A água, o calor, a governança, a Agenda 21 e o seu protagonismo

Leito de lixo, na rua Lino Teixeira com Álvares de Azevedo, Rio de Janeiro, agosto, 2014
Leito de lixo, na rua Lino Teixeira com Álvares de Azevedo, Rio de Janeiro, agosto, 2014

Administração e Gestão

04/03/2015

Se você acha que faltar água é problema do Nordeste e agora de São Paulo, ah, está de inocente na história do nosso país. Estamos em plena crise de água e saneamento, acumulando ralos de desperdício e gargalos de degradação. Somos 77 milhões sem abastecimento de água regular e de qualidade. Somos 114 milhões sem uma solução sanitária apropriada [60% da população]. Somos 8 milhões de brasileiros fazendo necessidades ao ar livre todos os dias. Os dados do informe da Organização das Nações Unidas [ONU], apresentados em setembro/14, refletem a desimportância do tema por aqui.

 Água é um recurso natural vital [ou vivemos sem água?], não produzimos alimentos sem água, sem água não são feitas as coisas que compramos. O planeta tem apenas 0,6% de água doce em sua superfície. No Brasil estão 12% de toda água doce do planeta, uma preciosidade sob nossos cuidados.

Vamos conversar sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos? Não. Ah tá...

Falta de água não é um "privilégio" de São Paulo e nem é um problema que mereça ser tratado como munição de marketing eleitoral, tão pouco está suspenso do restante do país ou desconectado das questões econômicas e ambientais no mundo. A crise da água é mundial, agravada com o aquecimento do planeta e as mudanças climáticas, decorrentes de um modelo econômico insustentável que forja a sociedade de consumo e sua alienação [e nelas está baseado]. A estiagem no Sudeste e no Centro-Oeste tem relação com o desmatamento na Amazônia, a natureza não tem fronteiras. Culpar políticos, porque são filiados a um partido e não a outro, pelo problema de faltar água em Sampa é tão raso quanto o baixo nível do Cantareira. E é uma demonstração de como ignoramos políticas públicas que deviam estar em execução e com nossa participação.

A Política Nacional de Recursos Hídricos foi sancionada em 1997 [Lei 9.433], instituindo o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, com gestão participativa em todos os níveis, ou seja, responsabilidade de todos, dos poderes públicos, da iniciativa privada e da sociedade. Temos uma Política Nacional de Saneamento desde 2007 [Lei 11.445]. E ainda são problemas básicos para se enfrentar, em todo Brasil, a poluição das fontes de água por esgoto, resíduos de indústrias, da agropecuária e todo tipo de lixo, a degradação da vegetação nas margens, o desperdício na distribuição e no uso doméstico e industrial, a baixa captação de água das chuvas, o pouco reuso e a falta de noção do valor da água e de educação ambiental para o consumo consciente.

Devemos acreditar mais em cientistas e técnicos [e menos em candidatos e eleitos]. Temos que aprender a ler e considerar estudos e pesquisas [e não discursos de ocasião, como eleições e tragédias]. Precisamos entender que a crise da água é fato em nosso país e no mundo [e não uma arma de botar medo], que não se reduz a um Estado ou outro [muito menos conforme esse ou aquele partido] e que requer seriedade conforme a importância desse recurso natural para a vida de todos [independentemente de preferências políticas]. E está mais que na hora de seguir as leis, por que não?

Preferimos seguir "líderes políticos" no sentido contrário à sustentabilidade

Esquecemos que temos a Política Nacional de Meio Ambiente, das mais avançadas no mundo com sua gestão participativa, definida em 1981 por Lei [6.938]. Seria promotora de diálogos e de participação social, ó, faz tempo, não fosse engavetada na estupidez, massacrada no desrespeito, sufocada na política econômica baseada no crescimento custe o que custar e [a pá de cal] chafurdada na reles disputa pelo poder.

