Práticas agrícolas num assentamento de sem terras, sustentáveis ou não?

Agricultura e sustentabilidade.
Agricultura e sustentabilidade.

Biologia

27/01/2015

José Francisco de Moura Júnior

Práticas agrícolas num assentamento de sem terras, sustentáveis ou não?

RESUMO

O objeto de estudo para realização deste trabalho foi o assentamento dos sem terras “Tchiquervara” no Sítio Laranjeiras, Quipapá – PE, tendo em vista fazer uma análise das práticas agrícolas neste assentamento durante um espaço temporal de treze (13) anos de agricultura no local, se foram sustentáveis ou não. A metodologia usada para a realização do trabalho pautou-se numa pesquisa de campo associada à entrevista e material bibliográfico. Tivemos como resultado, uma confirmação em parte da nossa hipótese, uso de agrotóxicos e uso incorreto do solo, pois ficou bem claro que dentro deste assentamento eram praticadas algumas formas indevidas de agricultura, diversas culturas eram realizadas no local. Vestígios de uma agricultura com uma prática agrícola que, pelos princípios agroecológicos podem ser consideradas não adequadas, foram deixadas no local, bem como a falta de conhecimentos acerca da maneira correta de se usar o solo pode, em grande parte, contribuir para alguns problemas encontrados no local. Uma maneira de produzir bem, de forma que não agrida o ambiente é ter conhecimentos ecológicos, incluindo as práticas de permacultura, plantios orgânicos entre outros, o que torna uma agricultura sustentável, produzem de forma que não vem a prejudicar as gerações futuras satisfazendo as necessidades do presente. A revolução verde nada mais foi que um pacote tecnológico que, acredita-se não deu certo e, atualmente, se utilizam tais praticas em muitos locais do mundo acarretando mazelas para o solo, poluindo os mananciais entre outros danos ao ambiente. No assentamento temos vestígios desta forma inadequada de produzir, por mais que seja uma agricultura familiar, o que usa pequenos espaços em relação aos grandes produtores, o cuidado ecológico do solo deve se fazer presente, não importando o tamanho da terra a ser plantada. Esperamos que com a pesquisa, outros agricultores tomem ciência das consequências que um solo mal cuidado vem a sofrer, deixando de produzir e levando a morte do mesmo.

PALAVRAS-CHAVE: Agricultura familiar, agroecologia, sustentabilidade.


1. INTRODUÇÃO

A necessidade para realização desta pesquisa esta relacionada aos treze anos de práticas agrícolas no assentamento de sem-terra Tchiquervara no Sítio Bom Pastor, Quipapá - PE, verificando se as praticas eram sustentáveis ou insustentáveis.

A escolha do tema foi influenciada por ser uma linha de pesquisa agroecológica a qual nos identificamos e por o local ser próximo as nossas residências e termos já alguns conhecimentos do local e não foi identificado nenhum trabalho ou pesquisa acadêmica relacionada às praticas agrícolas do sitio em estudo. Analisando o local do assentamento, foi observado que houve uma prática de agricultura muito intensa e alguns problemas que não são normais no local, visto que na mesma região o problema era inexistente, daí surgiu a ideia de fazer uma análise da prática de agricultura que foi realizada no local no período de 13 anos de existência do assentamento, a fim de procurar uma resposta para o problema apresentado no local.

Sabendo que as práticas agrícolas são tão antigas quanto à própria história do homem surgiu então à pergunta dentro da agricultura praticada no assentamento, quais os fatores responsáveis pela modificação na vegetação, deixando-a com outras características que não são normais a sua formação, bem como os fatores responsáveis pela aceleração no processo de desgaste do solo, deixando-o improdutivo e com aspecto desgastado?

Ao longo deste trabalho cujo objetivo maior é analisar o impacto ocasionado na área do assentamento sem-terra Tchiquervara nesse período de 13 anos mediante uma agricultura convencional discutiremos sobre os motivos que levam o agricultor a praticar a agricultura convencional bem como analisar as condições ambientais onde se pratica a agricultura convencional e diagnosticando os principais problemas desenvolvidos pelo exercício dessa agricultura na área considerada.

Tendo como método de pesquisa o hipotético dedutivo, buscando investigar as causas do problema apresentado.

Para desenvolver o trabalho foram realizadas pesquisas bibliográficas, pesquisa de campo, foram aplicados questionários utilizados para responder algumas questões referentes à caracterização do local, respondendo algumas questões tais como: quantas famílias viviam no local, o tamanho da área em hectares entre outros.

Em anos anteriores (FONTANA, 2000) afirmou que para iniciar as análises sobre agricultura e sustentabilidade, é preciso saber que as práticas agrícolas são tão antigas quanto à própria história do Homem. Em outras palavras, há aproximadamente doze mil anos, a prática da agricultura alterou as possibilidades de desenvolvimento, representando uma etapa decisiva na evolução humana. Tal prática foi propiciada ora pelo cultivo de cereais, ora pelo enriquecimento alimentar e forneceu as condições necessárias para o surgimento da civilização.

É possível conceber a agricultura como uma prática disseminada pelo mundo, desde os tempos mais remotos, na transição do nomadismo para o sedentarismo. Desde muito tempo o homem vem buscando estabelecer novos estilos de agricultura menos agressivos ao meio ambiente, capazes de proteger os recursos naturais, tentando fugir do modo convencional de agricultura e desde o início do século XX em diversos países passaram a utilizar agriculturas alternativas como: orgânica, biológica, natural entre outros.

Pretende-se enfatizar nessa pesquisa que a agricultura orgânica, é um modo sustentável de sobrevivência e que tais práticas orgânicas se refletem a curto e longo prazo nas condições de vida da sociedade. Aqui buscamos relacionar as práticas de agricultura à agra ecologia, visto que a agra ecologia é um caminho sustentável para uma agricultura sustentável, cujo termo sustentabilidade não é tão recente quanto se afirma que surgiu em meados da década de 1970, esse termo possui mais de 400 anos (BOFF, 2012).
É imprescindível que na busca pela boa qualidade de vida que visamos hoje, procuremos dentro de uma pratica de agricultura sustentável mecanismos que favoreça nossas perspectivas de uma melhor alimentação nos nossos dias.


