motivo para desencadear um projeto que valorizasse a importância de práticas corporais na busca de estilos de vida saudáveis.

Particularmente, gostaria de envolver o maior número de disciplinas no projeto. Assim, dividi isso com meus colegas professores e cada um falou sobre os temas que estavam trabalhando em cada série. Como não era tão fácil encontrar temas comuns aos alunos de 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio, pensamos em temas que pudessem ser revistos e encarados com naturalidade por todos.

Vale citar que a proposta era que todos fizessem revisão de alguns assuntos e que fossem elaboradas questões-desafio para serem interpretadas e respondidas pelos grupos no decorrer da caminhada.

Assim, esses assuntos foram levantados: localização dos pontos cardeais, em Geografia, já que os grupos deveriam utilizar bússola em alguns pontos para navegar corretamente; velocidade média, em Física, pois teriam que calcular quanto tempo deveriam gastar para percorrer cada trecho; frequência cardíaca, em Educação Física e Matemática, que seria aferida e calculada em pontos do percurso. Essas áreas estariam se relacionando de forma interdisciplinar, enquanto os conhecimentos sobre gramática e literatura em Língua Portuguesa, músculos e ossos em Educação Física, sequência numérica com regras algébricas em Matemática, tabela periódica em Química, se relacionariam de maneira multidisciplinar, o que já era algo interessante para se incentivar trabalhos interdisciplinares futuramente.

Comecei, então, a juntar todos os materiais que os professores dispuseram para montar a sequência de tarefas durante a caminhada. Eles haviam trabalhado muitos assuntos, como já citado anteriormente, desde a concepção do projeto, e elaboraram várias questões para que utilizássemos no decorrer da caminhada, as quais seriam solicitadas a cada passagem dos grupos pelos postos de controle (PC’s). Também fiz algumas visitas ao Jardim Botânico para elaborar a trilha, marcar a distância de cada trecho e determinar os pontos onde os grupos utilizariam bússola para se orientarem. No último retorno que fiz ao local simulei todo o percurso para certificar que haveria tempo hábil para executar todas as tarefas com regularidade, já que um dos objetivos era que não chegassem nem tão cedo nem tão tarde ao final da caminhada, mas que conseguissem calcular o momento correto de chegada, de acordo com a velocidade média de cada trecho.

Quando pensei que o trabalho mais difícil havia terminado me vi diante de criar os desenhos e gráficos que deveriam integrar a planilha de navegação das equipes. Até tentei fazê-los no computador, mas acabei optando pela confecção manual, pois parecia ficar mais fiel à realidade que os grupos encontrariam no local. Assim, a planilha ficou um misto de modernidade do Word com minha criatividade artística manuscrita.
Interessante observar a velocidade média de cada trecho, a distância percorrida entre um trecho e outro e as dicas para se percorrer pela trilha. Em seguida, a planilha de legendas para utilização na leitura do mapa, sem os desenhos, além da tabela de pontos perdidos por conta do tempo de prova.

Por fim, a planilha de legendas completa com desenhos feitos à mão. Também é válido observar que não adiantava chegar antes do tempo calculado para cada trecho, pois a penalidade se aplicava a quem chegasse tanto antes quanto depois.

Quase tudo pronto, só faltava encontrar membros para a equipe de apoio. Busquei, então, a ajuda de alguns alunos das 8ª séries e, com a autorização da direção e dos responsáveis, passei toda a instrução de como seria a atividade e qual seria o papel de cada um deles. À propósito, vale lembrar que todos os alunos envolvidos no projeto levaram uma autorização para ser preenchida pelos responsáveis e devolvida à coordenação antes do dia de saída da escola. Ninguém ficou de fora.

Todo material preparado, só restava fazer a devida instrução aos grupos participantes sobre o regulamento geral da atividade, além de algumas dicas importantes sobre como lidar com referências de distância, rever o manuseio da bússola, interpretação de desenhos, além das medidas de segurança durante o percurso até o local, já que teríamos uma caminhada de aquecimento até o mesmo. Também falei sobre a necessidade de utilização de roupas leves, protetor solar, água e lanche para a trilha. Não posso esquecer-se de relatar: deixei claro que o trabalho em grupo estaria presente do início ao fim, pois era necessário permanecer sempre juntos, um ajudando ao outro se preciso fosse, já que o “PC” só anotaria o tempo de passagem após todos chegarem ao final do trecho.

Finalmente, chegou o dia da nossa saída para o local do evento, o Jardim Botânico de Americana, o qual possui uma pista asfáltica de 1200 metros de extensão (que a partir de uma visão aérea tem o formato de um feijão) em meio a várias espécies de vegetação, uma nascente e um lago, além de trilhas de terra bastante destacadas. O mesmo também possui ligação com o Parque Ecológico, local onde encontramos várias espécies de animais, ampla área de recreação infantil e alimentação.