Nas leis que ignoramos estão instâncias de diálogos e participação da sociedade que não dependem de decreto, votação, aprovações. A roda já foi inventada. Basta olhar para fora do umbigo. E a preocupação com o Meio Ambiente gerou o instrumento mais poderoso e apaixonante de participação social, englobando os aspectos econômico, ambiental e social, com dinâmicas espetaculares de espalhamento de cidadania, responsabilidade, engajamento e amor pelo lugar em que se vive: a Agenda 21. É o "pensar global, agir local" que dá a municípios e estados a autonomia de fazer política no melhor dos exercícios, no cotidiano dos cidadãos, para o bem coletivo.

A Agenda 21 Brasileira foi lançada em 2002 e implementada em 2003 [seu projeto foi iniciado em 1995 e as bases para discussão foram divulgadas em 2000]. No site do Ministério do Meio Ambiente [MMA], na seção sobre o processo de construção, consta que foi reconhecida no programa de governo do então presidente Lula como "instrumento propulsor da democracia, da participação e da ação coletiva da sociedade [...] e suas diretrizes inseridas [...] em suas orientações estratégicas." E mais, que foi transformada em programa no Plano Plurianual do Governo 2004/2007 [PPA], com três ações estratégicas [implementar a Agenda 21 Brasileira, elaborar e implementar as Agendas 21 Locais e a formação continuada em Agenda 21]. Bonito, né?

Então, pensa rápido, você conhece a Agenda 21 Brasileira? Difícil que sua resposta seja sim. Até porque se quiser conhecer, tem de consultar o site do MMA e não vai encontrar informações atualizadas sobre os resultados até 2007 no PPA e a continuidade do programa até 2013. Nada acontece se você clicar no mapa das regiões, que seria para acessarmos as iniciativas regionais, estaduais e municipais de Agenda 21. E o acesso ao sistema de acompanhamento das Agendas 21 Locais só com cadastro e justificativa. A maioria das informações datadas é de 2004, quando chegamos ao número de Agendas 21 Locais quase triplicado e 544 processos em andamento. Ah, esse incremento ocorreu no período em que Marina Silva era a ministra.

Sabe o que é governança ambiental frouxa?

Pois é o que você está sentindo na pele, seja com o calor infernal no Rio de Janeiro, em Campo Grande, seja com o granizo no sul de Minas Gerais ou com as tempestades em Manaus, no Acre, em Santa Catarina. Na vida real, o futuro já chegou, com altas temperaturas, baixa umidade, pouca chuva, escassez de água, chuva demais fora de época, enchentes. Poluição do ar, das águas doces e salgadas, dos solos, dos alimentos. Florestas ardendo em chamas, queimadas destruindo reservas de árvores, plantas, flores e bichos. Desmatamento. Eis o que estamos fazendo com o privilégio de ter abundância de recursos naturais e uma boa parte de toda água doce do planeta.

Meio ambiente no Brasil, na perspectiva da Economia, representa um potencial fenomenal de liderarmos a transição para o Desenvolvimento Sustentável. Só que não... Seguir com o modelo econômico insustentável não nos dá um pingo sequer de "mudança" ou de "ideias novas", é mais do mesmo. E o que é pior, nos atola na cultura da sociedade de consumo com poder aquisitivo e sem poder de escolha, com parcelas no cartão e futilidade na cachola. É tempo de despertar. Tictactictactictactictactictac... Sustentabilidade está em nós, no nosso livre arbítrio, nas nossas atitudes cotidianas. Ative o seu protagonismo para democratizar a governança ambiental na sua cidade com o Pequeno Guia da Agenda 21 Local [de Patricia Kranz] e inspire outras pessoas.

Beatriz Carvalho Diniz


Profissional de Comunicação e Sustentabilidade. Criativa de Eco Lógico Sustentabilidade, conteúdo produzido com amor, sem fins lucrativos, desde 2009.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Maria Beatriz Carvalho Diniz

por Maria Beatriz Carvalho Diniz

Criativa de Eco Lógico Sustentabilidade, produto editorial de metodologia replicável, feito com amor, desde 2009, sem fins lucrativos [Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 3.0 Brasil]. Profissional de Comunicação e Sustentabilidade, com Especialização em Gestão Ambiental. Expertise em Comunicação para Políticas Públicas Socioambientais.

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