2. ASSENTAMENTO TCHIQUERVARA

2.1 HISTÓRICO DO ASSENTAMENTO


O acampamento dos sem terras surgiu entre os anos de 1999 e 2000, no Sítio Bom Pastor, município de Quipapá - PE, teve uma duração de cerca de treze anos. O acampamento surgiu em virtude das terras apresentarem boas características para a agricultura, sendo que a mesma estava abandonada pelo proprietário desta. O mesmo não produzia nada, estas terras pertenciam praticamente ao estado, uma vez que o dono delas havia feito autos empréstimos dando-as como garantia, tais empréstimos o proprietário não conseguiu pagar. Um pequeno grupo de sem terras invadiu o local, logo atraiu uma certa quantidade de pessoas para o mesmo, um fato interessante é que a maioria das pessoas que iam para o lugar não eram pessoas sem terras, tinham seus pequenos sítios. Quando os em terras chegaram à fazenda, a mesma tinha uma boa cobertura vegetal, não chegava a ser uma mata, mas era uma vegetação densa em alguns pontos, com a chegada dos mesmos em virtude da necessidade de plantar eles retiraram essa cobertura para a prática agrícola.


2.2 CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO

O assentamento apresenta um clima considerado bom, o que torna o local agradável para se morar, a fazenda invadida tem uma área de 570 hectares, dentro da fazenda ocupada pelos sem terras tem um grande açude onde era criados peixes tanto para o consumo como para a venda em Queimadas, um município próximo a Jurema. Encontram-se dentro do assentamento várias cacimbas com água de excelente qualidade, um rio corta a fazenda do assentamento, o rio Piranji do município de Quipapá o mesmo que nasce em santa rosa um município do estado de Pernambuco. O assentamento estava localizado em um local elevado em relação as demais extremidades da fazenda, era um local plano, no entanto, o entorno do assentamento apresentam um relevo ondulado em forma de V e U, ao lado temos uma formação rochosa que na região é conhecida como Serra do Gabão o que torna um ponto de referência fundamental para a localização do assentamento. O clima é Tropical chuvoso, quente e úmido, com temperatura anual com media de 23,6ºC, variando em algumas épocas do ano a 18ºC ou menos. O solo do assentamento não é homogêneo, é diversificado. No entanto, a predominância é argiloso com uma grande quantidade de matéria orgânica, o mesmo é bastante profundo, o que o deixa fofo e próprio para o plantio de diversas culturas.


2.3 LOCALIZAÇÃO


O assentamento se localiza na microrregião da Zona da Mata do estado de Pernambuco a uma latitude de 8º 48’ 31’’ Sul e, uma longitude de 36º 7’ 58’’ Oeste, estando a uma altitude de 770m, no município de Quipapá – PE. Fazendo fronteira a Oeste com o município de Canhotinho – PE, Norte com o município de Jurema – PE, os limites Leste e Sul encontram-se dentro do município do assentamento “Quipapá – PE”. O mesmo está situado na unidade geoambiental do Planalto da Borborema.


2.4 A RETOMADA DAS TERRAS


Após uma longa batalha judicial, a filha do dono das terras, liquidou as contas deixadas pelo falecido pai e conseguiu na justiça a posse das terras antes dominadas pelos moradores do acampamento, assim extinguindo o acampamento no ano de 2013. No acampamento moravam 38 famílias de acordo com a contagem dos moradores em entrevista feita para a coleta de dados. Abaixo uma foto da localização do assentamento.


3. AGRICULTURA X SUSTENTABILIDADE

3.1 HISTÓRICO DA AGRICULTURA


As práticas agrícolas são tão antigas quanto a própria história do Homem. Em outras palavras, há aproximadamente doze mil anos, a prática da agricultura alterou as possibilidades de desenvolvimento, representando uma etapa decisiva na evolução humana. Tal prática foi propiciada ora pelo cultivo de cereais, ora pelo enriquecimento alimentar e forneceu as condições necessárias para o surgimento da civilização (FONTANA, 2000). Nota-se que o surgimento da agricultura foi estudado por vários autores. Dentre eles, destaca-se Rezende Filho (1991), que afirma que a agricultura já era praticada no Período Neolítico (7000-3000 a.C.). Com tal prática, o Homem passou a radicalizar seu relacionamento com a natureza, domesticando-a e produzindo, por meio da seleção de espécies animais e vegetais, a base da sua alimentação.

“[...] há aproximadamente 10 mil anos, os primeiros agricultores perceberam a possibilidade de manipular e concentrar as plantas, aumentando a obtenção de alimentos a partir de uma mesma área” (ROSA, 1998).

É possível conceber a agricultura como uma prática disseminada pelo mundo, desde os tempos mais remotos, na transição do nomadismo para o sedentarismo. Desde muito tempo os homens vêm buscando estabelecer novos estilos de agricultura menos agressivos ao meio ambiente, capazes de proteger os recursos naturais, tentando fugir do modo convencional de agricultura. Desde o início do século XX, em diversos países passaram a utilizar agriculturas alternativas como: orgânica, biológica, natural entre outros. 3.2 A REVOLUÇÃO VERDE

A "Revolução Verde" foi lançada para poder utilizar as tecnologias desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial, abrindo a agricultura para a indústria. Com isso iniciou-se o desmatamento e a exploração dos solos no mundo inteiro (PRIMAVESI, 2006). Já em 1970 preocupava-se com a compactação excessiva dos solos, a erosão, as enchentes, as tempestades de poeira e as secas que apareceram com estas tecnologias. A água começou a diminuir e os rios a secar. Nos trópicos, com ecossistemas completamente diferentes dos de clima temperado, esta tecnologia não aumentou as colheitas como esperado, mas levou à decadência total dos solos especialmente pela lavração profunda, a neutralização do alumínio por calagens elevadas, o desequilíbrio entre os nutrientes, causado pela adubação com NPK e uso de pesticidas, e a exposição dos solos a chuvas e sol. Como resultado, aparecem cada vez mais pragas e doenças que atacando as culturas foram combatidas por substâncias tóxicas desenvolvidas durante a guerra para a guerra como os fosforados, desenvolvidos como neurotóxicos e os clorados, como inseticidas. (CARSON, 1956) em seu livro, Primavera Silenciosa, faz uma critica as monoculturas, pratica introduzida para permitir a mecanização em grande escala, trata também a questão dos herbicidas e as queimadas que acabaram rapidamente com as reservas do solo em matéria orgânica onde posteriormente foram substituídas por adubos químicos e, a mão de obra foi substituída por máquinas, iniciando a migração de bilhões de pessoas para as cidades e as favelas. Onde perdeu-se o contato com o solo e a natureza. Embora sejam estes a base de qualquer vida (CARSON, 1956).