Nossa caminhada da escola até chegarmos à base de controle de saída e chegada no Botânico foi tranquila, pois contávamos com os professores que ministrariam aulas para as 3 (três) turmas de 1º ano que participariam nesse dia. Os mesmos ficariam até o final do período da manhã para ajudar em todas as necessidades. Em seguida, todas as equipes receberam os mapas e planilhas do percurso para que fizessem os primeiros cálculos de tempo dos devidos trechos. A ansiedade foi tomando conta de alguns grupos, pois a dificuldade em calcular o tempo da trilha e de cada trecho começou a aparecer, deixando outras preocupações que viriam em segundo plano. Os membros da equipe de apoio acertaram os relógios comigo, em que hora, minutos e segundos estavam perfeitamente idênticos. Colocaram-se em seus postos e iniciamos, enfim, a liberação das equipes para a prova a cada 2 (dois) minutos.
Após todos os grupos terem saído, dei uma volta para observar como estavam lidando com as tarefas e com a interpretação do mapa e notei que algumas equipes estavam confusas, principalmente em relação à qual direção seguir diante dos gráficos da planilha. Em alguns momentos cheguei até a ajudar no redirecionamento da trilha, mas não interferi em qualquer outra parte do trabalho, pois deveria retornar logo para a base e ficar no aguardo das equipes, juntamente com um dos professores que iria me ajudar na recepção das mesmas. Combinei com os outros 2 (dois) professores que estavam auxiliando no projeto que continuassem na observação da prova, comunicando pelo rádio (walk talk) caso houvesse alguma necessidade. Ambos caminharam, separadamente, durante a duração da prova, algo de extrema importância, pois era necessário que tivéssemos o controle de tudo o que acontecia para demonstrar a organização da atividade e administrar o bom andamento da mesma.

Os primeiros grupos começaram a chegar e, em sua maioria, com o tempo total de trilha completamente ultrapassado, ou por erro nos cálculos, ou por erro na direção da trilha. Porém, os últimos demonstraram que já haviam assimilado melhor as tarefas e conseguiram chegar muito próximos do tempo de percurso. Para tanto, uma das explicações encontradas pelos grupos é que o horário de saída ajudou quem saía mais tarde, pois poderiam conversar e discutir mais sobre a interpretação da trilha, do tempo e da contagem dos passos para verificação da distância. Também acredito que isso tenha influenciado nesses resultados.

No dia seguinte, agora contando com a participação de 2 (duas) turmas do 2º ano e 2 (duas) do 3º ano, fizemos tudo da mesma maneira e, não fosse o medo da chuva que rondou a atividade por alguns instantes, diria que tudo foi melhor, principalmente quanto aos resultados apresentados pelos grupos em relação ao tempo de percurso.

De certa forma, tudo indicava que nossa caminhada tinha sido um sucesso sob o ponto de vista da participação efetiva e motivada dos alunos, os quais ficaram excitados com o fato de lidar com o conhecimento de uma forma diferenciada que não apenas dentro de uma sala de aula. Além disso, conseguimos observar a partir dos resultados encontrados nas planilhas quais haviam sido os maiores erros dos grupos e, de posse destes e das respostas das tarefas escritas, possibilitamos as discussões em cada disciplina sobre quais as virtudes e necessidades de cada grupo.

Também discutimos, em Educação Física, algumas questões de fisiologia, relacionadas ao funcionamento do corpo diante dos desafios da atividade, como se comportou a frequência cardíaca nos pontos de aferição, qual a condição física mínima para participar de atividades similares, entre outros. À propósito, os alunos também calcularam a queima calórica média desde a saída na escola até o retorno para a mesma e esta girou em torno de 440 à 500 kcal (quilocalorias), variando de acordo com o ritmo de caminhada de cada grupo.

Por fim, celebramos o encerramento do projeto, o qual teve a duração de aproximadamente três semanas, desde a elaboração das tarefas, revisão dos conteúdos, formação das equipes, determinação da trilha, burocracias para possibilitar a saída dos alunos, até a vivência da atividade, no pátio da escola, com fotos e uma premiação simbólica para todos os grupos: uma caixa de bombom, oferecida pela direção, algo que não fora combinado previamente. Paradoxalmente, essa atitude fora aprovada, mas também gerou diante da maioria a discussão sobre a questão dos alimentos, das calorias e das dificuldades em se queimá-las, tudo que havíamos estudado anteriormente.
Alguns aprendizados
Não posso deixar de citar que os resultados das questões-desafio respondidas pelos alunos foram considerados como instrumento de avaliação pelos professores que participaram do projeto. À propósito, as disciplinas de Matemática e Física fizeram um trabalho essencial para o desenvolvimento deste, pois as tarefas com cálculo de velocidade média, contagem e conversão de passos, porcentagem de frequência cardíaca, entre outros, despertaram grande preocupação nas equipes. Muitos alunos consideraram tais assuntos importantíssimos e afirmaram ter dedicado várias horas de estudo por conta dos mesmos. Outros confessaram que conversar sobre literatura, química, matemática fora do ambiente escolar tradicional foi algo muito interessante, principalmente porque precisavam coordenar o raciocínio teórico com o desenvolvimento da caminhada, a qual era repleta de regras.