A "Revolução Verde" foi inspirada pelo Prof. Borlaug, famoso pela criação de milho e trigo anão que reuniu biotecnologia com a adubação química. Não usou variedades adaptadas ao solo e clima, mas fez os solos produzir com ajuda de adubos, defensivos e irrigação. Em 1961 o presidente Kennedy lançou a "Revolução Verde" sob o lema "Alimentos para a Paz" abrindo a agricultura, pela primeira vez na história, para produtos químicos industriais. A tecnologia em uso foi desenvolvida para os solos de clima temperado, mesmo assim foi diretamente transferida para os trópicos, sem consideração ao ecossistema completamente diferente. Como se tratava de um convênio entre Agricultura e Indústria, a agricultura mecânica química ficou conhecida como "Convencional". A agricultura que antes pagava a industrialização ficou cara demais e trabalhou no vermelho. A indústria teve ganhos altos e pagou impostos elevados. Parte dos impostos os governos dirigiram à agricultura. Atualmente tanto os EUA como a EU empregam ao redor de 90 bilhões de dólares como subvenções para sua agricultura. A revolução verde tinha como propósito acabar com a fome no mundo, mas não foi bem isso o que aconteceu. Acreditava-se que, com a utilização das técnicas de produção advindas dos países emergentes, em pouco tempo, se resolveria a questão da fome nos países do Terceiro Mundo. No entanto, tal ação contava, também, com grande interesse de empresas transnacionais norte-americanas, que, ao viabilizarem tais técnicas e produtos, como consequência, teriam mais clientes aderidos e dependentes da sua produção, como, por exemplo, a das sementes herbicidas, que, desenvolvidas em laboratório, permitem uma produção até três vezes mais alta do que as sementes comuns, as quais foram testadas, primeiramente, no México e nas Filipinas (ADAS, 1988). Com a descoberta da produção em larga escala, pensava-se que o problema da fome estaria com os dias contados, o que provocou grande euforia em todo mundo. Nesse contexto, (Adas, 1988), discorre que:

O Conselho de Desenvolvimento da Agricultura (ACD, Agricultural Development Council), criado nos EUA pelas fundações Ford e Rockefeller, inspirou a abertura de centros de pesquisas agrícolas em outros países. Em 1996 foi instalado, no México, o Centro Internacional de Melhoramento do Milho e do Trigo; em 1968, o Instituto Internacional de Agricultura Tropical na Nigéria e, no ano seguinte (1969), na Colômbia; em 1972 foi fundado, no Peru, o Centro Internacional de Pesquisa de Batatas e muitos outros em outros países (ADAS, 1988, p. 68).


Com o decorrer dos anos, percebeu-se que nem toda a tecnologia utilizada nos países ricos era a mais indicada para as condições socioeconômicas dos agricultores. A referida percepção foi talvez um pouco tardia, visto a dependência, muitas vezes desnecessária, desses agricultores, o que também elevou os custos da produção. O fracasso da Revolução Verde demonstrou como o sistema de produção industrial desencadeou uma produção agrícola insustentável, uma vez que:

[...] somente os grandes produtores tiveram condições de aplicar todo o “pacote tecnológico” que acompanhava as sementes “milagrosas” desenvolvidas nos centros de pesquisa. A concentração da terra agravou-se. Mas agravaram-se também os desequilíbrios ecológicos: surgiram pragas e doenças antes desconhecidas, que exigiram maiores doses de venenos, que, por sua vez, desequilibraram mais ainda o ecossistema e comprometeram toda a produção; surgiram problemas de conservação do solo, de erosão (GRAZIANO NETO, 1982, p. 87).

Já inserida entre agricultores ricos e pobres, entende-se que o “verde” tornou-se “vermelha”, pois os pobres e famintos que surgiram nas regiões ricas dos países subdesenvolvidos demonstram que não somente inviabilizou a permanência do pequeno agricultor na terra e o uso de técnicas menos agressivas aos ecossistemas, assim como viabilizou o êxodo rural para as grandes cidades, o aumento nos preços da terra e a concentração da terra e renda em poder de uma minoria. Além disso, na questão da fome, de acordo com os termos empregados, pressupõe-se que aqueles que nada possuem são vítimas deles próprios, o que leva ao crescimento desordenado da população e à incapacidade de produzir riquezas. Por isso, admitimos que a agricultura tradicional, oriunda da Revolução Verde, é uma falácia em relação à sustentabilidade e à saúde humana. Nesse contexto, a saída continua na agricultura, portanto, os policultivos, com as práticas agroecológicas, podem representar a verdadeira revolução. 3.3 AGROECOLOGIA

O termo “agroecologia” é geralmente empregado para designar a incorporação de ideias ambientais e sociais aos sistemas de produção. No Brasil, o termo “agroecológico” ou “agricultura agroecológica” é algumas vezes empregado para designar um segmento da agricultura sustentável, que tem foco nos aspectos sociais da produção, como se fossem um grupo à parte do movimento orgânico crescente no país. Mas, o seu significado é mais amplo, constituindo-se em uma nova abordagem da agricultura, que integra as diversas descobertas e estudos da natureza e suas inter-relações aos aspectos econômicos, sociais e ambientais da produção de alimentos.

De forma resumida, podemos dizer que a Agroecologia é a base, o alicerce, onde foram construídas as principais vertentes ou “correntes” de uma agricultura sustentável, como:

• Agricultura Orgânica ou Biológica;

• Agricultura Biodinâmica;

• Permacultura.

A agroecologia busca meios para um desenvolvimento rural sustentável que priorize a soberania alimentar, a preservação dos recursos naturais e a superação da pobreza. A agroecologia, na sua essência, imita a natureza, por isso, é preciso saber que:

No coração da estratégia da agroecologia está a ideia de que um agroecossistema deve imitar o funcionamento dos ecossistemas locais e, portanto, deve exibir uma ciclagem eficiente de nutrientes, uma mistura complexa e uma elevada biodiversidade. A expectativa é que ao imitar os modelos naturais possam ser produtivos, resistentes a pragas e conservadores de nutrientes (ALTIERI, 2012, p. 67-68).

Há uma diversidade de correntes que podem ser agrupadas sob essa definição, o que nos leva a conhecer um pouco da sua história. Observe que tanto as experiências práticas como as reflexões teóricas sobre agroecologia passaram a ser relevantes no Brasil no final da década de 1980 e princípios dos anos 1990, em decorrência dos trabalhos de ONGs e cientistas ligados historicamente ao movimento de agricultura alternativa. Por reconhecer o estado atual de crise socioambiental da agricultura, tais reflexões apontaram para o processo de amplas mudanças pelo qual o atual modelo de sobrevivência da agricultura precisa passar.

A monocultura de exportação, o uso contínuo de insumos e a exaustiva exploração das fontes não renováveis dão sinais de que outros modelos apropriáveis, como o uso de métodos e tecnologias ecologicamente corretos adequados ao pequeno produtor familiar e com menor dependência econômica, juntos podem atingir níveis de sustentabilidade ecológica, social e econômica na nossa sociedade (MOREIRA, 2003).

Caporal e Costabeber (2002) defendem que:

Agroecologia nos faz lembrar de uma agricultura menos agressiva ao meio ambiente, que promove a inclusão social e proporciona melhores condições econômicas para os agricultores de nosso estado. Não apenas isso, mas também temos vinculado a Agroecologia à oferta de produtos “limpos”, ecológicos, isentos de resíduos químicos, em oposição àqueles característicos da Revolução Verde. Portanto, a Agroecologia nos traz a ideia e a expectativa de uma nova agricultura, capaz de fazer bem aos homens e ao meio ambiente como um todo, afastando-nos da orientação dominante de uma agricultura intensiva em capital, energia e recursos naturais não renováveis, agressiva ao meio ambiente, excludente do ponto de vista social e causadora de dependência econômica. (CAPORAL; COSTABEBER 2002, p. 13).

Caporal e Costabeber (2012) afirmam ainda que:

“Não raras as vezes que Agroecologia tem-se confundido com um modelo de agricultura, com um produto ecológico, com uma prática ou tecnologia agrícola e, até mesmo, com uma política pública”.

Ao relacionar prática e teoria, a agroecologia, em seu enfoque científico, representa uma ciência ou um conjunto de conhecimentos, os quais sugerem uma compreensão crítica da agricultura tradicional com o intuito de avaliar as razões da insustentabilidade da agricultura da Revolução Verde, como também uma correta redefinição e o adequado manejo de agroecossistemas na perspectiva da sustentabilidade (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).

Atualmente, a agroecologia tem-se destacado como uma das opções para uma agricultura sustentável, uma vez que, além de produzir produtos menos agressivos à saúde, é também uma forma de promover qualidade de vida e subsistência do pequeno agricultor e sua família, sem, no entanto, perder sua atuação junto ao mercado competitivo, com produtos agroecológicos e economicamente solidários (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

A conversão agroecológica é um caminho desafiador para os camponeses que já experimentaram os processos oriundos da “modernização”, que, além dos custos elevados, graças à dependência dos agroquímicos, vivenciaram, ainda, as inúmeras contaminações ambientais.


3.4 AS DIFERENTES PRÁTICAS DE AGRICULTURA

3.4.1 AGRICULTURA ORGÂNICA

É uma forma de produção, baseada no equilíbrio entre o solo, a água e a planta, permitindo, de forma sustentável, a produção sem o uso de produtos químicos (adubos hidrossolúveis e defensivos agrícolas). Esse modo de produzir propicia forte integração entre o agricultor e o consumidor. Na agricultura orgânica busca-se a qualidade de vida, evitando danos à saúde do homem, degradação do meio ambiente, perdas de resistências das plantas e os prejuízos à população de inimigos naturais. Desta forma, pode-se afirmar que agricultura orgânica está baseada na recuperação da força produtiva dos solos (terra), respeitando os ciclos naturais, e os princípios de produção. Somente após um longo período, quando o Homem percebeu que a devastação e impactos socioambientais advindos da Revolução Verde afetavam o equilíbrio dos ecossistemas e que havia necessidade de novas práticas agrícolas, foi que a agricultura orgânica retornou ao debate acadêmico. Atualmente, a sua prática pode e vem sendo utilizada tanto pelo camponês quanto pelo grande produtor ou empresa (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

A agricultura orgânica na sua essência prima pelo abandono de métodos artificiais de produção e adesão aos naturais e tecnologias que viabilizem o equilíbrio dos ecossistemas. Além disso, fundamenta-se nos objetivos de cultivar produtos saudáveis, bem como melhorar a qualidade de vida dos agricultores, promover a redução da dependência do capital de transnacionais, estimular o comércio justo e o desenvolvimento das comunidades locais. De acordo com (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008). A agricultura orgânica na sua essência prima pelo abandono de métodos artificiais de produção e adesão aos naturais e tecnologias que viabilizem o equilíbrio dos ecossistemas.


3.4.2 AGRICULTURA BIODINÂMICA

Em paralelo ao surgimento da agricultura orgânica, eis que um filósofo conceituado, Rudolf Steiner, criador do movimento conhecido como Antroposofia, após ser consultado por um grupo de agricultores com problemas relacionados aos animais e às plantações, demonstrou na Polônia, em 1924, que o cultivo da terra devia se ater a uma visão ligada à grande influência dos astros sobre as plantas e os animais. Surgia, portanto, a agricultura biodinâmica.

Ele salientou, também, que os camponeses há muito tempo, baseados em milhares de observações sobre a influência da Lua na época da plantação, já consideravam a influência dos astros nos tratos culturais e na colheita, embora a ciência oficial não a reconhecesse (BONILLA, 1992).