Com os resultados alcançados, o projeto foi inserido no planejamento anual da escola, em 2011, com mais tempo para elaboração e finalização do mesmo, apesar de eu não lecionar no Ensino Médio desde 2010.

Interessante relatar que este trabalho repercutiu positivamente junto aos pais, que afirmaram, em reunião no início do 4º bimestre, perceber que seus filhos estavam reconsiderando os hábitos alimentares por conta dos resultados encontrados pelo estudo que fizemos, pois diminuíram a ingestão de maneira considerável de alguns alimentos e bebidas, já que, apesar de terem ideia da quantidade calórica desses, não tinham noção de quanto tempo deveriam fazer de atividade física para queimá-los.

Contudo, pensando em quão importante é refletir sobre os caminhos que percorremos em nossa prática, creio que não podemos esquecer que também se faz necessário que tenhamos subsídios, sejam estes bibliográficos ou tecnológicos, para elaborar experiências outras que nos remetam a essa busca pelo novo, pelo (re)construído. Apesar disso, o domínio de conhecimentos permite ao professor tomar consciência de que não é um livro que o ajudará a enfrentar os problemas da sala de aula, mas sua própria reelaboração dos conhecimentos e de suas experiências cotidianas (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Com base nisso, posso afirmar que já vai longe o tempo em que o professor usava apenas sua oralidade para disseminar seus conhecimentos enquanto seus alunos ficavam sentados e perfilados à espera da “purificação”. Percebo, hoje, que o aluno está muito mais interessado naquilo que pertence ao seu mundo e não se intimida em deixar isso bem claro, seja manifestando-se através do vestir, do jeito de falar, das músicas que escuta, canta ou dança, enfim, de inúmeras formas de relacionar-se com o outro.

Creio que esse comportamento não deva ser encarado apenas como arredio, petulante, incoerente ou irresponsável, mas pode nos sugerir direcionamentos para uma superação dos modelos de ensino baseados na transmissão de conhecimentos.

Dessa forma, acredito que quando estamos voltados para um trabalho mais colaborativo e interdisciplinar podemos construir pontes que nos auxiliem a chegar mais distante do que fomos acostumados ou acomodados pelo caminho. Possivelmente este projeto, em sua gênese, tenha proporcionado essa experiência de reconstrução e auxiliado na reflexão sobre outras formas de desenvolver o conhecimento. Porém, ao observar minuciosamente um dos objetivos do projeto, que está relacionado à interdisciplinaridade, é possível considerar que não se tenha atingido efetivamente tal ponto. Contudo, nunca foi fácil desenvolver uma atitude interdisciplinar, como sugere Hessel (2011) em nosso meio (especificamente na escola em que trabalho) e, portanto, creio que seja necessário enaltecer a aprendizagem desencadeada por conta dessa vivência, já que os professores que se envolveram, extrema ou discretamente, suscitaram a importância de desenvolvermos trabalhos nesse nível de colaboração.
Afinal, até quando vamos proporcionar saberes que, muitas vezes, vão do nada a lugar nenhum? Ou como diria Gabriel O Pensador, na música “Até quando?”
Até quando você vai levando porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando vai ser saco de pancada?
Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente,
A gente muda o mundo com a mudança na mente,
E quando a mente muda a gente anda pra frente...
...na mudança de atitude não há mal que não se mude,
Nem doença sem cura.
Na mudança de postura a gente fica mais seguro,
Na mudança do presente a gente molda o futuro.
Até quando você vai levando porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?

REFERÊNCIAS
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
GOHN, Maria da Glória. O Protagonismo da Sociedade Civil. Movimentos Sociais, ONGs e Redes Solidárias. São Paulo: Cortez, 2005. IN: PITON, Ivania M. Sentidos e significados do trabalho docente - ser professor, ser professora? Congresso ANPAE, 2007.
GUIMARAES, H., LEVY, T. e POMBO, O. A Interdisciplinaridade: Reflexão e Experiência. Lisboa: ed. Texto, 1ª edição 1993, 96 p. (2ª edição revista e aumentada, em 1994, 102 p.).
HESSEL, A. M. D. G., FAZENDA, I. C. A. Atitude interdisciplinar na formação online de gestores escolares sob enfoque da complexidade. Revista E-Curriculum, v.7, n. 2, Agosto, 2011. http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 220 p.
SÃO PAULO (Estado). Proposta Pedagógica Curricular: Educação Física. São Paulo: Secretaria Estadual de Educação, 2008. Disponível em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Portals/18/arquivos/Prop_EDF_COMP_red_md_20_03.pdf. Acesso em 21/11/2011.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Silvio César Cristovão

por Silvio César Cristovão

Professor de Ed. Física da Rede Pública Estadual (cargo efetivo) e da Rede Particular de Americana, SP, atuando no Ensino Fundamental e Médio. Participa de curso de Pós-graduação ministrado pela FEF-Unicamp e é mestrando pela Faculdade de Educação da mesma universidade. É integrante do grupo de estudos sobre cotidiano escolar (GECE) e tem sua pesquisa voltada para o campo de estágio em EF_Escolar.

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