Conforme o exposto anteriormente, a agricultura biodinâmica é fundamentada em uma relação de interdependência entre os seres vivos e os cosmos, na qual as fases da Lua e outros fenômenos astronômicos são levados em conta nas técnicas e nos métodos de cultivo (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

Outra corrente da agricultura ecológica identificada pelo francês Claude Aubert, em 1974, que parte do princípio de que plantas e animais necessitam existir em condições saudáveis, sendo cuidados como seres vivos, e não como máquinas de rotação de cultivos, é a agricultura biológica.

Ela surgiu em resposta à “agricultura industrial”, a quem Aubert declara que sua produção deteriora a saúde e escraviza a maioria dos agricultores, assim como utiliza métodos que não respeitam as leis biológicas e os princípios da conservação da biodiversidade (BONILLA, 1992).

Ele não julga como essencial a associação da agricultura com a pecuária e recomenda o uso de matéria orgânica advinda de outras fontes externas da propriedade, contrárias aos biodinâmicos.

Em suma, de acordo com Cerveira (2002), “a maior importância é a integração entre as propriedades e o conjunto de atividades socioeconômicas regionais”. Agricultura natural Surgida no Japão em 1935, com base nas ideias de Mokiti Okada, a agricultura natural tem como princípio o respeito pelas leis naturais, com incentivo à rotação de culturas, uso de adubos verdes, emprego de compostos e uso de cobertura morta sobre o solo. De acordo com Candiotto, Carrijo e Oliveira (2008), nesse tipo de agricultura, não é aceita a remoção do solo, nem a utilização de dejetos de animais como fertilizantes, sendo a fertilização realizada por meio do auxílio de micro-organismos e compostos orgânicos de origem vegetal. Por essa razão, na prática, o esterco animal é totalmente rejeitado, e estes produtos que são comercializados possuem fórmula e patentes detidas pelo fabricante (CERVEIRA, 2002).


3.4.3 PERMACULTURA


Conforme Mars (2008), no final dos anos 1970, surgiu o conceito de “permacultura”, que busca integrar todos os componentes do ecossistema, gerar paisagens produtivas por meio de uma abordagem holística que possibilita um modo de viver sustentavelmente e com praticidade.

Ela é também definida como:

[...] uma moldura que une muitas disciplinas, integrando assuntos sobre aquicultura, horticultura, tecnologia solar, investimentos éticos, solos e muitos outros, onde cada um contribui como uma parte do todo. [...] é uma integração harmônica de design com ecologia (MARS, 2008, p. 1-2).

Tal prática, que incorpora todos os aspectos dos seres humanos e seus anseios, sugere que, para um design bem-sucedido, os permacultores necessitam atentar-se para cuidados éticos com a pessoa, o ambiente, os limites e a redistribuição de excedentes. Além disso, eles devem buscar a sustentabilidade em longo prazo, o que possibilita a criação de um sistema autogestionário (MARS, 2008).

No início, a permacultura foi defendida por agricultores e ecologistas na Austrália, com os princípios básicos de não arar, não revolver o solo; não utilizar fertilizantes químicos ou compostos químicos, para que as plantas e os microrganismos trabalhem livremente sobre o solo; não gradear, nem usar herbicidas, mas controlar as invasoras com métodos naturais ou cortes; não usar agrotóxicos, devendo auxiliar os controles naturais de pragas (BORGES, 2000). 3.5 AGRICULTURA FAMILIAR

A agricultura familiar caracteriza-se pela diversidade na organização de sua estrutura interna, no que se refere à disponibilidade do uso e distribuição dos recursos – terra, trabalho e capital (GERARDI e SALAMONI,1994). Esse segmento torna-se foco de estudos, principalmente no que se refere às estratégias adotadas para se organizar e reorganizar diante das especificidades do modo de produção capitalista. Muitos trabalhos continuam a ser produzidos visando aprofundar o conhecimento acerca da produção familiar na agricultura, especulando sobre o seu destino, as formas de como este segmento irá se desenvolver no sistema capitalista de produção contemporâneo, seu processo de adaptação ao sistema de mercado, seu desenvolvimento paralelo ao sistema capitalista, ou ainda, a possibilidade de seu desaparecimento por completo com a intensificação das relações capitalistas, como apontam alguns autores. Assim, promover um debate sobre as especificidades da agricultura familiar apresenta-se como função vital, na medida em que este segmento agrega uma parcela significativa da população rural e é movido por uma lógica que ultrapassa as imposições do sistema capitalista que condicionam as relações da sociedade em geral.

Sendo assim, para entender a organização da produção familiar, é necessário considerar que a diferenciação social entre os produtores familiares é fruto do desenvolvimento de uma agricultura moderna. A partir da incorporação do progresso tecnológico, origina se uma camada de produtores “modernos” e, outra, que adotou diferentes estratégias de reprodução social, como o paradigma da agroecologia. Entretanto, é necessário destacar que mesmo entre aqueles que aderiram ao processo de modernização da agricultura, persiste um patrimônio cultural camponês, identificável por meio dos conhecimentos sobre a gestão dos agroecossistemas e da sociabilidade camponesa. Diante da problemática gerada pela modernização da agricultura, surge a concepção teórica da agroecologia, cujo conceito busca sistematizar todos os esforços em produzir um modelo tecnológico abrangente, que seja socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente sustentável. A rigor, pode-se dizer que a agroecologia é a base científico-tecnológica para um projeto de desenvolvimento rural sustentável. Desta maneira, segundo Neumann (1993), o ponto de partida para o processo de transição rumo a sustentabilidade na agricultura reside no reconhecimento das diferentes racionalidades de decisões produtivas presentes na produção familiar, se é que se pretende oferecer algum aporte eficaz para enfrentar os problemas existentes na organização interna das unidades produtivas familiares. Segundo Altieri (1998), as características intrínsecas à produção familiar podem perfeitamente ser associadas aos princípios básicos da agroecologia. A importância estrutural do núcleo familiar, que se orienta primordialmente à garantia da reprodução social, traz consigo pelo menos duas decorrências: uma primeira e fundamental é a visão sobre a preservação dos recursos naturais em uma perspectiva, não da próxima colheita, mas da próxima ou próximas gerações. A segunda decorrência é a versatilidade para manejar os recursos agroecológicos disponíveis. Do ponto de vista produtivo, a experiência adquirida em condições muitas vezes limite, confere uma garantia adicional de continuidade de reprodução econômica aos sistemas produtivos de caráter familiar.

A agroecologia baseia-se nos princípios da sustentabilidade ecológica, social, econômica, cultural e espacial/geográfica, ou seja, sistematiza os princípios que norteiam a construção de um modelo tecnológico abrangente, que seja socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente sustentável. Nas palavras de Altieri,

A agroecologia fornece uma estrutura metodológica de trabalho para a compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. (ALTIERI, 1998, p. 18).

O segmento da agricultura familiar apresenta características específicas na sua organização, como a utilização de mão de obra familiar, menor dimensão territorial da unidade produtiva e a lógica ou racionalidade camponesa está voltada em atender as demandas da própria família e não, de imediato, as necessidades do mercado. Estes são alguns dos traços que permitiram sua reprodução ao longo do processo de desenvolvimento capitalista. Por outro lado, estas características representam a possibilidade de transição de um modelo de agricultura convencional, pautado no excessivo uso dos recursos naturais não renováveis, para um sistema de produção agroecológico, que tem como base os pilares da sustentabilidade (ecológica, econômica, social, cultural, espacial/geográfica).


3.5.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A SUA RELAÇÃO COM A AGRICULTURA FAMILIAR


A artificialização do meio natural por técnicas de produção, não poderia deixar de causar significativas alterações na dinâmica dos ecossistemas. Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento da técnica criou comodidades e proporcionou o desenvolvimento de um modo de vida moderno aos que, dispondo de recursos financeiros, conseguiram ter acesso ao pacote tecnológico como visto na revolução verde, em alguns locais acarretou impactos negativos significativos ao meio natural, priorizando um padrão de vida incompatível com a capacidade de regeneração da natureza. Diante desta problemática, principalmente no que concerne ao uso e dilapidação dos recursos naturais, surgem propostas alternativas de desenvolvimento que privilegiam as várias dimensões do espaço geográfico: ambiente, sociedade, cultura, política, economia entre outros. É importante destacar que, embora os problemas econômicos e sociais já fossem bastante representativos e graves ao longo do século XX, é com a temática ambiental, levantada pelos movimentos ambientalistas, que se buscam novas estratégias de desenvolvimento e não mais um “modelo” que seja sinônimo apenas de crescimento econômico. Nesse sentido, vive-se, atualmente, como defendem alguns autores, um momento de transição de paradigmas que, de acordo com Becker “é uma transição que se revela nas múltiplas dimensões de uma crise decorrente do esgotamento do paradigma dominante e se pré-anuncia na emergência de um novo paradigma” (BECKER, 2002). Este paradigma emergente, inicialmente, convencionou-se denominar de eco desenvolvimento, tendo como foco a implantação de um relacionamento mais harmonioso do homem com o meio natural. Posteriormente, o termo foi substituído por desenvolvimento sustentável, distinguindo-se do anterior pelo seu caráter autossustentável (MONTIBELLER, 2004). Surge, assim, o termo desenvolvimento sustentável amparado na ideia de repensar as formas de apropriação do meio natural pelo homem, elaborando novas estratégias produtivas na tentativa de minimizar os custos socioambientais ocasionados pelo atual modelo produtivo. De diferentes formas e defendidas por distintos atores sociais, como organizações não governamentais, cientistas, poder público e sociedade em geral, emerge a preocupação acerca das necessidades de revisão dos efeitos devastadores ocasionados pela exploração dos recursos naturais pelo homem. Cabe destacar o papel desempenhado pelos movimentos ambientalistas, organizados com mais intensidade por volta da metade do século XX, na busca pela preservação ambiental e que se revestem de importância significativa para contestar o modelo de desenvolvimento proposto para as sociedades contemporâneas. Segundo Montibeller(2004):

No Brasil, a presença do ambientalismo deve ser situada nos anos 1970, quando sociedade e estado passam a manter relações complementares e contraditórias, a sociedade civil tende a pressionar o estado a adequar a legislação em favor das causas ambientais. Ainda, segundo o mesmo autor, “na década seguinte a disseminação da preocupação social com a deteriorização ambiental transforma o ambientalismo brasileiro em um movimento multissetorial e complexo” (MONTIBELLER, 2004, p. 39).

A sustentabilidade é percebida como um instrumento de transformação com diferentes escalas temporais entre os autores. Para muitos, a sustentabilidade é considerada como um caminho, um meio de se atingir outras formas de desenvolvimento, enquanto que para outros ela é considerada como um resultado, já formatado, de uma nova abordagem de desenvolvimento. De acordo com Becker, sustentabilidade deve ser compreendida como as múltiplas alternativas que cada localidade, região ou nação têm, pelas suas diferenças culturais, ambientais e valores “éticos e morais” de se inserir no processo geral de desenvolvimento. Em outras palavras, sustentabilidade deve ser entendida como a capacidade de uma região em constituir seu padrão de desenvolvimento, num padrão de desenvolvimento diferenciado. (BECKER, 2002, p. 77).

Esta visão pretende considerar a sustentabilidade como um meio para se atingir uma situação de desenvolvimento pautado nas potencialidades locais, pensando-se assim em um sistema de desenvolvimento local e regional. A ideia central em que está amparado o ideal da sustentabilidade remete, de imediato, a uma visão sistêmica onde possam ser contemplados todos os aspectos que conduzem ao desenvolvimento, as estratégias devem ser orientadas no sentido de reaproveitar os fluxos de matéria e energia tanto naturais quanto às artificialmente criadas. O termo desenvolvimento reveste-se assim de um significado qualitativo com a finalidade de atingir uma vida digna a todos, pautado nas necessidades locais de cada população com critérios preservacionistas quanto ao uso dos recursos naturais disponíveis.

Um viés importante nas ações do desenvolvimento sustentável refere-se também à valorização das potencialidades locais, sejam elas relacionadas ao meio físico, daí propor o aproveitamento dos recursos paisagísticos (turismo rural, por exemplo) ou, ao patrimônio cultural, por meio da valorização de uma herança cultural típica de determinado lugar ou região. Os agroecossistemas familiares também representam traços compatíveis com os princípios do desenvolvimento sustentável. A identificação e a sistematização destas características permitem o redesenho dos agroecossistemas, adaptando-os aos princípios de uma nova proposta de desenvolvimento, que priorize os pilares da sustentabilidade.


3.5.2 A AGRICULTURA FAMILIAR NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Diante das buscas por novos sistemas produtivos e organizacionais que primem por estratégias produtivas sustentáveis, o segmento da agricultura familiar apresenta características compatíveis com o ideário da sustentabilidade. Ao trabalhar movida por uma lógica específica, a agricultura familiar possui valores construídos na unidade produtiva, decorrentes de uma simbiose entre o ecossistema e o agricultor que trabalha diretamente na terra. Desta forma, as tradições culturais são fortemente influenciadas pelo meio, onde há uma significativa interação, representando um traço a ser mantido pelos sucessores do grupo familiar que, amparados por técnicas tradicionais, se relacionam mais harmoniosamente com o ambiente natural em que desenvolvem suas atividades, tanto as relacionadas às atividades técnicas na agricultura quanto às sociais. Estas características ganham maior importância quando comparadas às explorações patronais que, devido às suas práticas agrícolas e a lógica empresarial adotada nas atividades, tendem a ocasionar significativos prejuízos ambientais (contaminação de mananciais hídricos pelo elevado uso de agrotóxicos, esgotamento do solo, lixiviação, etc.) e sociais (baixo emprego de mão de obra ocasionando o êxodo rural, entre outras consequências). De acordo com Brumer,

Uma das principais diferenças entre o produtor familiar e o empresário capitalista é que o primeiro precisa produzir, de certa forma, independentemente do mercado, pois ele e sua família vivem dos produtos da terra, enquanto que o segundo pode decidir mais livremente onde e como investir seu capital. Ao mesmo tempo, enquanto que o empresário capitalista pode despedir empregados considerados ‘excedentes’, numa lógica de racionalização econômica, o produtor familiar não pode fazer o mesmo com seus trabalhadores, membros de sua família: seu comprometimento de trabalho pode ser considerado como total; seu objetivo é maximizar a utilização de trabalho em lugar de maximizar o lucro ou algum outro indicador de eficiência (BRUMER, 1994, p. 90).
O agricultor familiar torna-se, neste contexto, importante foco de transformação na medida em que pode alterar seus sistemas produtivos, seus cultivos, a utilização de insumos, de acordo com suas necessidades sem precisar contratar mão de obra extra. O grupo familiar é que orienta as mudanças no sistema produtivo.

A relação do agricultor familiar com sua terra não se pauta apenas na produção para a comercialização da produção, mas ele se identifica com o lugar que trabalha e vive. Em muitos casos, foi no mesmo “pedaço” de terra que seus antepassados viveram, o que torna o lugar carregado de um sentimento de posse e identificação (valores simbólicos). Nestes sistemas de organização familiar, “a ecologia não representa somente a base de sua estrutura de produção, mas uma dimensão abrangente, relacionada à totalidade da vida do agricultor e fundamento de reprodução social da família”.


4. TREZE ANOS DE ASSENTAMENTO

4.1 AS PRINCIPAIS PRÁTICAS AGRÍCOLAS


Dentro do assentamento eram realizadas as práticas agrícolas da agricultura convencional, ecológica e consorciada. Os agricultores praticavam com mais intensidade a agricultura convencional, não respeitando as condições do solo, visto que o solo é um organismo vivo e que vai responder de acordo com a maneira como for tratado, assim afirma Primavesi (2006), no assentamento pelo que foi observado, não tinha a necessidade de adubar o solo com agroquímicos, visto que, o solo é profundo e fofo ideal para o plantio, não sendo totalmente homogêneo nessas características, mas no geral é um solo com ótimas qualidades para a produção, no entanto, com o intuito de uma maior produção, eram colocado adubos químicos. Os agricultores do assentamento provavelmente não tinham o conhecimento necessário para saber que o que estavam fazendo era errado, na verdade o que estavam fazendo era matar o solo.

“As consequências da degradação da terra são a diminuição da produtividade dessa terra e problemas sociais e econômicos, que incluem incertezas na segurança alimentar, migração, desenvolvimento limitado e dano aos ambientes naturais. Custa caro recuperar um solo degradado e, se ele estiver muito degradado, pode não mais [...] oferecer benefícios ambientais, sociais e econômicos [...] que são essenciais para a sociedade e para o desenvolvimento.”

(FAO – organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), natural resources and evironment: land degradation assessment. Disponível em: < http//WWW.fao.org/nr/land/degradation/em/> acesso em: novembro de 2013.

É preciso deixar claro que aproximadamente 90% da alimentação mundial vem diretamente da agricultura. São conhecidas centenas de milhares de espécies de plantas, mas só se utilizam , atualmente, cerca de trezentas com finalidade agrícola. Apenas cerca de cem são utilizadas nas plantações. É importantíssimo para o futuro da humanidade conservar adequadamente o solo, a fim de que ele possa continuar fornecendo alimentos. O solo do assentamento é fértil, dispensa adubos químicos, sabendo que: “o solo para ser fértil deve apresentar algumas características como: cobertura vegetal, cobertura formada por restos de folhas mortas, parte superior do solo rica em nutrientes reciclados e, região inferior pouco alterada, e o solo do assentamento apresentam todas estas características ”, não há necessidade de uma prática convencional, por outro lado, alguns agricultores preservavam o solo, evitando queimadas, adubação química e produziam de forma ecológica, faziam uma prática de agricultura ecológica se preocupando com o solo plantado. Primavesi (2006) diz “o solo é um organismo vivo, ele tem vida em abundância em até 15cm, depois a vida vai diminuindo e pode ser encontrada em até 30cm, daí não encontramos mais a vida aeróbica, só anaeróbica.” A queimada realizada no assentamento na agricultura convencional matavam os micro-oganismos que vivem nos solos, o adubo químico, oferece de 3 a 5 dos 45 nutrientes que a planta precisa. O consórcio realizado por alguns agricultores do assentamento misturando as culturas de milho e feijão, por exemplo, ajuda no equilíbrio da fixação do “Nitrogênio” no solo.


4.2 AS PRINCIPAIS CULTURAS NO ASSENTAMENTO


Durante esses treze anos de práticas agrícolas nesse assentamento, foram cultivadas as mais diversas plantas, desde verduras a frutas com árvores de certo porte. Destacam-se como culturas principais o plantio da mandioca, a qual era usada para fazer a farinha, produzir goma para fazer o beiju e tapioca e, a massa pulba muito utilizada para fazer bolos. Estes produtos eram vendidos nas feiras de Canhotinho e Queimadas de Jurema. Dentro de suas culturas destacam-se também a produção de bananas de diversas espécies sendo que as principais produzidas eram a banana-prata, banana-maçã, banana-comprida e banana-pão, também eram plantadas a banana-nanica e outras espécies, mas eram em pequenas quantidades. Os cultivos de verduras eram feitos com muita intensidade, não só eram plantadas para o consumo, mas também para serem vendidas em feiras, como Canhotinho aos sábados e Queimadas de Jurema aos domingos. As verduras mais produzidas eram a cebolinha, coentro, alface, cenoura, pimentão e couve. Também eram plantadas outras verduras mas eram apenas para o consumo no assentamento. Durante o inverno eram plantadas o milho em consorcio com o feijão e fava, após a colheita se plantava o feijão de corda. As frutas como goiaba, acerola a banana já citado anteriormente, abacaxi, melancia, pinha, laranja, graviola, maracujá entre outras erma muito produzidas no assentamento não só para o consumo mas também para a venda em feiras e quando era uma boa colheita se vendiam a outros feirantes por carradas ( termo usado por agricultores para designar uma carga de determinado produto agrícola), os maracujás eram vendi a saca ou saco, no assentamento eram produzidos peixes em um açude enorme, dentro desse açude tinham vários tanques criadouros de peixes que abasteciam o assentamento e eram vendidos em feiras. 4.3 QUADRO ATUAL DO USO DA TERRA NO ANTIGO ASSENTAMENTO

Depois da reintegração de posse, as terras ficaram em partes como eram antes, “abandonadas”, outras partes onde eram os sítios de bananas em uma parte rebaixada do assentamento, foram totalmente modificadas, todas as bananas foram arrancadas por máquinas, no local, está plantado um grande partido de capim de corte para a criação de gado. Em outras partes onde tinham árvores que foram cortadas para plantar milho feijão entre outros, está voltando a apresentar vestígios da vegetação que tinha antes, os tocos ( restos das árvores cortadas), estão brotando novos galhos nos mesmos e algumas raízes estão germinado, o que se futuramente não cortarem as mudas que está nascendo, os brotos das raízes e tocos germinados, podem apresentar novamente os bosques que tinham no local. Outras partes do assentamento estão sendo cercados para criação de gado, outras continuam como antes, como o açude, as plantas frutíferas..., uma característica que ficou marcada no solo do assentamento, foi em algumas partes do assentamento onde o solo está com sinal de cansaço em virtude de uma agricultura intensa o que caracteriza a agricultura convencional, manejo errado do solo, aplicação de agrotóxicos e uso de adubos químicos no solo.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate em torno do tema agroecologia e sustentabilidade tem se ampliado consideravelmente no meio acadêmico nos últimos anos, uma vez que a agroecologia como paradigma evoca muito mais que uma agricultura orgânica, pois, tem como objetivo final a construção de um novo conceito de desenvolvimento rural. Por isso, torna-se importante salientar e destacar a dimensão que se busca empregar ao conceito de agroecologia, embora estando, ainda em construção, uma definição específica e conceitual. Assim, muito já se produziu quanto a sua aplicabilidade relacionado a métodos sustentáveis de produção. Fazendo-se a análise da agricultura do assentamento, constatou-se que o problema apresentado no local, em parte estava de acordo com a nossa hipótese, visto que, os agricultores do local, não tinham conhecimento algum do que era produzir de forma agroecológica, não tinham ideia do que era agroecologia nem na teoria e nem na prática. Simplesmente produziam da forma que achavam melhor, utilizavam insumos industriais, agrotóxicos dos mais variados tipos, como o ”Tordon - um herbicida recomendado para o controle de dicotiledôneas indesejáveis de porte arbóreo, arbustivo e subarbustivo em pastagens e para a erradicação de touças de eucalipto na reforma de áreas florestais.” Eles não só usavam para matar o mato das pastagens, mas usavam para o controle de outros vegetais nas plantações de frutas, como a goiaba e graviola, o que acarretou a morte do solo em virtude de seu uso continuo. A metodologia usada foi suficiente para a conclusão da pesquisa no local de estudo. Foi possível concluir que a pratica no assentamento de modo geral não foi sustentável, uma vez que apareceu indícios contundentes do problema decorrente de uso e praticas indevidas do solo como a nudez total das terras para as plantações, monoculturas em certas áreas entre outros.
 
Concluiu-se, então, que a coloração dos vegetais se deu em virtude dos resíduos de agrotóxicos no solo, sabendo que era veneno, as plantas estavam morrendo de forma lenta e se contaminando pelo mesmo, além do aspecto desgastado do solo que, acredita-se ocorreu em virtude da exploração incessante da terra ao longo desses treze anos. Primavesi (2006) deixa claro que o solo, se bem explorado, o que se tira em 1 ano pode levar 6 ou mais anos para se recuperar totalmente. Logo, como era uma agricultura de base familiar local, cada família produzia de sua maneira utilizando-se de sua mão de obra familiar.


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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


José Francisco de Moura Junior

por José Francisco de Moura Junior

Graduado em Geografia pela UPE - Universidade de Pernambuco, Graduando em Ciências biológicas - CEUCLA - EAD Unidade de Batatais SP, atuante nas áreas de Geografia Física, Direitos Humanos, Geoprocessamento, Pesquisa Cientifica, Geofísica, Geologia e Educação Ambiental. Pesquisador em metodologia para o ensino de Geografia, Geografia física e ambiental.

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